Discussões do Plano Gestor em São Luis do Paraitinga publicizam a tensão entre o avanço da monocultura do eucalipto na região do Vale do Paraíba paulista e os impactos na diversidade cultural local.
Quatorze de agosto, meio de dia, caixa de e-mails se enchendo com mensagens da lista de discussões Culturas Populares, instrumento para mobilizar ativistas na área e interessados em discutir a questão (veja matéria sobre o tema). Em resposta a uma mensagem sobre a expulsão de quilombolas em Linharinho, Espírito Santo, de terras da empresa Aracruz Celulose, um militante de Taubaté envia um cordel, lido dias antes em reunião na Câmara Municipal de São Luis do Paraitinga. De autoria do cantador e poeta Ditão Virgílio, o cordel tratava do impacto do eucalipto sobre a vida no município, em especial sobre sua diversidade cultural e sobre sua biodiversidade.
Um breve esforço de reportagem permitiu apurar que o município passa por discussões sobre os limites para o uso das propriedades rurais no plantio do eucalipto, monocultura predominante na região, e que avançou nas últimas décadas contra as outras modalidades de exploração da terra no município, onde predominava a pecuária. A mudança, segundo justificativa de um Projeto de Lei Popular, recentemente vetado, causou desemprego e o aparecimento de uma periferia no entorno da cidade.
A tensão atual está relacionada ainda às discussões do Plano Diretor, abarcando inclusive o avanço das plantações para limites mais próximos do perímetro urbano de São Luis. No cenário, um novo ciclo de êxodo rural, com a saída de diversas famílias das fazendas, investimentos de parte da Câmara e da prefeitura atual no fortalecimento do potencial turístico da região e indícios da destruição de parte dos antigos casarões por algumas das empresas. E, claro, interesses e posições de ONGs, políticos e das próprias empresas, assim como projetos sociais e educacionais mantidos pelas empresas de celulose e papel, mas sem discutir impacto e coerência.
Quanto à questão ambiental puramente, por hora e por não ser o enfoque deste núcleo, não entraremos em detalhes, mas é fato que, enquanto os movimentos atacam dizendo que os impactos são altos, o contra-ataque das empresas vai no sentido de afirmar que o impacto é irrelevante, ou menor que o de outras culturas, ou ainda que estão dentro dos limites estabelecidos pela lei.
O Cordel, intitulado O Saci e o eucalipto, têm 32 estrofes, das quais seleciono algumas (a íntegra do material você pode acessar clicando aqui):
“[7] Já não tem fogão de lenha / Onde fumo ia buscar / Não tem mais o galinheiro / Onde eu ia brincar / Acabou-se o chiqueiro / Não tem porco pra engordar / Os caipiras vão embora / Por não ter onde morar
[24] O caipira indo embora / Vai acabar sua cultura / Não sou contra o eucalipto / Mas sim a monocultura / Não comemos celulose / Nem essa madeira dura / É com sede de dinheiro / Que cometem essa loucura
[26] Homem da roça apertado / Vai morar na cidade / E trabalha com eucalipto / Contra sua vontade / De vez em quando lembra / Que tinha felicidade / Num canto chora escondido / Do sertão sente saudade
[29] Até mesmo a capelinha / Onde o povo ia rezar / Foi fechada a porteira / Para não poderem entrar / Tentam acabar com a festa / Que é tradição do lugar / Se deixarem trocam por pau / Até os santos do altar “
A poesia de Ditão, publicada em 13/08/07 no número 19 do livreto “Estórias de Uma Perna Só”, foram descritas por André Luís da Silva, o professor universitário que a apresentou na lista, da seguinte forma: “A poesia resume tudo o que se poderia dizer a respeito da monocultura do eucalipto. São Luís do Paraitinga é uma estância turística, cidade histórica, onde nasceu o hoje famoso ‘Dia do Saci’, todo 31 de outubro, para se contrapor ao ‘ralouim’, daí a referência do Ditão.
