Categories: PONTOS DE VISTA

Indústria cultural, um “velho” debate?

A indústria cultural como conceito surge através da análise de dois fenômenos: o efeito social do surgimento dos veículos de comunicação de massa, segundo Adorno e Horkheimer (1942), e das mídias físicas, processos mecânicos e a capacidade de reprodução de produtos culturais, segundo Benjamin (1936).

Pode ser definida como o conjunto de meios de produção e de comunicação tradicionais que geram sua promoção e difusão como: cinema, rádio, televisão, jornais, revistas. E ainda outros mais novos como: a difusão e troca de arquivos digitais na internet, ou através da portabilidade de arquivos com a telefonia móvel.

Aproximando empresas de geração de conteúdo de entretenimento com as massas consumidoras, formam um poderoso sistema capaz de gerar lucros, ao mesmo tempo em que exercem um tipo de manipulação e controle social, não apenas edificando a mercantilização da cultura, como também legitimando a demanda desses produtos.

Agem como forças transnacionais integradas para fins de controle e acúmulo de capital simbólico e poder, responsável pela consolidação da sociedade espetacular, proprietária da indústria da consciência, consumista, espelho de mundo de uma cultura capitalista.

A humanidade a seu tempo revela a relação entre os modos de produção de uma sociedade e sua cultura, transmitidas através de sua produção e reprodução material que estruturaria a estrutura/estruturante, portanto, o conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas de consciência social, ou aquilo que Marx e Engels trataram por um modo de produção da vida material que condiciona, em geral, o processo social, político e espiritual da vida.

Na origem, o debate dos efeitos da indústria cultural precisa ser retomado, primeiramente em Hegel/Marx, que apresentariam o mundo das formas materiais como determinante das relações e da cultura, através do materialismo histórico-dialético, e em Marx/Freud com as questões relacionadas a alienação dos sujeitos provocadas pelo mundo dos objetos. Teses que proporcionaram o avanço das teorias críticas, e, portanto, base para ideias frankfurtianas responsáveis por fundar as pesquisas do campo teórico em questão.

A observação da indústria cultural tem sido efetivada por três principais correntes. De um lado, os teóricos críticos do que chamam de “consumo alienado”, do outro, os marketeiros da psicologia cognitiva e da comunicação para “dominação das massas”, e, alternativamente, as correntes antropológicas, da geografia cultural e sociologia, entre outras, que promoveram por muito tempo estudos de micro casos, ou políticas das diferenças, alegando não serem válidas as correntes anteriores, porém sem comprovar aspecto algum com ampla validade no campo macro-teórico.

No século XX, esse debate teve lados definidos, sendo defensores ou teóricos da comunicação massiva (massmedia) associada a psicologia cognitiva (o bloco dos maníacos  defensores da dominação das mentes), como Walter Lippmann, Steve Jacobson, Carl Jung, Edward Bernays, B. F. Skinner, Harold Lasswell. Outro bloco seria formado, segundo Luiz Costa Lima, por autores de: “manuais pragmáticos, de leve trato e venda certa, moderadamente informativos, moderadamente inofensivos, como o Introduction to Mass Communications, de Emery, Ault e Agee, as apresentações superficialmente redundantes como o L’Esprit du Temps, de E. Morin, o profetismo alegre de McLuhan, as sínteses deficientes de A. Moles” (LIMA, 2000, p. 15). Produzindo outras notas (o bloco dos críticos da indústria cultural e das estruturas sociais de dominação), encontram-se Walter Benjamin, Theodor Adorno, L. Althusser, Hanna Arendt, J. Baudrillard, Guy Debord, P. Bourdieu, Roland Barthes etc.

Sendo esse um dos conflitos mais intensos da academia nas últimas décadas, pois apesar de teoricamente aceitos por parte substancial dos pesquisadores, os teóricos do campo foram desacreditados ao não estabelecerem produção de dados empíricos que demonstrassem o grau de interferência de tais indústrias “culturais” na vida social, nos modos de vida e na própria cultura.

Pesquisas afirmam que os críticos da “cultura de massas”, “indústria cultural”, “mass media”, erram, por tentarem, os “frankfurtianos” (e seus seguidores), impor aproximações entre civilização, cultura, arte, indústria cultural, hegemonia e subalternidade, moderno e tradicional ou dicotomias entre elas, através de julgamento de valores dos próprios pesquisadores.

