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Leis de incentivo e contrapartidas sociais

Contrapartidas sociais atreladas a leis de Incentivo. Já me deparei muitas vezes com esta questão, que motiva muitas discussões quando os benefícios apontados relacionam-se com Cultura. Este tipo de cobrança de “retorno social” da cultura incentivada aplica-se muito mais adequadamente em situações como a Zona Franca de Manaus ou na cessão de isenção de anos do IPTU, que municípios dão para atrair empresas e gerar emprego e desenvolvimento.

Mesmo que se entenda serem praticamente incomensuráveis os benefícios que a Cultura traz ao cidadão, município ou país, podemos sacar estatísticas oficiais para comprovar resultados. Com as leis de incentivo a Cultura hoje representa em torno de 7% do PIB. Trouxe para a formalidade mais de 12 mil empresas, que geraram milhões de empregos. Sempre que a Cultura é incentivada, surge a necessidade de técnicos, músicos, atores, empresas de som, de luz, motoristas, seguranças, camareiras, bilheteiros, entre outras profissões e atividades dessa cadeia produtiva.

Calculo que 30% desses incentivos retornam diretamente aos governos com os pagamentos dos impostos, que vão do ISS ao Imposto de Renda, e os famigerados PIS e COFINS. Teríamos resultados práticos ainda mais robustos se alguma medida federal ampliasse os minguados 1,5% do total de incentivos dados ao setor cultural no pais.

Além da evidência dos números, será que o fazer Cultura não é a própria contrapartida social? Tomemos como exemplo Paulínia. Cidade industrial, maior polo petroquímico do país, localizada no interior de São Paulo, já ganhou com isso e sofreu consequências dessa vocação inicial. Sem perder esse corpo, esse hardware, homens e mulheres de lá resolveram mitigar impactos para usufruir da infraestrutura e buscaram uma alma. Uma alma artística. A cidade passou a incentivar o cinema e, logo depois, a música clássica, a popular e a dança, com foco no cidadão.

Paulínia acaba de concluir seu Festival de Cinema e o Paulínia Fest, de música popular. Milhares de pessoas foram ao seu teatro para ver atores e atrizes prediletos nos filmes, nos seus sonhos, no seu imaginário. Outros milhares se juntaram para se  embalar em canções na tenda que a Divina Comédia instalou ao lado do teatro, onde a música predominou.

A iniciativa fez com que estudantes de música se multiplicassem pela cidade. Costureiras, motoristas e cenógrafos, participantes da Cultura que ali se gerou, exibem orgulho ao falar que fizeram filme como Corações sujos ou Tropa de Elite 2. O sentimento é o mesmo em muitos de seus habitantes.

Com a Cultura, Paulinia oferece a possibilidade de sonhar. Sonhar é estimular a transformação, criar, sair da dura realidade, e abrir possibilidades para uma sociedade inteligente e criativa. O espaço de convívio congrega, acolhe e incentiva a criação dos laços fraternais, permite a troca de ideias, favorece o respeito às diferenças. Gostar ou não, não importa. Importa dar acesso e criar espaços para que os sonhos transitem.

Já se comprovou que a música melhora o desempenho escolar. Uma ajuda e tanto, que cria outras vias de acesso e dá outro significado para a vida. A mesma condição, potencializada, porque estimula a descoberta ou reforço da identidade, estabelece-se quando se oferece Cultura, como elemento de transformação.

Paulínia prova para todo o Brasil que o bem estar tão almejado pelos políticos éticos passa pelo consumo de Arte e Cultura. O sentido de pertencimento que a autoestima traz faz crescer a valorização das instituições, a preservação da memória, o amor pela cidade e pelo país. Qual balanço econômico registra esses resultados? Quanto representariam em nosso PIB?

A Divina Comédia, que nos últimos anos estuda as marcas e seu comportamento, sabe da importância da Cultura e da Artes no processo de construção da admiração das marcas. Ao criar vinculo afetivo aqui e passar do top of mind ao top of heart, transforma clientes em fãs e eleitores, em cidadãos. Se já não fossem suficientes os números práticos e a evidência das conquistas intangíveis, não estaria aqui a contrapartida social do incentivo à Cultura?

Sergio Ajzenberg

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  • Belo artigo, Sérgio!
    Temos sido cada vez mais cobrados a propor contrapartidas sociais em projetos culturais. Manifestações artísticas não têm que estar necessariamente atreladas a causas sociais!
    Grande abraço!
    Fábio

  • Parabéns pelo artigo, Sérgio. O que mais me marcou: "Sonhar é estimular a transformação, criar, sair da dura realidade e abrir possibilidades para uma sociedade inteligente e criativa."

  • Prezado Sérgio,

    Sou sua admiradora. Espero um dia alçar vôos do mesmo tamanho que os seus.

    Sobre o texto, meu primeiro comentário é sem dúvida, o de parabenizá-lo. Sempre muito pertinente e questionador.

    Porém, é engraçado, quando ouço a palavra contrapartida fico analisando os 2 lados da moeda. A contrapartida social é sem dúvida a maior delas, mas creio que um termomêtro que medisse a proporção: recursos x contrapartidas sociais seria fantástico. Haja vista que infelizmente, temos incentivados projetos com contrapartidas muito pequenas ao lucro que obtém e ao social que oferecem, como por exemplo ingressos caríssimos onde somente a classe média alta pode usufruir.

    Do outro lado da moeda, vejo a questão contrapartida de quem investe em cultura´e essa meu amigo é absurdamente imensurável. Porque envolve ganhos de mercado com fidelização de clientes adicionado ao ganho da sociedade. Podem falar o que for, projetos incentivados culturais são maravilhosos e há muito dinheiro nesse paás que aidna pode ser captado haja vista a falta de especialistas no assunto.

    Mas é para isso que estamos aí!Um grande e forte abraço!

  • Concordo com a Fernanda Dearo. Primeiro, faltam - minha grande crítica à cultura - profissionais de negócios, homens que possam rodar a roda da cultura e que falam a mesma língua dos executivos das grandes empresas.

    E quanto à contrapartida, a despeito da própria cultura em si só já ser um benefício cultural, acho justo que haja troca e que o produtor possa oferecer à sociedade, ao Estado e à empresa patrocinadora muito mais do que apenas a execução do seu projeto.

    O produtor precisa se profissionalizar, destacar-se do ideal artístico - e deixar isso para quem é artista - e olhar o projeto cultural como ferramenta de marketing e comunicação de grandes empresas. Ou seja, produto cultural, sim, por mais que doa aos ouvidos dos puritanos.

    Questionar é sempre bem-vindo.

    Abraços,
    http://www.joaoribeiro.com.br.

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