A relação entre Estado e cultura nunca foi simples. Seria até cansativo, não fosse imprescindível, lembrar que o dirigismo cultural é o sangue que corre nas veias de dez entre dez ditaduras, em qualquer tempo. Por isso, quando o assunto é a natureza e limites da intervenção estatal nas indústrias criativas, é recomendável manter certa cerimônia. Os bens culturais — o filme, a música, o livro —, mesmo quando produzidos dentro de uma lógica de mercado, são manifestações sociais tão legítimas quanto qualquer outra. Sua criação, produção e distribuição devem ser, tanto quanto possível, livres.
Então, como pode o Estado apoiar o setor? O fomento é uma resposta óbvia. Em qualquer país, mesmo nos mais ricos, cultura é um negócio arriscado. Filmes caríssimos podem naufragar economicamente pela mera incapacidade de atingir o gosto do público. Formatos consagrados são menos arriscados do que os de vanguarda, mas sem a vanguarda paralisamos a cultura. Políticas de fomento e incentivo fiscal reduzem o impacto deste e outros riscos inerentes à atividade, como ocorre com o agronegócio, por exemplo, que depende do clima, e outros tantos segmentos da indústria em momentos de tormenta macroeconômica.
Mas estes recursos não são, nem de longe, uma benesse do Estado. Responsabilidade é fundamental, claro. Quem se vale de recursos de terceiros deve sempre prezar pela lisura e transparência em sua aplicação, ainda mais em se tratando de recursos públicos. Mas é bom lembrar que a principal fonte dos recursos usados no fomento ao audiovisual é a Condecine, tributo cobrado apenas das empresas que operam no setor. Diferentemente do IPI, por exemplo, este tributo não onera os demais setores da economia. Seu retorno ao setor audiovisual, via fomento ou não, é um pressuposto legal.
Em se tratando de regulação, pode-se dizer que é o setor audiovisual que financia o Estado, não o contrário. Isso inclui a estrutura da Ancine, que não é leve. Os recursos destinados à produção são decorrentes de renúncia fiscal e, por isso, a auditoria das contas deve ser rigorosa. Os critérios de avaliação, no entanto, devem respeitar as peculiaridades do setor. Produzir uma série de televisão não é o mesmo que asfaltar 50 km de estrada. E o foco deve estar, acima de tudo, no resultado do investimento: um produto bem feito, dentro do prazo e do orçamento. Os detalhes da execução, quanto alocar nisso ou naquilo, deveriam ser vistos como parte da estratégia empresarial de cada produtor.
Engessar a gestão das empresas em nome da regulação dificulta o surgimento de novas técnicas produtivas e em nada contribui para o aumento da competitividade de um setor cada vez mais exposto à concorrência internacional. É tiro no pé. Como também é exigir das produtoras, como condição para o acesso aos recursos do fomento, que licenciem gratuitamente os direitos sobre as obras, para uso do governo. Ninguém espera que, por conta de uma redução do IPI, as montadoras doem veículos para o governo federal ou os fabricantes da linha branca entreguem geladeiras e fogões para hospitais e escolas públicas.
A burocracia é parte de nossa herança administrativa, mas, em si, não impede a corrupção nem o desvio de recursos públicos. A depender da dose, pode mesmo obstruir o crescimento de qualquer atividade econômica, fazendo com que os recursos investidos — públicos ou privados — não gerem o retorno esperado. Política fiscal serve para manter a economia funcionando, com ganhos de qualidade e produtividade. Não é favor, é obrigação. Se o incentivo é mecanismo legítimo para financiar a construção de arenas — como a própria presidente reconheceu em seu último pronunciamento — também deve ser para preservar, desenvolver e difundir nossa cultura, pauta indissociável da educação.
* Em coautoria com Silvia Rabello, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual
** Publicado originalmente no jornal O Globo
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