Meios virtuais, públicos reais

Até algum tempo atrás, quem tivesse de divulgar um evento cultural contaria basicamente com duas opções. Uma, rápida, abrangente e cara: os meios de comunicação (jornal, TV, revista). Outra, gradual, pontual e gratuita: o boca a boca. Ambas continuam a ser importantes, mas vêm sendo rapidamente preteridas por duas plataformas em que os responsáveis pelo evento podem ter papel mais ativo: a internet e as mídias sociais. Não é exagero falar em revolução.

A pesquisa Cultura em SP, realizada pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte e pelo Datafolha, ouviu cerca de 8 mil pessoas em 21 municípios paulistas e detectou que 40% do público já usa as novas mídias como fonte de informação para escolher ou conhecer atrações culturais. O percentual só fica atrás da TV (46%): supera indicação de amigos (37%), rádios (15%), jornais (14%) e panfletos (14%).

Entre os jovens (12 a 24 anos), as plataformas modernas têm peso ainda maior: é nelas que 60% encontram notícias ou propagandas de espetáculos, bem mais que nos canais tradicionais, como TV (38%), indicação de amigos (37%) e folhetos/cartazes (17%). Em nenhuma outra faixa etária um meio concentra tantas citações. Depois desse pico, o apelo da internet e das redes sociais recua com a idade: 52% (25 a 34 anos), 36% (35 a 44 anos) e 26% (45 a 59), até chegar aos 10% entre os que têm mais de 60 anos.

 

Fonte: Datafolha/JLeiva, 2014. Margem de erro: 1 ponto percentual para mais ou para menos

A adesão do público aos meios eletrônicos, porém, é mais intensa do que a de produtores e equipamentos culturais. A divulgação por essa via ainda pode ser mais bem explorada, avalia o jornalista Gilberto Dimenstein, coordenador do site Catraca Livre, que reúne informações sobre opções de lazer gratuitas ou que custem até R$ 16. “Ainda há um terreno muito analógico. A comunicação digital ainda está muito longe da ideal.”

Um indício é o impacto quando o Catraca Livre publica alguma atração. “Há opções de teatro e cinema que às vezes não contam com grande público e que, depois da divulgação no portal, têm um grande crescimento no fluxo de pessoas”, afirma. No site, é possível refinar a busca dos eventos por proximidade do endereço do internauta, cidade, modalidade cultural (cinema, circo, dança, festas…) e tipo de estabelecimento.

Mobilização e selfies – Mas o que significa se comunicar bem na era digital? O objetivo geralmente é atrair mais público para o espetáculo, mas as formas de fazer isso variam muito. Frequentemente, porém, passam por incentivar o engajamento. Um exemplo recente bem-sucedido foi a mobilização via redes sociais para que o filme “Que Horas Ela Volta?”, indicado brasileiro na disputa do Oscar, pudesse ser exibido em mais horários e em mais cinemas do país.

A página do filme no Facebook recebe e publica fotos de espectadores que foram vê-lo e estimula internautas de várias áreas do Brasil a pedir para que as salas exibam a obra em suas cidades. A projeção do longa, protagonizado por Regina Casé, cresceu ao mesmo tempo em que a mobilização nas redes sociais e o boca a boca ganhavam força.

Na exposição “Obsessão Infinita”, da japonesa Yayoi Kusama, o Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, não só permitiu como instigou os visitantes a fotografarem a mostra e publicarem as imagens nas redes sociais. Não faltaram selfies entre as bolinhas coloridas que ajudam a compor o cenário lúdico do trabalho da artista. As melhores fotos acabaram republicadas na conta oficial do instituto, para integrar posteriormente um vídeo-registro da exposição no YouTube e no Facebook. Trata-se de uma estratégia em que a divulgação é feita pelos próprios internautas.