Em entrevista, o poeta, morador e agricultor no sítio Tarumã do Bom Retiro, no bairro de Bom Retiro, em São Luis do Paraitinga, afirmou que as empresas têm cometido abusos, como uso indiscriminado de herbicidas e formicidas, e em ciclos de plantação muito rápidos, que dificultam atividades como a apicultura, por ele praticada. Também diz que as empresas procuram, hoje, terras agricultáveis onde antes havia fazendas, que estão tendo suas construções destruídas, e a população que nelas residia como empregados ou agregados está sendo expulsa.
Os seixos da Ira?
“Por alguns anos as Empresas reflorestadoras absorveram boa parte da mão-de-obra das fazendas e sítios que atuavam na lida da pecuária e agricultura que foram atraídos pelo que supostamente eram melhores salários ou outros benefícios, no entanto com o passar do tempo a mecanização do manejo do eucalipto gerou dispensa de quase todos os funcionários, especialmente os trabalhadores braçais. Motosserristas e pessoas que atuavam no corte e descaque de eucalipto foram dispensados e ao tentarem retornar as suas antigas atividades encontraram o sistema agropecuário totalmente desmantelado”. É assim que, de forma objetiva, o historiador e ex-vereador pelo PT Marcelo Toledo descreve o impacto do avanço da monocultura, crescente desde a década de 1970 na região. Representante do Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores (MDPA) de São Luís do Paraitinga, Toledo afirma ainda que a pressão pela venda ou arrendamento das terras dos que ainda são proprietários é contínua, e se deve principalmente à ausência de políticas públicas de apoio a estes agricultores, e afirma que “isso é lamentável, porque colabora de forma decisiva para eliminar de vez com as antigas e estáveis comunidades rurais, forçando um grande número de famílias a migrarem para a cidade de São Luís do Paraitinga. No espaço urbano, a maioria desses migrantes vivem sem moradia digna, sem emprego fixo e renda.
O Antropólogo e professor Silva, por sua vez, diferencia as atividades de exploração, dizendo que a pecuária desenvolve-se através de pequenas propriedades, emprega o dono e empregados durante o ano todo, e é por isso um modo de produção mais adequado ao “modo de vida caipira”. O eucalipto, por sua vez, em alguns casos é plantado em parceria com os pequenos proprietários, empregando gente no plantio, uma pessoa na manutenção esporádica e pessoal no corte, anos depois. Seu ciclo é semelhante ao da cana-de-açúcar, que Silva classifica como outra “praga”, embora hoje com impacto menor na região.
“Outra questão importante”, diz Toledo, “é que as empresas do ramo de Celulose não respeitam os valores culturais e os bens simbólicos do povo da zona rural, atrelados a um modelo de catolicismo popular, e derrubaram muitas Capelas ou então fecharam caminhos de acesso a esses bens, impedindo dessa forma a continuidade das celebrações devocionais e festivas junto aos seus santos de fé e devoção. Para botar eucalipto, as empresas demolem todas as casinhas ‘caipiras’ nas propriedades em que atuam”. As duas maiores investidoras na região, as empresas Suzano e a Votorantim, não confirmam a informação, e colocam, por sua vez, que realizam diversos investimentos para o fomento a diversidade cultural e ambiental.
O poeta Ditão, por sua vez, disse que as festas caipiras, possivelmente o maior patrimônio cultural da região, estão mudando também, em parte pela exploração turística, em parte pela questão sócio-fundiária. “Tem uma no bairro da Santa Cruz do Rio Abaixo que já mudou até de mês. As capelinhas foram cercadas, uma ou outra foi reformada. Agora está bonita a capela do bairro, mas o povo já foi embora”. Toledo analisa com um palavreado um pouco mais acadêmico, em relação e diz que: “As festas rurais são marcadas pelo forte ligação das comunidades com seus santos de fé e devoção. Vêm ocorrendo muitas mudanças, que passam até mesmo pela postura intransigente de muitos agentes eclesiásticos, que não mais aceitam o modelo de religiosidade popular. Também temos que comentar o esvaziamento do campo, pois sem gente, não tem cultura, e não tem mais festas. Existem bairros em São Luís em que a população foi embora. É o caso do bairro do Pico Agudo, onde a Cia. Suzano de Papel e Celulose demoliu uma Capela, situada em morro com mais de 1600 metros de altitude”. A Suzano negou a esta reportagem a demolição da referida capela.
