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Limão nos olhos dos outros

A “Guerra do Download”, iniciada na virada do século com o caso A&M Records versus Napster, registrou esta semana sua mais recente baixa. E do mesmo lado do conflito. Depois do próprio Naspter, do Grokster e do Pirate Bay, foi a vez do LimeWire sair da Rede. Desta vez, a ordem partiu de uma Corte Federal do estado de Nova York.

Além de interromper o serviço, o LimeWire foi condenado a indenizar os autores da ação – um pool de gravadoras representado pela Record Industry Association of America (RIAA) – em uma quantia ainda a ser apurada (fala-se em US$ 150 mil por obra). Seu dono, Mark Gorton, responderá pessoalmente pelos danos.

A história deste caso é parecida com a dos demais. O LimeWire é (ou era, até o começo da semana) um software que podia ser acessado por meio de um portal de internet e ajudava os usuários a encontrar e trocar arquivos digitais pela tecnologia peer to peer (P2P). Era o mais acessado dos EUA, em sua categoria. A maioria desses arquivos – como é de praxe nesse, digamos, “mercado” – continha músicas, filmes, séries de TV e outras obras protegidas por direitos autorais.

O provedor do software ganhava dinheiro com o negócio. E muito. Greg Sandoval, articulista da CNet, fala em US$ 20 milhões/ano, com base em dados de 2006. Mas quem criou, interpretou, gravou, editou, mixou, produziu, investiu, enfim, trabalhou para que este conteúdo existisse não via um mísero dolar.

A condução do caso pelos advogados do LimeWire foi um verdadeiro desastre. Ignorando os precedentes (em um sistema jurídico onde os precedentes são a principal fonte normativa!), o LimeWire insistiu durante anos na tese furada de que o “P2P serve para muitas coisas além de pirataria e se o cliente decide usar para isso, problema dele”. Esse argumento funcionou pela última vez na longínqua década de 1970, no caso Sony v. Universal, também conhecido como “Caso Betamax”. Na era digital, nunca colou.

Dessa forma, como nos casos anteriores, a Corte de Nova York entendeu que, apesar de a tecnologia P2P servir para a troca de qualquer arquivo, seja legal ou ilegal, o modelo de negócios do LimeWire dependia, essencialmente, da violação massiva de direitos de terceiros por parte da clientela. A empresa sabia das violações e podia impedi-las, mas preferia não fazê-lo. Pelo contrário, facilitava as coisas. Até porque, não fosse o tráfego de conteúdo pirata, a empresa fecharia as portas de qualquer jeito.

Adam Fisk, engenheiro que desenvolveu o mecanismo de trocas do LimeWire, escreveu em seu blog – o Route 183 – que sua intenção não era que os clientes usassem o software para “distribuir o lixo predominantemente podre que vem de Hollywood e das gravadoras”. Para ele, o problema é que a tecnologia P2P ficou famosa com o Napster. Se o primeiro uso popular do P2P tivesse sido um projeto para “descobrir a cura do câncer de mama” ou “encontrar vida extraterrestre”, a retórica em torno dessa tecnologia seria muito diferente.

Pode ser, mas segundo o Quantcast, um instituto especializado em medir e qualificar audiência na internet, a grande maioria dos 7 milhões de acessos mensais ao LimeWire nos EUA era realizada por adolescentes entre 13 e 17 anos de idade, de classe média-baixa, que também visitavam www.music.download.com. Com uma audiência dessas, seria mesmo bem difícil convencer o juiz de que o software se prestava principalmente à troca de informações científicas.

Ainda assim, o LimeWire teve pelo menos duas chances de fechar um acordo com as gravadoras. A primeira foi em 2005, antes mesmo que a ação fosse proposta. Na ocasião, o LimeWire e outros portais similares receberam uma notificação da RIAA informando que a Associação recorreria ao Judiciário caso as empresas não interrompessem seu serviço de troca de arquivos ou então migrassem para um modelo de licenciamento legalizado. Alguns portais, como o WinMX e o BearShare, simplesmente saíram do mercado. Outros, como o Kazaa, optaram pela legalização. O LimeWire preferiu a briga.

