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Não Há Orçamento Sem Projeto

Juca Ferreira assumiu, na última quinta-feira, a difícil tarefa de substituir Gilberto Gil no comando do Ministério da Cultura. E se impôs, corajosamente, o difícil desafio de aumentar os recursos para a pasta. Se a tarefa já era difícil para alguém com o prestígio, o trânsito e o capital político de Gilberto Gil, como será para o Juca?

O discurso de posse mostra o novo ministro nitidamente entusiasmado com a ascensão ao poder, resultado da consolidação de um movimento gerado pelo próprio Juca dentro do Ministério, unificando forças em torno do seu projeto político. De posse e domínio de todos os movimentos do MinC, Juca agora articula e prepara seu caminho. Audacioso e arrojado, ele deseja sair da sombra de Gil e tornar-se o sujeito que materializará a “extraordinária” política de seu antecessor, como gosta de frisar.

Como agente ativo da sociedade civil Cultura e Mercado continuará apoiando os esforços deste ministério, abrindo espaço para a discussão de pontos fundamentais das políticas públicas inaugurados nesta gestão. Mas não se furtará a exercer sua função pública, apontando possíveis desconexões entre o discurso e a prática, como faz desde sempre, abrindo espaço para vertentes e pensamentos diversos e dissonantes.

Apóia, sobretudo, o esforço por mais verbas para o Ministério da Cultura. Lembramos que o Manifesto “1% para a cultura” foi aqui lançado na campanha eleitoral de 2002 e rapidamente incorporado por Gil, assim como boa parte da agenda consolidada pela sociedade civil àquela época, assimilida em forma de discurso e plataforma política pelo ministro-artista.

Por isso mesmo vale repetir lembrar outro bordão sempre presente em nossos 8 anos de existência: “não falta dinheiro para a cultura, o que falta são projetos”.

A próprio programa Cultura Viva é prova disso, pois conseguiu se articular com parlamentares e agora com governos estaduais e municipais para viabilizar-se política e financeiramente, como mostra a entrevista com Célio Turino aqui publicada semana passada.

Não nos resta dúvida sobre o principal e mais importante desafio deste MinC que agora se forma: consolidar o vasto e rico discurso de Gilberto Gil, para que se processe em programas efetivos, com planos de ação, metas, estrutura e orçamento para executá-lo. Não faz sentido pedir dinheiro se não mostrar aonde, como e porque será utilizado. Só assim sairá da condição de esmoleiro para a de estratégico.

Uma política com o tamanho e as virtudes das proposições de Gilberto Gil não se faz do gabinete, sobretudo levando em conta o já conhecido défcit de aparelhamento humano e técnico do Estado. Precisa ser feita pela sociedade e não “para o povo”, sob o risco de tornar-se populista declarando-se democrática. Nesse sentido, o novo ministro fez sua mea-culpa e diz-se pronto para o diálogo, o que significa ouvir, processar e propor. Sobretudo ouvir.

Sentimo-nos igualmente no dever de prestar contra-informação, sobretudo quando a grande mídia reproduz informações inconsistentes a respeito da real situação das políticas culturais e do mercado. Nesse sentido continuaremos a exigir informações precisas e responsáveis deste Ministério, que ataca e desacredita o principal instrumento de financiamento à cultura com dados manipulados e equivocados.

E o pior, sem propor nada concreto no lugar. Sobre este assunto, tivemos acesso à apresentação que o secretário de fomento, Roberto Nascimento, realizou ao Conselho Nacional de Política Cultural semana passada e nos preocupa muito a utilização de um tipo de argumento manipulado para defender um centralismo das decisões sobre a Lei Rouanet.

Deixamos uma frase do recém-empossado secretário-executivo do MinC, Alfredo Manevy, para quem “não é papel do Estado dizer o que a cultura deve ser“, em entrevista concedida há exatos 2 anos. Esperamos que suas idéias ganhem força neste novo MinC!

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • Caros,
    Como autor da proposta do 1% para cultura feita anos atrás ao então ministro Gil proponho o lançamento de uma nova campanha apostando todas as fichas nesta nova gestão e certo de que o ministro Juca está com mais força além da que sempre demonstrou. Minha proposta/ tema é "Meio-a-Meio". O ministério responde às necessidades fundamentais apontadas pela produção cultural e a em reciprocidade a produção cultural articula junto à sociedade civil a busca pelas ferrramentas que ampliam recursos voltados a cultura. Creio que devemos olhar de forma propositiva e prospectiva solicitando audiência ao ministro para consolidarmos o assunto.

  • Boa Sorte ao Juca, cheio de gás e entusiasmo pelo novo poder alcançado! Que as idéias se transformem em ações, como bem diz Cultura e Mercado, que o "novo passo" tão propalado seja concreto e conclua a transformação iniciada; que a Funarte diga a que veio; que o Plano Nacional de Cultura seja encaminhado, após 3 ou 4 (?) anos de discussão, que o CNPC se comunique com a sociedade à qual representa (ao invés de se converter em mais uma casta de privilegiados) , que a proposta da nova Lei (Rouanet ou de Incentivo) seja apresentada com clareza, que o funcionamento da CNIC, PRONAC e cia. seja efetivo, que os projetos de intercâmbio internacional sejam melhor articulados e com critérios mais transparentes na seleção, que as Câmaras Setoriais sejam retomadas, que haja continuidade nos editais, e assim por diante: Ministro novo, brasileiros profissão esperança, vamos lá...