Em oposição crítica a esse pensamento tratado por monológico e dogmático, outros autores têm apresentado o mundo formado por redes dialógicas e polifônicas, portanto, não determinadas pela superestrutura.

Essas diferentes visões dos autores têm validade limitada por não terem testemunhado os fatos ocorridos nas últimas décadas do século XX, quando os polos de emissões de trocas simbólicas foram totalmente dominados e reprimidos pelos meios de comunicação, como sugerido por Baudrillard em Para Uma Crítica da Economia Política do Signo (1995, p, 153-155). Demonstrando o conflito nas pesquisas desses autores, e que no entanto, existe algo de verdade em cada uma das posições, posto que são realidades em épocas e contextos diferentes.

Não sendo consenso este debate sobre cultura popular, massmedia ou cultura de massas, se tornando pergunta embaraçosa, abrindo margem para tiradas espirituosas dos jogadores de palavras que adotam mil fórmulas e gráficos elogiando o mercado para desviar qualquer debate sério sobre o assunto.

Em especial, a ausência de pesquisas que observem o impacto social da comunicação foi substituída por estudos de recepção da audiência, que ocultam reflexões tanto sobre o conteúdo da programação, como as condições de produção, de circulação e de reprodução.

Já as pesquisas como ditas da pós-modernidade, de Lyotard e de Bauman, posicionam o fim das grandes narrativas e da história sociocultural do mundo, diante da perda de referências na humanidade, graças a fragmentação e multiplicação de centros e a complexidade das relações sociais dos sujeitos, ocasionando aquilo que vem sendo estudado como a dissolução da razão e dos esquemas totalizantes.

Qualquer explicação da indústria cultural, diante desses esquemas, fica inviabilizado, mas de forma alguma podem ser ignorados, tornando-se uma simples questão de comprometimento com as pesquisas, métodos e objetivos que permitam o aprofundamento e a construção de uma base crítica, que levem ao questionamento: A produção de estudos culturais na atualidade ocorrem para o mercado ou para a sociedade?

Canclini apresenta um alerta aos pesquisadores que não podem mais se abster de efetivar análises que relacionem os aspectos aproximados da vida, com as análises da superestrutura. Exigindo a aplicação das teorias socioculturais utilizadas, a fim de compreender criticamente o devir capitalista, a fim de evitar leituras e interpretações pontuais diante de fenômenos totalizantes dos mercados econômicos e simbólicos transnacionais. Não podendo, no entanto, a ciência neste momento se eximir de buscar leituras mais estruturais, ou seja, menos textuais e fragmentárias (HERSCHMANN, 2010, p, 34-35).

Um meio termo precisa ser retomado, para que as pesquisas alcancem novamente orientação crítica e científica. A indústria cultural como debate, disse-me uma jovem doutora de antropologia, é um “debate superado”, enquanto ouço os ecos da fala, percebo, ao observar o entorno, que estamos cada vez mais envoltos por esta estrutura, ainda assim, alguns querem insistir em não debater a engenharia oculta que gera o holograma, afinal, a fantasia e a ilusão são mesmo confortáveis.

Manoel J. De Souza Neto

Pesquisador, escritor e agitador cultural. Diretor do Musin - Museu do Som Independente. Membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais/MINC (2010/12). Facebook: www.facebook.com/manoel.j.de.souza.neto

Recent Posts

MinC alcançou 100% de transparência ativa em avaliação da CGU

Fonte: Ministério da Cultura* O Ministério da Cultura atingiu 100% de transparência ativa de acordo…

14 horas ago

Ordem do Mérito Cultural recebe indicações até 10 de fevereiro

Até o dia 10 de fevereiro,  a sociedade terá a oportunidade de participar da escolha…

15 horas ago

Salic receberá novas propostas a partir de 06 de fevereiro

O Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) estará aberto a partir…

19 horas ago

Edital do Sicoob UniCentro Br recebe inscrições até 14 de março

O Instituto Cultural Sicoob UniCentro Br está com inscrições abertas em seu edital de seleção…

5 dias ago

Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura (SC) recebe inscrições até 04 de fevereiro

Estão abertas, até 04 de fevereiro, as inscrições para o Edital Elisabete Anderle de Estímulo…

7 dias ago

Edital Prêmio Cidade da Música (Salvador) recebe inscrições até 10 de fevereiro

Estão abertas, até 10 de fevereiro, as inscrições para o Edital Prêmio Cidade da Música,…

7 dias ago