Muita discussão e pouca ação, os males da cultura são


Basta um pequeno levantamento e uma leitura rápida no que tem sido publicado, nos jornais e revistas, sobre a questão da reforma da Lei Federal de Incentivo a Cultura, para compreendermos que apesar da aparência das divergências, há um ponto em comum entre os que apóiam e os que rechaçam a proposta do Ministério da Cultura: a carência de recursos públicos para o fomento à produção de atividades culturais. Assim, em casa de pouco pão muitos brigam e ninguém tem razão.

Quando o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, afirma que “quem tem acesso [à lei] evidentemente não quer perdê-lo. Não quer ter critério público. Não quer critério nenhum”  , aponta mais um fato comum nestas discussões – a opinião é modelada pela condição e pela situação de quem fala. O debate, portanto, fica circunscrito entre os que têm certa regularidade no usufruto dos benefícios da Lei Federal de Incentivos à Cultura e os que por vários motivos não conseguem alcançar estes benefícios.

O sistema de apoio à cultura no Brasil, baseado nos incentivos fiscais a empresas privadas, tem como fronteira de entrada (input) a burocracia do Ministério da Cultura, que cadastra, examina e homologa os projetos formulados por empresas produtoras ou instituições culturais; na fronteira de saída (output) estão as empresas privadas credenciadas pela Lei, para patrocinar os projetos homologados pelo Ministério da Cultura.

Como o conjunto das empresas patrocinadoras não reúne o volume de recursos necessários para contemplar todos os projetos aprovados, o sistema falha e há sempre uma inflação de oferta de projetos. Uma solução óbvia, em termos de linguagem de sistema, seria a de criar mais filtros e barreiras na fronteira de inputs, ou ampliar os canais de recepção dos outputs do sistema.

Ora, o Ministério da Cultura, opera com somente dois canais de suprimento para “dotar” a cultura com recursos e dispositivos que contemplem as demandas: a) O mecanismo do mecenato, onde a empresas privadas jogam um papel fundamental na escolha dos projetos a serem beneficiados; b) os recursos do Fundo Nacional da Cultura, cujo “funding”, advém, em sua maior parte, de fonte do orçamento da União. Estes dois mecanismos, somados, não chegam nem a 40% da demanda, sendo que, o mecenato representa mais de 60% desta soma.

Nestas circunstâncias e neste contexto, falar em “critério” é perda de tempo, ou falta de conhecimento do que significa uma gestão sistêmica de programas e projetos. O problema deve ser enfrentado pela resposta duas perguntas: O que está previsto na Constituição Federal, como obrigação do Estado, para a área da cultura? Qual é a condição – que antecede aos critérios – para que uma determinada área, segmento, setor, organização ou pessoa da área cultural receba do Estado recursos a título de fomento, amparo, apoio ou incentivo?

Para a primeira resposta basta uma lida na Seção II, Arts., 215 e 216, da Constituição Brasileira, para vermos que não há nenhuma menção direta a apoio a produtores, empresas ou instituições culturais, o que nossa carta magna diz, e de forma bem genérica, é que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.  Este texto constitucional é o que dá amparo legal à Lei 8.313/91, alterada pela Lei 9.312/96, que estabelece o Programa Nacional de Apoio à Cultura, que o Ministro da Cultura quer alterar.

Mas a idéia da criação de dois mecanismos complementares – um fundo de fomento à cultura e um dispositivo de incentivo ao mecenato apoiado em mecanismos de incentivos fiscais – é obra do economista Celso Furtado, quando foi Ministro da Cultura, no Governo José Sarney – 1986/1988 -. Na tentativa de organizar o recém criado Ministério da Cultura, Celso Furtado buscou superar os problemas de recursos com um plano que contemplava a parceria com a sociedade civil com “…incentivos à aplicação de recursos financeiros nos distintos campos da atividade cultural, tanto sob a forma de doações e de patrocínio”  . Estes mecanismos foram consolidados e oficializados na Lei 7.505, de 2/7/1986 -a conhecida Lei Sarney. Quatro anos depois, no início do Governo Collor, a Lei Sarney foi revogada junto com uma série de medidas que abalaram a já débil estrutura de apoio à cultura.

Quando, ainda no Governo Collor, o Embaixador Sergio Paulo Rouanet assumiu a então Secretaria de Cultura da Presidência da República, tratou de criar um mecanismo legal para garantir recursos para a Cultura. A Lei 8.313/91, que instituiu o Pronac – Programa Nacional de Apoio a Cultura, é assentado nos dois mecanismos que orientavam a Lei Sarney – o Fundo Nacional de Cultura, e a Lei Federal de Incentivo à Cultura. Na mesma direção, em seguida, foi criada a Lei de Incentivo ao Audiovisual.

