Categories: ANÁLISE

Intervenção na Bienal é caso de polícia

Uma vez eu perguntei ao Hemano Viana algo sobre política para cultura. Ele me disse que a única vez que viu cultura ser assunto de política pública foi na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Hermano referia-se ao estudo que fez sobre os bailes-funk. Está aqui um caso parecido, uma bienal que pretende discutir a si mesma, esvazia seu prédio, cujo estado natural é mesmo vazio (quando não serve de aluguel para comerciais da Mitsubish, ou palco para feiras e eventos de todos os tipos, ela fica 20 meses à espera de uma bienal, que ocupa o prédio apenas por três meses a cada dois anos) e recebe uma intervenção de artistas de rua. Nada mais natural, se o caso não fosse parar na delegacia de polícia. Pergunto eu: o que é arte e o que é vandalismo hoje na Bienal?

Acompanhe o comunicado oficial da Fundação Bienal:

A Fundação Bienal de São Paulo e a curadoria da 28ª Bienal de São Paulo lamentam e condenam a invasão e o vandalismo ocorridos no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, no último domingo, 26 de outubro de 2008.

Trata-se de um ato criminoso, previsto em lei, contra um patrimônio público, o edifício da Bienal, o meio ambiente, a área preservada do Parque Ibirapuera, além de graves agressões físicas a funcionários trabalhando no evento. Embora já tivéssemos sido informados da possibilidade de um ataque desse tipo, em respeito ao público visitante, havíamos optado por manter uma segurança menos ostensiva, além da colaboração de profissionais preparados para a mediação com o público por meio dos serviços educativos. Ainda assim, foram graças à eficiência da segurança contratada e ao apoio dos educadores que esse bando de criminosos não logrou maiores danos em relação às obras expostas. Depois do ocorrido, fomos obrigados a alterar e reforçar o esquema de segurança.

Causa-nos profunda surpresa e pesar, ver que no momento em que a exposição Bienal se propõe como um espaço democrático, aberto ao público, hospitaleiro, recebamos uma manifestação completamente contrária a esse espírito. O vandalismo causado pela atitude autoritária e agressiva desses jovens representa uma ameaça à constituição de um espaço público coletivo, que respeite a integridade de cada cidadão e o patrimônio material e simbólico da nossa cultura. A atuação do grupo repetiu o mesmo padrão de ataques anteriores realizados na Faculdade de Belas Artes e na Galeria Choque Cultural, ambas em São Paulo, mas, diferentemente do que ocorreu nessas ocasiões, eles não conseguiram destruir nenhuma obra. Duas pessoas foram detidas e poderão sofrer duras penalidades.

A Fundação Bienal de São Paulo e a curadoria da 28ª Bienal de São Paulo pedem a compreensão do público visitante da mostra, pois somos obrigados pelo autoritarismo e violência desses criminosos, a implementar medidas de segurança e controle do público visitante. Portanto, a fim de evitarmos transtornos e embaraços, pedimos a gentileza de que os visitantes não venham com bolsas grandes (mochilas são guardadas obrigatoriamente), pois elas terão de ficar no guarda volumes. Todos os visitantes deverão passar por detectores de metal e, quando solicitados, poderão ser inquiridos sobre possíveis pertences metálicos que estejam portando. A 28ª Bienal de São Paulo estará aberta normalmente ao público, amanhã, terça-feira, a partir das 10h, sem qualquer alteração em sua programação.

Fundação Bienal de São Paulo
Curadoria da 28ª Bienal de São Paulo: “em vivo contato”

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

View Comments

  • Ao falhar em precaver-se de um ataque anunciado, a Fundação Bienal de São Paulo exibe mais uma vez a evidência de que seus atuais gestores não dão conta da missão para o qual foram eleitos e (equivocadamente) reeleitos. Mais do que uma mera questão de pixação, estamos diante da agonia pública de uma das mais importantes instituições culturais do país. Ao reprimir com violência o que deveria ser simplesmente evitado, a Fundação Bienal dá contornos heróicos e contestadores a banais vândalos ressentidos, que não entendem quem são seus verdadeiros inimigos.