Além das fotos e selfies, a utilização de tags ou marcações de perfis nas publicações ajuda a mobilizar o público. Letícia Zioni, diretora de conteúdo da Lema, agência que cuida das mídias sociais de espaços como o Mirante 9 de Julho e a galeria Choque Cultural, ambos em São Paulo, sublinha a importância dessa ferramenta para atingir audiência de forma qualitativa – é possível mapear interesses e hábitos, além de atingir “amigos dos amigos com o mesmo interesse”.

“Se a pessoa marca o Mirante 9 de Julho dizendo que está tomando um café por lá, você fica sabendo na hora e pode interagir, convidando-a para voltar no sábado que vem porque haverá um café diferente, por exemplo”, explica Letícia. Mais de 6.300 pessoas já fizeram check-in no ponto turístico paulistano desde a primeira postagem da página no Facebook, em 27 de maio. O número de seguidores na plataforma atualmente beira os 15 mil. No Instagram, são mais de sete mil.

“Você precisa ser ativo. Isso pode fazer toda a diferença quando não existe uma programação fixa a divulgar, como casas noturnas e galerias de arte, anunciando sempre as novidades. A chance de expandir a sua presença na rede é muito grande”, comenta.

Uma casa noturna, por exemplo, pode “taguear” a banda e os integrantes que estejam se apresentando no momento, colocando fotos ao vivo e interagindo com uma base de fãs que, por sua vez, têm amigos de gosto musical parecido e podem se interessar pelas postagens. Cria-se, dessa forma, um canal de transmissão que poderá ser utilizado para divulgar as próximas apresentações tanto da banda como do local em que ele se apresenta.

Em outras palavras, nesta nova era o boca a boca tão útil para fomentar público ganhou um desdobramento digital – extremamente relevante, como aponta a pesquisa da JLeiva e do Datafolha. Entre os paulistas que se informam sobre atrações culturais em mídias sociais, a maioria (58%) recorre ao perfil do próprio evento. A indicação de conhecidos em suas páginas do Facebook, Twitter e Instagram chega a 35%. “Esse boca a boca virtual mostrou-se muito relevante, mas o setor cultural parece ainda não ter atentado para isso”, avalia o diretor da JLeiva, João Leiva.

Espaços culturais com exposições permanentes têm usado a internet também para exibir seu acervo. É possível, por exemplo, “visitar” obras de arte do Museu do Prado, em Madri, só mantendo a mão sobre um mouse. Basta entrar no Google Earth e ter acesso a um Velázquez ou um Rembrandt e aprender sobre eles. A digitalização das coleções já abrange a maior parte dos itens de instituições como Museu Britânico, Museu Americano de História Natural, Museu Van Gogh, Capela Sistina, Masp e o Museu Virtual de Brasília (com tours em 360 graus por atrações como a Catedral da cidade).

Renda e educação – Os novos canais, contudo, não são panaceia. Em parte, porque deles ainda estão alijados muitos grupos populacionais, como os de menor renda e menor escolaridade.

A internet e as redes sociais já são vedete do público que consome mais cultura: dos entrevistados com curso superior, 64% disseram usá-las como fonte de informação para atrações na área, segundo o levantamento da JLeiva. O percentual cai para 45% entre as pessoas que cursaram até o ensino médio e despenca para 17% entre os que só têm o fundamental. Neste grupo, reinam a TV (49%) e a indicação de amigos (36%).

Tendência semelhante aparece no recorte por renda. As novas plataformas são o meio mais usado na classe A+B (52%). Na C, a que concentra a maior parte dos paulistas, elas são relevantes (30%), mas ficam atrás da indicação de amigos (37%) e da TV (47%). Na classe D+E, são citadas por apenas 9%.

*Essa é a quinta de um conjunto de reportagens sobre indicadores que Cultura e Mercado publica em 2015. A série baseia-se nos dados da pesquisa Cultura em SP, da consultoria JLeiva Cultura & Esporte.

Frederico Rosas

Jornalista da PrimaPagina, produtora de conteúdo parceira da JLeiva Cultura & Esporte.

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