A segunda foi já durante a ação. O LimeWire chegou a sinalizar com um acordo, mas na última hora desistiu porque a RIAA não aceitou sua proposta de manter o sistema como estava por mais um ano, antes de migrar definitivamente para o modelo legalizado.

A estratégia, obviamente, naufragou. Mas antes que alguém se comova com a situação de Mark Gorton e decida lhe enviar uma ajuda para o pagamento da indenização, fica aqui um aviso: há alguns meses, quando sua derrota nos tribunais já parecia certa, Gorton transferiu 87,1% dos ativos de sua holding – o Lime Group, LLC – para um fundo familiar (“trust fund”) administrado por terceiros, justamente para proteger seu patrimônio pessoal em caso de condenação.

Pois é. O LimeWire era apenas uma das muitas empresas de Gorton. Além dessa, sua holding controla a LimeLock, a Lime Labs, a Lime Medical e a Lime Brokerage. Esta última é uma bem sucedida corretora de valores em Nova York que, em seu site (www.limebrokerage.com), se orgulha de oferecer aos investidores uma exclusiva tecnologia que evita o vazamento de informações.

Devidamente patenteada, claro.

* artigo publicado originalmente no blog Direito e Mídia.

Claudio Lins de Vasconcelos

Advogado e autor do livro "Mídia e Propriedade Intelectual: A Crônica de um Modelo em Transformação".

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  • Gradativamente a nova ordem vai se constituindo para garantir a pujança da Nova Cultura, se antes as manifestações a favor da pirataria e da "livre" circulação de arquivos contendo propriedades à revelia de seus donos contribuía para o desmonte da velha ordem, hoje já se vê sinais de seu arrefecimento e ao contrário, já está claro seu caráter deletério e anacrônico. Artistas já não se vêem constrangidos em manifestar sua oposição a pirataria e o processo se acelera, mesmo entre nós. Pouco se fala do Criativo Comum que tomou grande espaço de discussão, já pouco interessa legitimar o que é grátis e a questão se encaminha para a garantia da produção e geração de riquezas. Os sinais são muitos e já se percebe o tamanho do estrago que a bomba atômica gerada pelo avanço tecnológico provocou por exemplo para a música brasileira. A observação enganosa e precipitada de que a presença dos musicais importados trouxeram a música para a dramaturgia nacional pode ser melhor observada considerando o estado trágico da produção musical sem espaço e economia para se desenvolver, o caminho natural é a aproximação intercultural. Foi o desmonte da economia da música nacional que a aproximou do teatro numa combinação interessante mas ainda incipiente para fazer frente ao produto estrangeiro, sobretudo por conta da isenção fiscal equiparada em vigência. Gozando de privilégios comparativos que lhe dão vantagem, no câmbio e na isenção, o produto importado se impõe e determina um padrão de custos que fragiliza essa alternativa e condiciona a produção nacional.
    Se o desmonte do mercado da música atingiu a todos, atingiu muito mais ao produto nacional, hegemônico no mercado brasileiro e com bases avançadas internacionalmente. A presença avassaladora nos palcos associada a sua quantidade e qualidade de imagens garantem ao conteúdo estrangeiro uma vantagem considerável no processo de rentabilidade associado ao estabelecimento da Nova Cultura. Sai na frente e em bases competitivas incomparáveis com a velha ordem que deve ser enterrada mais breve do que se imaginava. Já faz sentido entender como serve o avanço tecnológico a quem o engendra. Nossa questão portanto é estabelecer os meios de responder a este novo cenário e como garantir potência e meios ao conteúdo nacional para equilibrar vantagens na guerra cultural. Sem fúria mas com clarividência e projeto.

