Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, Francisco Bosco, presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), órgão do Ministério da Cultura responsável pela elaboração de políticas públicas voltadas para as áreas de música, artes cênicas e artes visuais, criticou duramente o atual formato da lei de incentivo fiscal à cultura, a chamada Lei Rouanet.
O argumento de Bosco é parecido àquele do atual ministro da cultura, Juca Ferreira, ambos sendo favoráveis à mudança nos critérios de avaliação dos projetos aptos a captarem recursos oriundos da renúncia fiscal. O problema, portanto, não estaria na lei, mas em seu desenho equivocado que permite distorções contrárias às ideias de democratização do acesso à cultura e à promoção da diversidade cultural brasileira. Nas palavras do presidente da Funarte:
“Sou favorável à lei, mas como existe hoje, entregue à lógica da indústria cultural, produz distorções e premia quem já é contemplado pelo mercado. É o que dá retorno imediato. Se basearmos a cultura de um país sob esse princípio, a mataremos. Portanto, um show do Roberto Carlos está moralmente equivocado de utilizar lei de incentivo.”
Em resposta a Bosco, a atriz Fernanda Torres publicou artigo na Folha de São Paulo questionando a vilania dos “consagrados”, considerando tal termo “nefasto”. Segundo ela, uma turnê pelo Brasil de um pequeno espetáculo, que arque com passagens áreas, hospedagem, alimentação, divulgação, mídia, transporte, aluguel de equipamento e teatro, mesmo com casas lotadas, sai no vermelho. Sem ter como retomar a independência de outros tempos, o chamado “consagrado”, segundo Fernanda, é tachado injustamente de aproveitador quando se vale da lei de incentivo fiscal à cultura. Ela rebate o presidente da Funarte questionando a dignidade de seu pai, o compositor João Bosco, que jamais se “conspurcou com o benefício”, em oposição à acusação de indignidade feita por Francisco Bosco aos “consagrados” aproveitadores do dinheiro público.
Quem foi mais digno, pergunta a atriz, alguém que “nunca gerou emprego, ou assumiu o risco de ter uma prestação de contas revista no Tribunal de Contas da União” ou alguém que devolve ao fisco, em forma de imposto, um valor que nunca é computado, como é o caso do show de Roberto Carlos? O problema estaria nas fraudes e distorções, não na turnê de Roberto Carlos, está nas permutas, descontos e promoções, além da prática da meia-entrada para estudantes, terceira idade e servidores públicos, fazendo com que apenas 20% do público pague o preço cheio do ingresso.
“O inimigo do artista não é o próprio artista, como faz crer a entrevista de Bosco. Um ‘consagrado’, palavra nefanda, é alguém que, apesar das violentas reviravoltas do país, teve fôlego para chegar até aqui. A Funarte deveria protegê-lo, não demonizá-lo.”
O artista “consagrado”, a meu ver, é apenas o mensageiro de más notícias, é a bucha de canhão, é o soldado na linha de frente, é a figura proeminente que acaba “pagando o pato” por problemas estruturais profundos que passam longe da boca de cena.
Na mesma entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, Francisco Bosco fala dos recursos cada vez mais minguados a que faz jus a instituição que preside, incapaz de dar conta das demandas que chegam de todo o país. Justamente a instituição responsável por pensar e executar as políticas públicas voltadas para as artes. Se compararmos o orçamento da instituição com o montante da verba incentivada destinado às suas áreas de atuação, verificamos que o abismo entre a atuação do Estado e a mão do mercado na distribuição de recursos aumenta ano a ano em favor do segundo.
O Estado escolheu ausentar-se da arena, jogando os artistas aos leões. Não se trata de vitimizar os “consagrados”, mas de compreender que, uma vez definidas as regras do jogo, cada um joga com as armas de que dispõe. A perversidade das leis de mercado engendram as distorções da lei de incentivo à cultura, a concentração de recursos incentivados nas mãos de poucos produtores, de poucos estados, de poucas cidades, as mesmas linguagens artísticas, o mais do mesmo.
Diz o provérbio português que “em casa onde falta pão, todos brigam, ninguém tem razão”. A luta verbal entre Bosco e Torres parece encaixar-se perfeitamente na sabedoria popular. Concordo com Bosco quando diz que artistas “consagrados” não deveriam ter acesso à lei de incentivo; concordo com Torres quando diz que o artista “consagrado” não é o responsável pelo estado de penúria em que vive o Ministério da Cultura e pelas distorções do mercado. Se todos têm razão, a razão está em outro lugar.
Não se pode esperar do mercado que ele se autorregule, que invista em produções artísticas de pouco apelo comercial, menos ainda com as propostas apresentadas à lei rouanet, especialmente aquela que retira o incentivo fiscal integral. A reforma vai apenas “regular mixaria”, espalhando as migalhas para mais ou menos longe, tudo dependendo da vontade do departamento de marketing da empresa e da expectativa de lucro do negócio.
A solução, sejamos curtos e grossos, é o aumento expressivo do orçamento do Ministério da Cultura e a extinção da lei de incentivo fiscal à cultura, cujo montante deve ser distribuído a partir de critérios estabelecidos pelo MinC em diálogo permanente com a sociedade. O resto é enxugar gelo.
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