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O apagão da “elite culta” e a liberdade das conferências de cultura


É nítido que as conferências de cultura de forma instantânea incendiaram a vida nacional. Cultura, política, eleição, sociedade, empresariado, pessoas sérias, picaretas, enfim, há um jogo franco, menos técnico, “técnico-racional”, mais apaixonado, alucinado em muitos momentos, produzindo por uma febre de participação que ainda não experimentamos.

Qual o resultado disso? Mas quem está interessado em resultados? E se eles vêm de forma inesperada? Pois tudo indica que virá, comandado por outro sentimento menos ordeiro, mais simbólico, sobretudo mais verdadeiro, incontrolável, desembestado.

São estas as questões que os camarotes terão que presenciar os blocos de sujos, dos feios e ajambrados da cultura desvalida, do sentimento pressionado.

Há um vulcão em erupção, magicamente e magistralmente efervescente desenhando um cenário de absoluta autonomia com a chegada das conferências de cultura. Nada está certo, nada está errado. Imagino que os universalistas de Sorococó estejam assustados. Nós os vira-latas estamos fugindo das carrocinhas que, como sabemos ninguém consegue pegar vira-lata depois que as portas são arreganhadas pela molecada.

A cultura brasileira estava a um passo de virar sabão, pois era esse o destino que os ideólogos da cultura chique empacotada, do sabão português aguardavam, nós os vira-latas sendo matéria-prima da indústria culta. Mas somos muitos, quase todos, sem complexos, pois complexo é coisa de elite, ela que quer nos transformar em universais mequetrefes, em cidadãos de terceira, em carbono borrado de civilizações européias do século XVII para sermos os civilizados higienizados do século XXI em seus matadouros urbanos, os tais centros culturais, institutos e fundações que tentam a todo custo engarrafar a rebeldia da cultura brasileira.

Estou achando tudo isso uma delícia. Os institutos somos nós. A cultura brasileira somos nós. Se universal ou não é só nosso o problema. Queremos ter o singelo e gigantesco prazer de sermos os macunaimas que somos.
Há uma força incontrolável surgindo com a união dos sentimentos indiscutivelmente promovida pelas conferências de cultura. Nada é uniforme, elogios, críticas, xingamentos, comemorações, broncas, gargalhadas e participação coletiva, ora coordenada, ora desencontrada.

E o que é mais a nossa cara? E o que é mais os nossos sentimentos do que nossos próprios paradoxos?
Adoramos debater, nos debater, gritar gesticular, desconstruir, destruir, criar, repetir, a modo e gosto, bem ao sabor da liberdade.

As conferências de cultura não são do bem nem do mal, são do povo brasileiro, sem heróis nem vilões.
É isso que estamos assistindo, informações desencontradas, pensamentos desconexos numa embolia social que podemos maravilhosamente chamar de divina, de cultura brasileira.

Carlos Henrique Machado Freitas

Bandolinista, compositor e pesquisador.

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  • Caro Carlos, após a leitura de seu empolgado texto me senti mal, por não compartilhar da mesma opinião. Gostaria de ver o belo, em algo que me incomoda, esta verdadeira falta de consolidação do povo brasileiro, da decadência de valores, que trocada em miúdos, facilita a adoção de uma racionalidade econômica e individualismos... macunaimescos... Boas críticas, confesso também gostar de ver o circo pegar fogo...
    Seu texto apresenta de forma simples os conceitos de Bauman sobre a sociedade liquida, só por isso já lhe tiraria o chapéu, pois o conflito neste caso seria sem dúvida algo incontrolável, o belo que revela... cinismo e equivoco de estado.
    Mas resta uma pergunta? Estamos efetivamente vivendo uma democracia caótica, livre, que reflete nossa diversidade? Ou estaremos sendo apenas instrumento, vagões desgovernados, mas em uma pista, que esta absolutamente delineada, baseada em mapas, em esquemas técnicos, em estruturas e materiais pré definidos? Que estrutura é essa que nada sabemos? A não ser que tudo isso faz parte do plano de governo. Conferências, Sistemas, Planos... Percebe a estrutura? O Quanto, o que sugere caos, é técnico e intelectual? O quanto o que sugere ser técnico e intelectual é caos? Será que o resultado almejado não é o tecno-caos?
    Mas quero saber qual é o plano? Qual é a política? Social ou capital? Pergunto isso, pois a observação que tenho feito nestes anos em que tenho participado ativamente como ativista e pesquisador cultural é de que na verdade o Brasil continua em sua democracia de elites e de consenso (Schumpeter) e que a base social e militante ativa no processo cultural vigente, esta orientada pela cartilha Gramsciana (Antônio Gramsci). Ou seja, elites mandam, bases militantes tentam nos conduzir ideologicamente...
    E no meio desta suposta bagunça (dissonante, porem muito bem orquestrada), restam pessoas como nós que insistem em não perder a esperança (nem os brios).
    Por isso não acharei belo, pois não é apenas caos... e quem acha o caos bonito é a física quântica.
    Prefiro ver o bloco na rua, bateria na cadência, foliões alegres dando um grande espetáculo, mestre sala e porta bandeiras em harmonia... Querendo nota 10! Nem que a grana venha do jogo do bicho... Pelo menos todo mundo sabe a origem. Não fica essa indefinição... Este jogo que ninguém entende... Melhor do que escorrendo em projetos questionáveis, ação, pontos, bolsas de pesquisa, encontros, tudo política partidária, na base de tapinha nas costas do companheiro...