O Saci e Santana do Agreste: diversidade e economia
Na discussão que envolve São Luís, discute-se uma amenidade que pouco atinge os moradores de, bem digamos, qualquer lugar que não seja o Vale do Paraíba paulista, mas que ao mesmo tempo são universais, por representarem a reação de uma região a uma mudança no ciclo econômico que sustenta sua população, seu modo de vida, e por conseqüência sua cultura. Não há cultura sem trabalho, modos de vida e de subsistência, e a cultura do caipira típico do Vale do Paraíba muda aos poucos, com o avanço das monoculturas, que diminuem a relação do homem com a terra em que está.
Concorda com a questão, ao menos no que diz respeito a parte da monocultura, Marcos Fernandes da Costa, gestor de projetos da ONG Instituto EcoSolidário, que busca gerar trabalho e alternativas de renda para agricultores na região, e tem um projeto que atende a 22 moradores, com recursos da Votorantim Celulose e Papel. “A monocultura em si é um problema, independente de ser eucalipto, pinhão manso ou cana. Quando a gente trabalha a questão da economia solidária, a gente percebe que a monocultura é excludente. Agora, a gente tem um dualismo: sem monocultura não há economia”, coloca Costa, e completa: “O que é necessário? Que os municípios construam um plano diretor que determine até quanto pode ter de monocultura, seja ela qual for. Como nossa região é empobrecida, qualquer alternativa que aparecer será abraçada pela população”. O projeto do Instituto busca capacitar agricultoras a realizar trabalhos artesanais com materiais descartados ou facilmente encontrados nas roças da região. As que sobraram ao menos.
Assim como a Brastânio que Jorge Amado vislumbrou em seu Tieta do Agreste, as plantações das empresas de Celulose e Papel representam uma opção entre modelos econômicos, lucros para trabalhadores e proprietários, que podem ser de menor ou maior duração, e impactos, que como destaca o representante da Suzano, Luiz Cornacchioni, existem em qualquer atividade e em qualquer monocultura, podendo e devendo ser minimizados. Discussões semelhantes pululam país afora, nas matas de eucalipto que avançam sobre terras indígenas ou quilombolas em Santa Catarina e no Espírito Santo, ou nas plantações de soja e cana que avançam pelo interior de São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Nos chamaram atenção ainda os projetos culturais desenvolvidos na região, a dita responsabilidade social, que algumas das empresas de celulose desenvolvem. A Votorantim Celulose e Papel, por sua vez, tem empregado recursos na confecção de uma cartilha com dados ambientais, históricos e culturais de São Luís do Paraitinga. “Participam a secretaria municipal de educação, alguns professores da Universidade de Taubaté, além de órgãos ambientais do governo estadual. Essa cartilha será paga com dinheiro público, creio que através do BNDES, e será distribuída para todos os alunos(as) da rede pública municipal, e também para toda a população local. É uma aberração”, critica Toledo.
De posição semelhante à de Toledo, Ditão comenta que “a cartilha faz um contraste muito marcante, a empresa acaba com tudo e vem fazer a cartilha, quer reativar a cultura”. “Querem reativá-la na mata de eucalipto ou na cidade? Que cultura é essa que eles preservam?”, questiona. “É contraditório, mas é o que eles querem fazer. Então, em São Luís a Votorantim está lançando uma cartilha da Cultura Caipira para ser distribuída nas escolas do município. talvez para mostrar como era a Cultura Caipira antes de chegarem à cidade”, completa Silva.