Todavia, estes mecanismos só ganharam força e um relativo sucesso durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso, após uma série de alterações na regulamentação das faixas de concessão de incentivo fiscal às empresas, no âmbito do mecenato. Se antes, ou seja, na regulamentação original, as empresas só podiam usufruir, no máximo, de 35% dos recursos aplicados em um projeto cultural, a título de renúncia fiscal, com a flexibilização as empresas passaram a usufruir até 100% de desconto fiscal, em determinados tipos de projetos e áreas da atividade cultural, como, por exemplo, cinema, patrimônio, livros, exposições e música clássica. Mas o aparente sucesso deste mecanismo atraiu uma demanda maior que sua capacidade de atendimento. Já em 1998, para cada 1 mil projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, somente 140 conseguiam recursos das empresas patrocinadoras. Já, o mecanismo do Fundo Nacional de Incentivo à Cultura, que tem como base de formação do seu “funding”, uma composição ampla que vai desde recursos do orçamento da União, parcelas dos fundos de desenvolvimento regional, participação na receita da loteria e doações incentivadas de pessoas físicas ou jurídicas, nunca conseguiu angariar recursos suficientes para cumprir sua finalidade precípua: servir de mecanismo para complementar as ações não supridas pelo mecanismo do mecenato. Assim, na verdade, há uma grande diferença entre o montante que é distribuído pela renúncia fiscal entre os projetos selecionados pelas empresas, e os parcos e incertos recursos do FNC. Como conseqüência, desde o início, o mecanismo do mecenato é cobiçado como forma de ampliar o orçamento do Ministério da Cultura. A lógica é a seguinte: se os recursos do mecenato são resultantes da renúncia fiscal eles são, recursos públicos. Em se tratando de recursos públicos é justo que o poder público faça a escolha dos projetos a serem contemplados. Diante de tal quadro, seria um exercício inútil tentar responder à pergunta sobre qual é a condição para que se faça a escolha de um projeto e não de outro. As empresas escolhem os projetos a serem patrocinados sob a ótica da conveniência da redução de custos, via incentivo fiscal, e dos objetivos de comunicação empresarial segundo as leis do marketing. E o Estado, como pode proceder a uma escolha isenta? Eis a dúvida e a desconfiança dos que crêem que a opção do mecenato privado, com recursos da renúncia fiscal, ainda é o melhor caminho.

Entretanto, nenhum dos lados consegue explicar a razão do porquê a área da cultura, e, por consequência, o Ministério da Cultura, como representação administrativa da área, recebe tão poucos recursos se comparado com as demais áreas da gestão pública no Brasil. Também não se consegue explicar, e muito menos explicitar, como, depois de mais de uma década de incentivos fiscais para a cultura, a situação do setor se agrava e a dependência dos recursos do Estado aumenta.

Esta situação endêmica leva a crer que há algo de errado na concepção de cultura que embasa as argumentações dos dois lados do debate. Os dois lados seguem a noção de cultura que foi formulada pelos modernistas, nos anos 1930, onde a cultura foi transformada em alegoria da identidade nacional, tendo o patrimônio histórico e a memória nacional como totens sagrados dessa identidade. Não é por acaso que estas duas áreas são contempladas com mais de 60% dos recursos orçamentários do MinC. Soma-se a isso a assunção do conceito de cultura como instrumento de ação social ou, na linguagem do atual governo, inclusão social – que é tradicionalmente o papel da educação. Dessa forma, as diretrizes orçamentárias são orientadas para a estruturação de programas e projetos que buscam utilizar os recursos disponíveis para as demandas sociais, numa série de ações que se superpõem às ações da educação. Além disso, a prática centralizadora do atual governo atropela as instâncias administrativas da federação – estados e municípios – com projetos paralelos como os Pontos de Cultura, que se superpõem às ações localizadas dos municípios. Na verdade, sob o signo da descentralização, se pratica muita distribuição de recursos e quase sempre com muita dispersão.

Não havendo um conceito claro do que queremos dizer quando falamos de cultura; tendo um Ministério da Cultura com uma delimitação constitucional ambígua e subsumida no conceito de educação; não havendo no campo do Planejamento Público, no Brasil, nenhum aceno para qualquer política de estímulo ao desenvolvimento da indústria cultural, ou, para ser mais amplo, indústria criativa. O debate oscila entre protecionismo de um lado e oportunismo corporativista do outro: neste jogo todos perdem.