  • Não há orçamento sem projeto, é verdade ! Mas a recíproca, também é verdadeira. Não faz sentido fazer projetos, sem uma expectativa real de recursos. O Setor Cultura do aparelho-de-estado, não consegue passar dos 0,5%, por não ter presença no imaginário coletivo. A sociedade em geral é apenas espectadora dessa ópera bufa. Políticos e 'agentes culturais' de todas as cores e credos, preferem que as coisas se mantenham assim, num processo controlado, pouco transparente, para que os parcos recursos, fluam para as mãos certas. O clientelismo e o compadrio que movem estas engrenagens, em qualquer das esferas de poder, faz com que o agente cultural local, seja ele público ou privado, contrate prioritariamente, seus amigos ou parentes, para qualquer ação de desenvolvimento cultural; a escolha da temática, se dá muito mais pela disponibilidade dos compadres, do que pela necessidade local real. Na outra ponta, só para citar um exemplo, na discussão da Ancinav, em que o ex-Ministro 'correu da raia', os beneficiários preferenciais e permanentes, das verbas públicas para o áudio-visual, não queriam abrir mão da manata - não queriam tornar transparente e democrática a discussão. Deu no que deu. Com a agravante: em razão do diletantismo que domina esse setor, o que importa é realizar a 'obra'. É irrelevante, para a maioria, se isso vai ser visto por alguém - ou seja, uma grande parte da produção 'comercial', num chega a esse circuito.

  • O que temos como realidade?
    Um quebra-cabeças, um jogo de varetas. Meche daqui, esbarra ali, meche acolá.......

    O fato de ter ou não mais verba, não significa que teremos mais INVESTIMENTO EM CULTURA. De todos esses recursos, uma parte mínima, uma maquiagem é que de fato vai para os carregadores de piano, ou melhor, para pintar a cara do palhaço. O real, literalmente, o que acaba valendo é a máxima da malandragem capitalista, "QUEM TRABALHA MUITO, NÃO TEM TEMPO DE GANHAR DINHEIRO". É todo tipo de coação, do QI político aos interesses corporativos, passando logicamente pela cabeça oca do marketeiro gente boa. É partidarismo, é troca de favores, preguiça dos agentes responsáveis por fiscalização e etc. É mesmo um grande mercadão de variedades, tem de tudo, é um espanto. Todas essas leis e mecanismos, ainda mais em ano eleitoral, viram a feira de Acari e, para fazer coro com toda essa sinfonia pra surdos, temos os nossos monsenhores que só recebem em libra esterlina, é mais chique, é mais a dos lordes que ficam ali cozinhando suas batatas na fogueira de suas vaidades e falando em boulevard.

    Olhando assim do GOOGLE EARTH, o araponga, o grampão americano que não incomoda as nossas togas, dá pra ver o tamanho da encrenca! É pior do que o engarrafamento paulistano. É pior do que as nossas "privadas agências de telefonia e suas bandas largas como conta-gotas". O gargalo é o mesmo da lei seca, é campo minado pra todo lado.

    O problema é que, no caso dos recursos que garantem um fluxo virtuoso de toda produção artística brasileira, O PAU QUE DÁ EM CHICO, NÃO DÁ EM FRANCISCO, OU MELHOR, NÃO DÁ EM FRANCESCO!

    Vamos levando, sobrevivendo pelo coração, assim como a cultura brasileira, que é MADEIRA QUE CUPIM NAO RÓI. As coisas vão sendo levadas como andor de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. A arte não pode ficar passiva, refém de um jogo rasteiro, pequeno e mesquinho e que, quem embaralha e dá as cartas, são sempre os mesmos.

    Ainda não temos uma fotografia do trauma de toda essa lambança. O que podemos afirmar é que estamos num emaranhado de interesses e que, sem perceber, toda a produção artística brasileira ficou refém do jabá das leis e "políticas públicas". Não existe mais aquele sentimento de união em prol de um sonho, nem o sino da matriz toca mais, ficam todos paradinhos para não fazer ondas, esperando um "qualquer" bater na conta que só vive no vermelho, de raiva.

    É bom que voltemos aos nossos sentimentos, às nossas escolhas, que queimemos nossos navios que, na realidade, são barquinhos de papel. Que reencontremos o caminho da liberdade artística, da liberdade política e nos transformemos num pilar natural que se fortalece na dignidade como um grande e, principalmente um independente movimento político.

    Aos artistas, alguns conselhos: chutem o pau da barraca e renasçam como uma águia! No nosso caso, como um urubu. Passemos por essa lagoa, aconselhados por um vivido jacaré, nadando de costas e na velocidade do Cielo. Reinventem seus caminhos! Retomem a lucidez! Saci Pererê é lenda, acordem para a nossa realidade! Pardal que acompanha morcego amanhece de cabeça pra baixo.

  • A questão do orçamento e dos projetos tem um outro componente: execução orçamentária. O MinC se mostra - historicamente, dito seja de passagem, e não apenas na atual administração - muito irregular na execução orçamentária. Não consegue desbloquear os recursos orçamentários e usa - à discreção do ministro - os recursos do FNC originários dos repasses da Loteria Federal. Resultado: na discussão da proposta orçamentária os técnicos do Planejamento têm sempre engatilhado o orçamento: se vocês não gastam tudo, para que querem mais?
    Mas o MinC sempre consegue aumentar os recursos da renúncia fiscal (lei Rouanet). Não é curioso? Será que no fundo o que querem mesmo é ter a liberdade de uso dos recursos provenientes da renúncia fiscal sem as injunções da lei orçamentária, centralizando tudo na cabeça do ministério?

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