A Votorantim Celulose e Papel se manifestou, em relação à cartilha e a projetos de cunho semelhante, com a seguinte declaração: “A VCP tem o compromisso de contribuir para o desenvolvimento econômico e social das comunidades nas quais está inserida. Isso não significa reparação de danos. O que todos buscam é um novo modelo de desenvolvimento, que inclui a gestão para a sustentabilidade, o que pressupõe estar inserido nas comunidades onde atua. Desta forma, a empresa atua em cada região de acordo com as diretrizes do Instituto Votorantim e das necessidades locais. No caso de São Luiz do Paraitinga, a empresa trabalha em parceria com a Prefeitura e organizações da sociedade civil”.
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Seguindo o argumento da Ong e das empresas sobre o plano diretor, eu pergunto: as empresas aceitariam que apenas 15% ou 20% das propriedades fossem ocupadas por floresta de eucaliptos? Justificativa: o Vale do Paraiba tem cerca de 10% de sua área, hoje, ocupada por eucalipto (previsão conservadora de uma empresa plantadora). São Luis tem cerca de 20% de sua área ocupada por eucalipto. Se estes 20% fossem proporcionalmente distribuidos o impacto seria bem menor. Mas não é viável economicamente para as multinacionais fazer pequenas plantações, esse sistema seria imcompatível com o modo de produção mecanizado. Conclusão: é discurso para sair bonito no jornal, na realidade estão usando de todo tipo de artimanha para criar planos diretores viáveis para a lógica do capital, estão pouco se lixando para as comunidades e culturas. Outra coisa: só "desenvolvem" "projetos comunitários" para poderem negociar ações nas bolsas de valores da Europa e EUA. A atuação nas comunidades é um meio e não um fim. Acho que isso diz tudo sobre o que pensam sobre a diversidade cultural do país.
Apesar de breve, a matéria expõe algumas contradições importantes surgidas no "embate" entre culturas tradicionais (que se renovam sempre, é bom lembrar) e o avanço de setores do agromercado, na sociedade brasileira. Premidas por esse avanço, as sociedades tradicionais negociam seu lugar no mundo, reivindicando a sua própria cultura como recurso identitário e de reconhecimento.
Quem conhece as manifestações culturais e religiosas de São Luiz do Paraitinga (o Carnaval, a Festa do Divino Espírito Santo, as Folias de Reis do ciclo natalino, a Música Caipira), seu patrimônio histórico-arquitetônico, a porção de Reserva do Parque da Serra do Mar em seu território, entre tantas outras qualidades, sabe que o potencial identitário desses recursos é vasto, e permite diversos projetos de sustentabilidade local alternativos ao hoje predominante.
A expansão do plantio de eucalipto para fins de mercado homogeneiza a paisagem local, o horizonte das relações onde homens e mulheres pensam a si e suas relações. E essa homogeneização se impõe objetiva e subjetivamente para vários outros locais do país, como no estado do Rio Grande do Sul, de onde escrevo agora.
Por trás da aparente proposta de sustentabilidade negociada, presente no discurso dessas empresas, manifestam-se ações que minam a autonomia cultural local e suas possibilidades de renovação.
No fim e ao cabo, sempre sobram protestos dos sujeitos locais e falta responsabilidade social.
Imprescidível a divulgação dessa discussão!!
Tenho acompanhado algumas dessas reuniões sobre cultura caipira em SLParaitinga e também as reinvindicações dos pequenos produtores diante das grandes empresas, como a VCP...
É claro o impacto negativo da monocultura, tanto para o meio ambiente, quanto para a cultura local; entretanto, é constante a presença de representantes dessas empresas ministrando palestras no Vale do Paraíba, com discurso voltado para o "Marketing Institucional", a importância da responsabilidade social e ambiental e muito blá, blá, blá...
Na verdade, tais projetos e palestras visam mascarar a prática devastadora das empresas que hoje preocupam-se com a má impressão deixada por anos de atuação inconsequente...
Que o debate prossiga sempre, dando voz a todos os envolvidos!