Como conclusão, a reforma da Lei Federal de Incentivo a Cultura tem como objetivo único e exclusivo municiar o atual governo, através do Ministério da Cultura, com dispositivos que lhe permitam lançar mão dos recursos do incentivo fiscal para promover ações diretas em projetos selecionados e dirigidos pelo Ministério da Cultura, a partir dos “comitês” onde o governo terá sempre a maioria dos membros. Como a maior parte, em torno de 75%, dos recursos utilizados a título de incentivo fiscal, advém das empresas estatais, é fácil entender porque o Ministro Juca Ferreira tanto quer esta reforma. Ele quer um modo legal de conduzir e dirigir o processo de escolha da maioria dos projetos culturais de forma legitimada, porque, de maneira geral, e o que tem sido feito, de forma indireta, nos concursos destas empresas, controlados por “comitês” controlados pelo MinC.

Resta saber se os representantes das Instituições Culturais, os produtores e os artistas vão se calar diante desta mudança. Se fizermos um balanço nas manifestações publicadas nos jornais veremos que os que estão fora do alcance dos benefícios fiscais, apóiam a mudança porque acreditam que, de alguma maneira, serão beneficiados e os que estão não querem a mudança porque estão certos de que podem perder.

E assim caminha a relação do Estado com a Cultura no Brasil.

Joatan Berbel

Pesquisador do Programa de Doutorado em Engenharia de Produção, da COPPE/LTDS, da UFRJ, com a pesquisa: O Papel da Cultura no Desenvolvimento Local no Brasil.

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  • Não vejo o debate oscilando entre o protecionismo e o corporativismo, acho até que seria bom que esses fossem os tópicos, afinal, do "debate". Onde estariam os argumentos protecionistas? No questionamento sobre a utilização dos subsídios pelos produtos culturais estrangeiros? Onde isso está sendo questionado?
    E os corporativos? Não me parecem muito claras essas fronteiras de debate. O que eu vejo é luta política e pouca representatividade.

  • Mas é inegável que se avançou, é bom que se diga. Me parece que há um lapso social na relação com o Governo no âmbito da Cultura. A sociedade brasileira já decidiu que não suporta se relacionar com "planos" e "novidades" de uma hora para outra. A fase dos planos e experiências foi superada depois de um esgotamento da Nação. Novos valores foram celebrados como por exemplo, o equilíbrio das contas, o respeito aos contratos, enfim, uma nova etapa na vida brasileira depois do governo Collor.
    O Ministério da Cultura insiste em utilizar a velha forma de apresentar planos "revolucionários" para o setor, sem se dar conta da neurose nacional com rompantes burocráticos. O método parece errado, contra político, e é evidente que a arrogância passa a ser adjetivo. O governo Lula por exemplo, dá uma tremenda lição de tolerância e persistência em diversas áreas, agindo de maneira consistente e intensa, com muita habilidade política e eficiência sem se valer do "agora vamos mudar tudo pra melhorar as coisas". Porque na área cultural não se passa da mesma forma. Quem entende um projeto em fins de governo que acaba com uma lei que vem sendo seguida há tanto tempo, que bode é esse?
    É preciso avançar, estamos na lona, culturalmente na lona...mas como queremos fazer isso? Quem acredita em salvador da pátria?

  • Joatan aponta bem o problema.
    Creio que poderíamos agir, antes de propor mudanças em leis, buscando:
    a)uma definição, por parte do Estado, da sua atuação no setor cultural;
    b) construir um marco regulatório ao setor cultural, principalmente no que se refere as responsabilidades jurídicas, institucionais e financeiras dos entes federativos (União, Estados e Municípios). Ou seja, qual a responsabilidade de cada um ?
    c) com base nessas duas, tentar delinear uma politica cultural macro e micro para o Estado Brasileiro e seus entes federados, as politicas de governos deveriam obedecer a esses parametros mínimos.

