Integrante do comitê diretivo da Rede Internacional de Diversidade Cultural alerta sobre alguns pontos da reunião da OMC neste mês que podem colocar em risco a Convenção da UNESCO

Há um grande risco de que os ativistas culturais que lutaram duramente para assegurar a Convenção da UNESCO acreditem que possam relaxar e que o iminente encontro de ministros da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Hong Kong, de 13 a 18 de dezembro, não represente nenhum risco real para a cultura.

A Convenção não dá garantias protegidas dos acordos comerciais e do impacto das regras livres de comércio nos direitos dos governos de adotarem políticas que promovam a cultura local e a diversidade cultural genuína.

De fato, há uma enorme pressão sobre todos os membros da OMC para estabelecerem novos compromissos em diversos serviços, incluindo o setor audiovisual.

Um sério ataque já foi deflagrado. O que era chamado de “quantitative benchmarks” requeria que países “desenvolvidos” submetessem um mínimo de 139 dos 163 sub-setores de serviços (85%) às regras do GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), enquanto países “em desenvolvimento” teriam que submeter 93 sub-setores (57%). Isso quase que inevitavelmente impactaria os serviços relacionados à cultura. Após intensa pressão de governos e ativistas do Terceiro Mundo, essa proposta foi retirada do texto sobre o qual os governos deveriam concordar. Mas a União Européia vem insistindo que essa questão deveria voltar à agenda em Hong Kong. É fundamental pressionar todos os governos para não aceitarem essa restrição aos seus direitos soberanos de decidirem suas próprias políticas.

Um segundo ponto do ataque parece agora mais ameaçador. É chamado de aproximação “plurilateral”. Basicamente, um grupo de países irá formar seu cenário ideal de compromissos em relação a um serviço específico até fevereiro de 2006 e pedir que todos os outros governos atendam suas demandas.

Esse agrupamento de países são conhecidos como grupo de “amigos”. Um dos mais notórios é o “amigos dos serviços audiovisuais”, liderado pelos EUA. Mas há também grupos de telecomunicações, educação, serviços de informática, serviços postais e  distribuição, entre outros.

Sobre a última proposta, esses grupos de “amigos” apresentariam coletivamente suas demandas para alguns ou todos os governos na OMC e estes teriam que iniciar negociações a respeito. Isso remove os direitos dos governos de ignorarem essas demandas. Não é difícil imaginar a pressão que virá para os países mais pobres, menores ou vulneráveis cederem, especialmente se eles forem avisados de que esse é o preço de concessões em áreas de importância para eles, como algodão ou açúcar.

Explicando detalhadamente: os EUA e seus aliados poderiam demandar que todos os governos que assinaram a Convenção da UNESCO entrem em negociações para abrir seus serviços audiovisuais. É verdade que esses governos poderiam negociar e dizer não, mas nós sabemos o quão difícil isso pode ser. O mesmo poderia acontecer com as telecomunicações e os serviços ligados à informática, onde as corporações transnacionais do Primeiro Mundo querem ter o controle das plataformas digitais. Ou nos serviços de distribuição, onde a Wal-Mart ou a Video-Ezy desejam controlar quais vídeos, músicas ou livros estão sendo vendidos e para quem.

Essa proposta faz parte atualmente do texto que os Ministros do Comércio irão discutir no encontro da OMC em Hong Kong em dezembro. É urgente e essencial pressionar Ministros da Cultura, Ministros do Comércio e líderes políticos para se oporem a essa ameaça. Se a proposta for bem-sucedida, todas as palavras da Convenção da UNESCO significarão muito pouco.

Jane Kelsey faz parte do comitê diretivo do INCD (International Network for Cultural Diversity) e é professora de Direito da Universidade de Auckland, Nova Zelândia

Jane Kelsey


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