    Elite é elite em qualquer governo e onde existe segredo, já dizia meu bom e velho Pierre Bourdieu, existe oligarquia! A pirotecnia? A bagunça? A diferença? A diversidade? Os populares? O caos? Tudo realmente ao acaso? Vai ver, que tudo não é nada.
    Lhe tenho simpatia. As criticas são a ninguém... apenas constatações e histeria (no sentido lacaniano)
    Abraço

  • Oi Manoel
    Fique tranquilo, nós é que bebemos, mas eles é que ficam tontos.

    O drible, a galhofa, o glicê gritado do clarinete jogando o tempo fora do tempo da música, a chula magistralmente dançada ainda hoje, os funkeiros em folias de reis tradicionalíssimas expressando-se dentro da igreja da Glória em Valença, terra de Rosinha e Clementina, que representam tão bem esse universo Villa Lobiano que fez a elite vaiar Villa Lobos na semana de 22 porque estava descalço, em função de um cravo que lhe incomodava um pé, mas sabe como é né! A ideia ordem e progresso plantada pela elite, seja ela qual for,trabalhou com essa norma, sapatos apertados e grilhões aos pobres escravos e o ócio ócio desmedido e covarde para a dinastia dos bem-aventurados de escopeta na mão, e o aparelho do Estado sob o comando deles.

    Garrincha, Pixinguinha, são ídolos de um país que não liga pra se despir, que não é hipócrita nem pudico. Nacional aqui nada tem a ver com o ultranacionalismo de direita que clama por universalismo no terreno dos outros, instalando bases militares e estendendo as suas xenofobias em alguns pobres latinos comandado pelos vendidos a la Uribe.

    Aos poucos Lula vai explicando ao povo o orgulho que devemos ter do pau-de-arara, mesmo que, asim como a chula, o termo significa o não Estado. Em muitos casos sabemos, pau-de-arara, pela nossa história de opressão e ditadura, é um instrumento de suplício e tortura e que ainda se mantém no cangaço até nas nossas instituições mais elevadas, como bem disse o querido Ministro do Supremo, Joaquim Barbosa quando se dirigiu àquela figura que definiu que Battisti deve ser entregue ao fascismo europeu muito bem representado por Berluscone.

    Lembra do inglês, ladrão do trem pagador? Aqui no Brasil virou celebridade, quase mestre-sala, por quê? A rapaziada faz as contas e escreve no quadro negro do copo sujo do portuga, "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão". Eles preferem os bicheiros. Como disse Noel, "lá no morro se eu fizer uma falseta a Risoleta desiste logo do francês e do inglês", e conclui... "esse negócio de alô, alô boy alô Jonny só pode ser conversa de telefone". A chula, Manoel, danças e palmeados, é obra lírica, encantadora. Imagine! Não é o Estado que está presenvando, e sim funkeiros que mereceram hoje aqui no Rio o trem, ou melhor, o bonde igual ao samba, igual ao bondinho de Sta. Teresa para o choro.

    Fique tranquilo, o povo sempre soube fazer limonada, a internacional caipirinha com a cachaça, o limão e a garapa que os donos do engenho do antigo Brasil na era pré-Lula sempre disponibilizaram ao povo. Com os restos da casa grande fizemos a santa feijoada e saudamos este país fazendo barulho, sentando a mão no couro.

