Cada vez que leio ou escuto observações e opiniões que são emitidas sobre o mecenato, num ambiente de execução das políticas públicas de cultura, confesso que sinto indesejados calafrios. É impressionante como a discussão se torna estéril, romântica e inapropriada devido ao pouco conhecimento do que aquele instrumento representa para o mercado cultural.
Do governo aos produtores culturais, o que se nota é que todos ainda confundem “alho” com “bugalho”. E essa conjunção de infortúnios, que parece servir apenas para acalorar um debate ideologizado e sem consistência alguma, é simplesmente derivada do desconhecimento a respeito de algo tão notório quanto elementar: a heterogeneidade de produtos que fazem do mercado um exercício segmentado. Entendo que a receita é muito simples. Nas regras da liberdade de iniciativa e de expressão, a política pública tem que ser ampla, no sentido de propiciar opções para cada segmento de mercado. Por um lado, através dos recursos privados diretos ou oriundos da renuncia fiscal. Noutro extremo, através dos recursos próprios originários de quaisquer esferas governamentais.
O danado dessa história é que a sucessão de equívocos é proporcionada por quem não deveria interpretar o mercado de maneira tão linear. Ou seja, esse mal entendido não é conseqüência apenas dos atores diretamente envolvidos pelos atrativos dos incentivos fiscais, sejam os produtores culturais ou os que se predispõem a investirem recursos de patrocínio. De fato, o setor público – que é quem concede a possibilidade desse casamento, por renunciar uma parte irrisória da sua brutal arrecadação de impostos – revela-se hoje como a fonte mais importante da difusão de tantos equívocos. Isso porque, além de confundir o que é acessório com o que é principal, sua ação executiva passa ao largo do conhecimento que deveria ter a respeito do funcionamento do mercado. Assim, o conceito de mecenato em terras tupiniquins, que poderia ser algo simples de se entender, terminou sendo, ao longo de uma trajetória errante de quase um quarto de século, uma fonte indesejada de incompreensões conceituais e falhas operacionais.
Para tentar mostrar que as coisas poderiam ser mais simplificadas faço aqui um breve ensaio do que corresponde hoje a realidade do mercado cultural brasileiro. Uma primeira questão, na forma de uma enorme contradição, salta logo aos olhos de qualquer observador atento. A verborragia onipresente em defesa da pluralidade no setor, mesmo que legítima, não se encontra ajustada à percepção de um mercado cultural que é referendado pela força da diversidade, na simples forma de produtos heterogêneos. Defende-se com entusiasmo a pluralidade, mas se age politicamente como se o mercado funcionasse com produtos homogêneos, por mais incrível que pareça. E do ponto de vista econômico, a existência de um mercado pautado por produtos tão distintos (intra e inter-setorialmente), representa um conceito tão claro de segmentação, que as intervenções das políticas púbicas, fazem por exigir a adoção da aplicação de instrumentos diferenciados. Por esse caminho, ao se fugir de qualquer exercício político a favor da homogeneidade, não há razão para se confundir o essencial (que é uma política ampla, que respeito o diverso) com o acessório (que corresponde aos distintos instrumentos de ação dessa política).
O que ainda poderia parecer complexo se torna mais simples agora. Para isso, basta dizer de forma clara e objetiva que a segmentação do mercado cultural brasileiro se dá em três frentes: i) a dos produtos comerciais puros; ii) a dos produtos mistos (ou semi-comerciais); e iii) a dos produtos não-comerciais. Para cada uma delas há uma forma de compreensão quanto ao papel das políticas públicas. No primeiro caso, a condição de serem os produtos puramente comerciais, faz com que a intervenção pública possa se revelar de forma estéril. Neste caso, o agente empreendedor pode se sentir desobrigado a seguir as regras traçadas pelo poder público. Por essa característica tão independente, não me parece oportuna agora uma visão interpretativa desses casos. Isso porque as duas outras segmentações, por dependerem em escala diferenciada das chamadas políticas públicas, parecem merecer uma atenção mais pormenorizada.