    -

  • Prezados leitores, não sei o que o Gil Lopes leu no meu texto ou se realmente leu, para fazer a seguinte afirmação, no seu primeiro comentário acima: "Não vejo o debate oscilando entre o protecionismo e o corporativismo, acho até que seria bom que esses fossem os tópicos, afinal, do “debate”." Vejam só caros leitores, em momento algum, falo de protecionismo e muito menos faço esta oposição protecionismo x corporativismo, no meu texto. Tudo me leva a crer que realmente, o Gil, não leu o meu texto.
    O que afirmei é o seguinte: "Basta um pequeno levantamento e uma leitura rápida no que tem sido publicado, nos jornais e revistas, sobre a questão da reforma da Lei Federal de Incentivo a Cultura, para compreendermos que apesar da aparência das divergências, há um ponto em comum entre os que apóiam e os que rechaçam a proposta do Ministério da Cultura: a carência de recursos públicos para o fomento à produção de atividades culturais. Assim, em casa de pouco pão muitos brigam e ninguém tem razão."
    Um dos problemas da internet e principlamente dos chamados sites de contéudo é que eles acabam sendo um espaço onde há muita intervençao com grande interação mas raros diálogos. Dialogar exige que prestemos atenção no que o outro diz, depois que compreendemos o que o outro disse, ainda que façamos uma reflexão sobre o que o outro disse e por fim, ao nos manifestarmos, dizermos algo que possa a) expressar a discordância do pensamento do outro; b)concordar com o pensamento do outro e propor mais reflexões; c)concordar com o pensamento mas apresentar algumas objeções que enriqueçam o debate.
    Tudo menos...dizer que o outro disse o que não disse.
    Agradeço ao Aldo Valentim por sua contribuição. Ele leu o meu texto.

  • "Não havendo um conceito claro do que queremos dizer quando falamos de cultura; tendo um Ministério da Cultura com uma delimitação constitucional ambígua e subsumida no conceito de educação; não havendo no campo do Planejamento Público, no Brasil, nenhum aceno para qualquer política de estímulo ao desenvolvimento da indústria cultural, ou, para ser mais amplo, indústria criativa. O debate oscila entre protecionismo de um lado e oportunismo corporativista do outro: neste jogo todos perdem."
    quem não deve ter lido ? Gostei muito do seu artigo Joatan, no entanto não consigo identificar a oscilação que vc descreve do "debate".
    A menos que não tenha sido escrito por vc, mas eu li seu texto e me referi a ele, agora reproduzo o que me referi. No mais, eu gosto de artigos como o seu, didático, se utilizando da história e dos acontecimentos...só não percebi o tal debate a que vc se refere...pronto, se for para desconsiderar, considere desconsiderado...qual é a importância? O que eu vejo é luta política e pouca representatividade.

  • "Os dois lados seguem a noção de cultura que foi formulada pelos modernistas, nos anos 1930, onde a cultura foi transformada em alegoria da identidade nacional, tendo o patrimônio histórico e a memória nacional como totens sagrados dessa identidade." (Joatan).

    Joatan
    Eu também não compreendi o seu artigo, exatamente por estar diante da realidade da vida coletiva brasileira, você propor, com uma protagonização técnica confusa, o mundo contemporâneo da cultura numa certa ideologia de produção. Mas sem querer buscar uma organização entre o passado e o futuro que traga dinamismo ao Estado ou ao mercado, gostaria que você me explicasse melhor este modelo de regressão que os modernistas sustentaram em todo o desenvolvimento, digamos, primário-exportador como base material da cultura brasileira.

    Mais curioso ainda fico com o link que você faz em sua plataforma técnica com o leque proposto por Mario de Andrade e cia. Esta pauta em questão, segundo a sua escala, revela profundas contradições, mais que isso, falta de legitimidade e que trouxe um colapso intelectual
    na representatividade artística brasileira, sobretudo, toda obra ligada à música que desde Villa Lobos, passando por Guerra Peixe e chegando a Tom Jobim que se declararam seguidores das orientações de Mario de Andrade, e que elas tiveram profunda influência em suas obras.

    Sinceramente creio mesmo, como disse Milton Santos, que vivemos a era da ditadura das técnicas, sobretudo as universais, hegemôminas e alinhadas. Mas talvez você possa trazer a clarevidência que você propôs no seu artigo.

    Grande abraço.

  • Não entendi "na fronteira de saída (output) estão as empresas privadas credenciadas pela Lei, para patrocinar os projetos homologados pelo Ministério da Cultura." O credenciamento não é ser PESSOA JURÍDICA tributada com base no LUCRO REAL?

    Logo depois aparece "Como o conjunto das empresas patrocinadoras não reúne o volume de recursos necessários para contemplar todos os projetos aprovados, o sistema falha e há sempre uma inflação de oferta de projetos." Você está dizendo que não existem empresas suficientes no Brasil tributadas com base no LUCRO REAL?