  • Sou carioca e nunca tinha ido à Bienal. Por acaso estava em São Paulo no fim de semana e, também por acaso fui até o Ibirapuera para o show de abertura da Bienal.
    No comunicado oficial a Fundação fala de agressão aos profissionais e de equipe preparada. Não foi isso que eu vi lá. Vi uma segurança patética correndo atrás de adolescentes e jovens, um equipe que "encurralou" um grupo ao lado de uma porta de vidro (que obviamente foi quebrada e foi por ela que eles saíram), vi uma segurança que prendeu por 30 min os visitantes dentro do prédio (é esse o respeito ao público visitante citado pela Fundação em sua nota sobre o ocorrido?).
    Os pixadores, a principio, não colocariam as obras em risco. Toda a ação foi realizada no segundo andar, vazio, da Bienal.
    Acho que a ação (de vandalismo?) deve ser encarada com outros olhos. O que eles queriam dizer? Que tipo de sistema se impõe sobre a cultura urbana de nossas cidades? Taxá-los como vandalos é simplesmente ignorar suas vozes, como se estas não tivessem valor. Sim, eles poderiam se expressar de outra forma, sem confusão, trabalhando junto, propondo uma intervenção pensada, programada, preparada... mas... enfim...

  • Sim, a violência é um ato repugnante, resta-nos descobrir onde ela de fato inicia, onde ela é reativa e que instrumento utilizamos para classificá-la. É bom mesmo que aprofundemos a questão da violência explícita, mas também da implícita. Não há verdadeiramente numa dinâmica social, apenas de um lado, isso é sim papel que cabe na alma de todo sentido que a cultura pode ter numa sociedade. Criminalizar a violência é um ato que, com certeza, as partes se igualam. O que as distingue é a classificação feita por um comando unilateral. Somos reféns de um mundo inevitavelmente de causa e efeito, não há como fugir disso.

  • Mais uma vez, quem não tem repertório é considerado culpado dos erros idiotas de quem tem repertótio e se diz "curador". Tá curando o quê, mesmo?

  • Caro Tadeu...
    Sou da equipe do educativo da Bienal... e certamente seu olhar em relação ao caso esta bastante equivocado.
    Sim, houve agressão física a funcionários. E o pior de tudo, o funcionário agredido não era da segurança, e sim uma garota de seus 20 anos, que ficou bastante machucada...
    A equipe de seguranças agiu de forma correta, sem violência e isolando o grupo ( tudo que eles poderiam fazer)...
    Infelizmente, hoje em dia é moda parecer subversivo e aplaudir a violência. O que houve foi sim invasão de propriedade PÚBLICA, agressão física e moral. Nada justificável.
    Se temos que preencher o VAZIO da Bienal, certamente não é com violência e vandalismo.

  • Nada de novo no fato, na reação da instituição e na discussão gerada. Talvez se analisarmos por outro ângulo, poderemos extrair alguma reflexão que nos ajude a entender e lidar com esse tipo de conflito. Eu estou um pouco surpreso de ver as palavras "educação" e "segurança" tão perto uma da outra na declaração oficial da bienal. Sério, me confundiu mesmo. Mas vou ver a bienal antes de plantar a discórdia.

  • Badah
    Concordo com vc ver estas duas palavras juntas parece não combinar, o que será que acontece? Vamos refletir sobre a crise aclamada, que vazio é este? Não acredito que está crise é apenas da instituição, mas é também curatorial. Como as pessoas estão entendendo os conceitos propostos, li nos jornais as declarações de historiadores e críticos de arte do porte da Aracy Amaral que acharam triste a exposição.
    E ver a pichação com um ato de vandalismo é raso demais...

Recent Posts

Consulta pública sobre o PAAR de São Paulo está aberta até 23 de maio

A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo abriu uma…

6 dias ago

Site do Iphan orienta sobre uso da PNAB para o Patrimônio Cultural

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou a página Aldir Blanc Patrimônio,…

1 semana ago

Seleção TV Brasil receberá inscrições até 5 de maio

Estão abertas, até 5 de maio, as inscrições para a Seleção TV Brasil. A iniciativa…

1 semana ago

Edital Transformando Energia em Cultura recebe inscrições até 30 de abril

Estão abertas, até 30 de abril, as inscrições para o edital edital Transformando Energia em Cultura,…

2 semanas ago

Congresso corta 85% dos recursos da PNAB na LDO 2025. MinC garante que recursos serão repassados integralmente.

Na noite de ontem (20), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso…

3 semanas ago

Funarte Brasil Conexões Internacionais 2025 recebe inscrições

A Fundação Nacional de Artes - Funarte está com inscrições abertas para duas chamadas do…

3 semanas ago