No caso intermediário, quando se tem em conta os produtos mistos, o papel do agente governamental é, por excelência, aquele que já pode estimular a prática efetiva do mecenato. Conceitualmente, trata-se de algum modo de incentivo público, na intenção de fazer com que a iniciativa privada exerça livremente o patrocínio da produção cultural. Nesse sentido, duas ponderações são necessárias para a compreensão do que seja, de fato, um verdadeiro mecenato. Num primeiro plano, a importância do valor educacional, no sentido de fazer com que o empresariado se coloque como um agente social de importância intrínseca à política cultural, algo que vá além do que as simples benesses concedidas na forma de isenção fiscal. Noutras palavras, o modelo efetivo de patrocínio privado, ditado pelas vantagens oriundas da renuncia fiscal, precisa ser entendido pelos mecenas como uma estratégia empresarial de comunicação, algo capaz de fortalecer as ações do seu marketing corporativo. O outro aspecto do entendimento pleno do mecenato, como uma conseqüência natural dessa forma educativa, está representado pelo comprometimento empresarial no patrocínio, a partir de uma base mínima de desembolso por meio de recursos próprios. Isso significa dizer que é absolutamente necessária alguma contrapartida financeira por parte das empresas patrocinadoras. Algo que pode ser exercido de modo escalonado, numa condição diretamente proporcional, entre a graduação comercial e o percentual de contrapartida. Ou seja, aquele produto misto que mais se aproxime da condição comercial deve ser contemplado pelo regime do mecenato, mas terá da empresa investidora um maior compromisso financeiro, em termos da aplicação de recursos financeiros alocados no seu marketing direto.
No contexto dessa análise do mecenato, uma conclusão tão simples quanto á sua aplicação pode ser facilmente retirada. Trata-se do reconhecimento de que esse exercício de política pública concede ANTECIPADAMENTE ao setor privado o poder de decisão sobre os patrocínios. Não há como negar que, para esse expediente, pelo próprio fato do poder público sinalizar A FAVOR DA RENUNCIA da sua arrecadação, é de livre arbítrio para o investidor a escolha dos projetos. Será, portanto, natural que as opções possam lhe garantir uma maior visibilidade junto ao seu mercado consumidor. Assim, caberá à parceria comercial entre o produtor cultural e as empresas patrocinadoras encontrar a fórmula mais adequada para o “casamento” dos seus públicos, o formado pelos consumidores do produto cultural e o outro constituído pelos consumidores dos produtos das empresas patrocinadoras. Nesse ambiente, é evidente que também compete ao poder público uma ação fiscalizadora.
Percebe-se, assim, que embora seja absolutamente necessário para esse segmento do mercado, o mecenato – enquanto instrumento de uma política pública de cultura – DEVE SER POUCO RECOMENDADO para os casos dos produtos ditos não-comerciais. Por essa razão, não faz o menor sentido econômico criar comissões, democratizar participações ou ações assemelhadas na intenção de aplicar os recursos do mecenato (sobretudo, quando se exigem contrapartidas) em projetos com baixa ou nenhuma visibilidade comercial. Insistir nesse erro é não permitir a educação empresarial a favor do patrocínio privado e exagerar na dose intervencionista, que SÓ SE FAZ NECESSÁRIA EM OUTRA FAIXA DA SEGMENTAÇÃO do mercado.
Nessa perspectiva, a outra faixa, agora compreendida pelos produtos culturais que não possuem sintonia com os casos comerciais ou mistos, é quem se revela necessitada do aporte direto dos recursos públicos. Em defesa da identidade e de outros valores é que a política pública tem que se mostrar mais competente na formulação de um ou mais instrumentos que permitam a sustentabilidade desse nível de produção. Esses são os casos típicos que merecem o apoio dos recursos orçamentários, dos fundos setoriais, dos editais e de tantas outras formas diretas de intervenção, sempre na defesa da diversidade e valorização da identidade. Nesse sentido, a compreensão econômica do funcionamento do mercado cultural, faz acreditar que a intervenção pública no segmento da produção não-comercial é também uma atitude meritória e absolutamente necessária.
Diante dessa condição heterogênea que bem caracteriza o mercado cultural brasileiro é absurda a idéia implícita de se transformar em um grande fundo público qualquer proposta existente de mecenato. Na verdade, por iniciativa do poder público ou por conta de discussões estéreis, é mesmo incompreensível qualquer decisão que sirva para sacramentar a “deseducação empresarial” que já vem sendo efetivada no patrocínio cultural. A legislação em vigor precisa apenas de ajustes operacionais que permitam um engajamento comprometido por parte da iniciativa privada, naturalmente que excluídos os produtos não-comerciais. Afinal de contas, para esses casos, pela importância que se deve conceder à preservação das identidades, o poder público deveria ser bem mais competente para buscar NO TESOURO os recursos necessários à pluralidade da Cultura.
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