  • No que diz respeito a Lei Rouanet, pois é disso que se trata no caso, acho pouco relacionar os preceitos ideológicos modernistas para se concluir numa vertente protecionista no debate dos recursos para a política cultural brasileira. A questão protecionista é muito boa e atual pra ficar relacionada com aquilo. E o fato é que não se discute o protecionismo.
    Chamar de corporativo o ideal dos "que estão dentro" contra "os que estão fora", também é pouco.
    Como é pouco o capital, o capital vem de quem produz, que é quem explora. O Estado aliado tem que vir, não há como dispensar uma certa dose de dirigismo, um dirigismo democrático que tal? subordinado a uma política. Faltar vai faltar sempre, em qualquer parte, aí começa a política, quem não estiver de acordo, na hora da eleição, vota contra. É assim. E não precisa pirotecnia que isso faz mal, é contra político, as leis são suficientes, falta coragem pra governar, sobra medo do tal dirigismo por conta da pressão que é exercida pela turma dos contra, da anti política cultural brasileira. Mas o artigo do Joatan é muito bacana, é dele que nasce o debate, é daí pra frente. E Carlão, contra o totalitarismo da técnica inventamos o jogo de cintura.

  • Respondo a pergunta da Alice: "Não entendi “na fronteira de saída (output) estão as empresas privadas credenciadas pela Lei, para patrocinar os projetos homologados pelo Ministério da Cultura.” O credenciamento não é ser PESSOA JURÍDICA tributada com base no LUCRO REAL."
    QUANDO usei as expressões "inputs" e "outputs", estava configurando o sistema da Lei Rouanet (a parte do mecenato) a partir da análise de sistemas. Então, a Lei Rouanet pode ser considerda como um sistema, onde a fronteira de entrada (input) é o sistema de cadastramento, análise e aprovação dos projetos apresentados pelos produtores culturais. A fronteira de entrada é bem aberta. Basta preencher o formulário, enviar a documentação e pronto.
    Na fronteira de saída (output), estão os projeto aprovados pela CNIC que serão submetidos às empresas patrocinadoras. Tal e qual numa indústria, e até na indústria cultural, você tem uma área de entrada dos insumos, uma área que processa e administra e outra que apresenta o produto para o mercado. Fiz, então, esta analogia, para demonstrar que a entrada (input) de projetos no "sistema" do mecenato é maior que a capacidade de patrocínio das empresas. Tal e qual uma empresa que produz muito mas não consegue vender o seu produto, ou para puxar uma analogia mais próxima da nossa indústria cultural, veja o caso do cinema brasileiro: até produz muitos filmes, mas não consegue vender sua produção. Neste caso, há uma inflação de oferta, como dizem os economistas.
    Dito de outro modo, o "output" gerado por este sistema, que são os projetos aprovados no dispositivo do mecenato da Lei Rouanet, não é absorvido pelas empresas patrocinadoras. Mesmo que houvesse uma quantidade maior de empresas, ainda assim, o volume de projetos aprovados ultrapassa em muito o teto da renúncia fiscal aprovada. Então é um sistema falido e, em certo sentido, cruel, porque pressupõe o fracasso da maioria dos projetos aprovados. Se fosse levado a sério, todo ano o Ministro da Cultura, deveria ser processado pelo Ministro da Fazenda, por criar uma demanda de incentivos fiscais 140% superior à capacidade da renúncia fiscal. Se fosse para ser sério, a CNIC não deveria aprovar um volume de projetos acima da capacidade da renúncia fiscal. Então este é um sistema que, do ponto de vista, da gestão é falido. Qualquer sistema que tem um input maior que o output está fadado ao colapso. Basta,para um experiência caseira, ligar muitos aparelhos elétricos num tomada só... e ver o que acontece.
    Neste sentido, afirmei que, já em 1999, o sistema estava falido. O Ministro Weffort, preferiu remendar o sistema, autorizando a concessão de benefícios fiscais na ordem de 100%, para aumentar o interesse das empresas patrocinadores (as que estão na classificação do Lucro Real, é claro) e aliviar a pressão na fronteira do output do sistema (leia-se a pressão dos produtores culturais que não conseguiam patrocínio para os seus projetos aprovados pela CNIC. Mas não resolveu a questão.
    Na gestão de Gilberto Gil/Juca Ferreira, o assunto foi discutido, discutido e discutido, mas não se têm solução. A solução apontado é pior do que o que aí esta...e não vai progredir porque fere interesses poderosos de instituições com forte poder de influência, em qualquer governo.
    Apontei para fato de que o Ministério da Cultura ser configurado na Constituição de 1988, como uma área subsumida (ou seja, subalterna) à área de educação. Isto traz graves implicações na configuração de responsabilidades do MinC, na estruturação de sua alçada orçamentária e por fim na sua identidade institucional.
    Por outro lado, vejo que as organizações da chamada "área cultural", não conseguem apresentar um projeto claro e unificado. Vivem à repoque das oportunidades oferecidas pelos "editais" - municipais, estaudais e federais. A maioria quer, sempre, mais verbas do Estado. Como se o fato de ser um produto cultural, já credencia a pessoa para ser sustentada pelo Estado. A maioria sonha com um Estado que ofereça aos "artistas, criadores, produtores e parentes", um status de pleno emprego, em nome da "cultura brasileira" que assenta a "identidade nacional". Enquanto isso os maiores sucessos do cinema brasileiro são distribuídos pelas majors, com o custo de comercialização pago pelo imposto de renda, dos cidadãos brasileiros que não têm sequer um descontinho para ver os filmes brasileiros. Isto se repete, ad nauseum, nos museus, nas shows, nos discos, nos livros e tudo mais.
    Além disso, de que cultura falamos quando falamos de cultura?
    O debate é interessante e importante. Estamos num ano eleitoral e é preciso que estas questões sejam explicitadas.
    Cito um exemplo, o esforço que o Ministro Juca Ferreira fez para encaminhar a PEC150, que pretende ampliar o orçamento do MinC, será inútil, se não se fizer uma emenda constitucional, criando um capítulo, na nossa Constituição, que preveja a função e as atribuições do Ministério da Cultura. Da forma como esta, a cultura esta subordinada à Educação e inserida no conjunto Educação, Cultura e Desporto. Examine a Constituição e veja. Sem esta mudança, os esforços de aprovação da PEC 150, do Plano Nacional de Cultura etc.,resultarão em muito barulho por nada. Ou muita falação e pouca resolução.