  • Enquanto o Napster explodia e a onda do grátis na internet avançava, milhões de pessoas (adolescentes ou não) vibravam e ainda vibram, quando conseguem grátis ou a preços muito menores (piratas) o acesso à todo tipo de conteúdo cultural ou de entretenimento.
    Naquele momento inaugural e emblemático do sopro de novos ventos, a parcela excluída dos artistas e criadores, que se sentiam oprimidos e renegados pela indústria vibrou e comemorou.
    Comemorou o golpe profundo que a revolução tecnológica imprimiu ao calcanhar de aquiles da indústria, ou seja, a capacidade de controlar o acesso ao produto e cobrar (para muitos cobrar caro) por ele.
    Vi muitos artistas falando com gosto da derrocada das majors (gravadoras), tantas vezes nomeadas como opressoras e excludentes, exploradoras, repetidoras de fórmulas comerciais, gananciosas e limitadoras da criatividade.
    Um pouco mais para o meio da festa, os mesmos artistas se deram conta de que neste jogo, eles também caminhavam para se tornarem perdedores. Se o grande perdia, o pequeno, tampouco ganhava.
    A pirataria teve impacto na cadeia de alto a baixo. (ex: já que ninguém vende mais tanto cd assim, esforço dobrado e pé na estrada pra fazer mais shows. E o compositor, que será dele ? Quem o vai pagar agora ?)
    Enquanto prosseguem as batalhas judiciais, em alguns ambientes a própria tecnologia gradativamente acena com novas possibilidades de se reestabelecer um mercado, entendido como ambiente de trocas, que idealmente deveriam ser justas.
    Esse equilíbrio, aparece aqui e acolá com experiências bem sucedidas de comercialização de conteúdo pago, cuja locomotiva que começou a puxar o trenzinho da retomada foi a Itunes Store.
    Fechando um acordo de porte relevante com as grandes gravadoras, a experiência da Itunes Store na era pós Napster, sinalizou no campo da música, um caminho de retorno à:

    1)capacidade de cobrar
    2)disposição do consumidor em pagar e
    3)possibilidade do artista receber pela sua criação

    Os avanços tecnológicos incessantemente transformam o modo de acesso à produção cultural.
    Embora constantemente reconfigurado, neste “eterno novo” ambiente, assim como no velho, ainda se trava e se travará a disputa diária por cada tostão que o consumidor esteja disposto a pagar.
    O Mundo continua a continuará a ser um ambiente repleto de Titãs da Indústria (Sony, Google, Apple e afins) e povoado de uma multidão de artistas ávidos pelo seu lugar ao sol e pela justa remuneração do seu trabalho, brigando por cada ponto percentual nos seus contratos com gravadoras, editoras, etc...
    Defender e propiciar a liberdade de acesso sem se preocupar com o direito do artista e da propriedade intelectual é prestar um desestímulo ao trabalho criativo, minando a possibilidade da sua justa recompensa.
    De outro lado, ignorar as imperfeições de mercado, a concentração do poder econômico e as algemas que a indústria pode criar, é igualmente contrário ao efeito de estímulo e oportunidade salutar para os artistas e todos os que labutam no universo da criação intelectual.
    O caminho não pode, em qualquer hipótese, ser o de forçar a ilegalidade, mas antes o de procurar estabelecer um ambiente de trocas justas e oportunidades que realmente funcionem e impulsionem a produção cultural.

  • Mas temos que definir o que é legal e o que não é, é ilegal e daí já não tem mais graça, reduz, produz miséria. Temos que saber qual a proposta da Google e qual a da Apple, não são iguais. O que deseja a Vivendi ou a Warner, a Sony, também não é a mesma coisa. Temos que saber disso. E mais, temos que saber onde vamos, para onde vamos diante dessa hecatombe, a ausência absoluta de economia na música nacional. O ambiente de shows está sendo ocupado por quem? Existe mesmo guerra cambial? O que é isso no mundo cultural? Temos que responder a essas questões...e rápido sob pena de aprofundarmos a ausência e comprometermos o conteúdo nacional, exatamente nesse momento de pujança econômica e afirmação do país. Vamos a isso, já estamos quase todos de acordo nos pontos principais.

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