  • O Carlos Henrique Machado, diz que não compreendeu o meu artigo, e faz alguns questionamentos que eu também não compreendi. Mas, para auxilar o Carlos e os demais leitores no entendimento sobre o debate da questão "Cultura Nacional", "Identidade Cultural", "Identidade Nacional", e o que os Modernistas e o ideário positivista da ditadura Vargas, iluminada pelo grande articulador político Gustavo Capanema, têm a ver com isso, indico a leitura de: "A Retórica da Perda": Os discursos do patrimôno cultural no Brasil, de José Reginaldo Gonçalves, Ed.UFRJ/Minc/IPHAN; Cultura com Aspas, de Manuela Carneiro da Cunha, Ed.CosacNaify, ou as monografias: "O Papel da Cultura no Planejamento Público no Brasil", e "A ATUAL POLÍTICA DE PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL: Economia e Cultura – uma análise interdisciplinar" que posso mandar por email, para quem quiser.

    Continuo afirmando Carlos Henrique, que: "Não havendo um conceito claro do que queremos dizer quando falamos de cultura; tendo um Ministério da Cultura com uma delimitação constitucional ambígua e subsumida no conceito de educação; não havendo no campo do Planejamento Público, no Brasil, nenhum aceno para qualquer política de estímulo ao desenvolvimento da indústria cultural, ou, para ser mais amplo, indústria criativa. O debate oscila entre protecionismo de um lado e oportunismo corporativista do outro: neste jogo todos perdem."
    Aproveito para corrigir a ultima frase, onde se lê "protecionismo", leia-se subvencionismo. Pois protecionismo diz respeito à barreira alfandegárias como defesa do produto nacional. Quanto ao oportunismo corporativista, continuo afirmando que este oportunismo se expressa na forma como as "entidades" da área cultural proliferam na mesma proporção que sua representatividade decai. Este estado de coisas não é um privilégio da área cultural, é um dado da mentalidade patrimonialista que embasa a sociedade brasileira. Para ter conseguir interagir com os representantes do poder, criam-se entidades que dão aos seus dirigentes uma credencial para frequentar as salas do poder. Basta ver quantas destas "entidades" realmente funcionam de forma regimentar, com reuniões, quadro de sócios, contribuições regulares e atividades que não seja, as de participar das tais "Comissõe", ou "comitês, bem ao gosto do populismo autoritário de plantão.
    Com isso espero ter corrigido o ponto que possa ter levado a algum equívoca na leitura do meu artigo acima. Mil desculpas Gil.
    abrcs

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