  • Isso que é conversa da boas! Carlos e Manoel, concordo com ambos, pois ambos falam a mesma coisa, apenas um ri onde o outro se acabrunha, mas cada um se comporta a seu modo e de acordo com sua expectativa.
    O tecno-caos preocupa mesmo, para mim, muito mais pela lado tecno que pela lado caos, não sou físico, mas uma bagunça, uma desordem muitas vezes tem sentido, só não tem organização, que nem sempre faz falta.
    A tecnocracia endinheirada ameaça os espaços culturais, mas concordo que as Conferências apontam para uma possível mudança, afinal, se o Sistema Nacional de Cultura for aprovado a partir do documento que lhe serve de fundamentação, a infame Lei Rouanet tende a perder força, se não sumir de vez, e isso é um avanço. Se construirmos, pelo debate e pela força da lei (às vezes necessária) o sentimento de descentralização dos processos culturais, se conseguirmos - e há espaço para isso - mecanismos de valorização da cultura horizontal de baixo para cima, aquela que não vem de lá (do centro do poder), mas de cá (dos centros das margens múltiplas)começaremos a dar passos pequenos, mas firmes e decididos, em direção a algum lugar que não é o do consenso fabricado, da democracia de fachada. Que lugar é esse desconheço, se é o caos ou a ordem, Pasárgada ou Pindorama, tanto faz, mas para mim é um lugar agradável, e é pra lá que eu vou.

  • Carta Maior
    Conferência de SP aprova repúdio ao governador José Serra

    O texto da moção afirma que a 1ª Conferência Nacional de Comunicação não teve pelo Governo de São Paulo o apoio para sua concretização no Estado. "O governo Serra repassou aos deputados a obrigação democrática de convocar a discussão sobre a comunicação em São Paulo, eximindo-se da responsabilidade enquanto poder público executivo e não garantindo a estrutura necessária para que a sociedade paulista tenha garantido o seu direito de participar dignamente da etapa preparatória em âmbito estadual”.

    Maurício Thuswohl

    SÃO PAULO - “Apesar de José Serra, nós realizamos a 1ª Conferência de Comunicação de São Paulo!”. Seguido por gritos de aprovação e uma longa salva de palmas no plenário da Assembléia Legislativa, o desabafo da representante da sociedade civil Terezinha Vicente Ferreira simbolizou o repúdio manifestado pelas centenas de pessoas que participaram da conferência estadual à falta de apoio do Governo de São Paulo para a realização do evento.

    Ao propor uma moção de repúdio a José Serra que foi aprovada por cerca de 90% do plenário, Terezinha não poupou críticas ao tucano: “É uma grande falta de compromisso com a história o governador não apoiar esse importante debate sobre comunicação no estado. A conferência paulista somente aconteceu graças ao empenho de parlamentares, de prefeituras municipais e dos movimentos sociais organizados pela democratização da comunicação”, disse.

    O texto da moção afirma que “a 1ª Conferência Nacional de Comunicação de São Paulo, convocada por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não teve pelo Governo de São Paulo o apoio para sua concretização em nosso estado. O governo Serra repassou aos deputados a obrigação democrática de convocar a discussão sobre a comunicação em São Paulo, eximindo-se da responsabilidade enquanto poder público executivo e não garantindo a estrutura necessária para que a sociedade paulista tenha garantido o seu direito de participar dignamente da etapa preparatória em âmbito estadual”.

    No documento aprovado, Serra também é criticado por não privilegiar a participação popular na elaboração de políticas públicas: “Esta não é a primeira vez que o Governo de São Paulo desrespeita a participação da sociedade nas discussões de políticas públicas e nega apoio para a realização de conferências. O mesmo aconteceu nas conferências de Meio Ambiente e de Saúde. Têm sido comuns as dificuldades e o desrespeito por parte do Governo de São Paulo em relação à participação popular na definição de políticas públicas”, diz o texto.

    Os participantes da conferência paulista aprovaram também outras moções de repúdio, dirigidas à baixa qualidade da programação da tevê aberta, à forma discriminatória como são tratadas as mulheres pela grande mídia, à formação de cartéis e grandes conglomerados de mídia, à criminalização dos movimentos sociais, ao fim do diploma de jornalismo e ao fechamento de rádios comunitárias pela Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre outras. Também foram aprovadas moções de apoio à causa palestina, à difusão da cultura digital e à abertura dos arquivos da ditadura, entre outras.

    Acordo inédito
    Outro dado importante da conferência realizada em São Paulo foi o fechamento de uma chapa de consenso no setor empresarial, fato que ainda não havia acontecido em nenhuma outra etapa estadual da Conferência Nacional de Comunicação. Graças ao acordo, pequenos empresários da mídia alternativa levarão 20 delegados à Brasília: “Há uma enorme representatividade nesta chapa, que reflete a diversidade de opiniões que a conferência de São Paulo levará à conferência nacional”, afirma Renato Rovai, diretor da revista Fórum.

    Boicotado pelos grandes veículos reunidos na Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e na Associação Nacional de Jornais (ANJ), o processo da conferência de comunicação contou em São Paulo com importante colaboração da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), que reúne Bandeirantes e Rede TV, além de dezenas de representantes de empresas de telecomunicações como Oi, Claro e Vivo.

    “O acordo que foi feito aqui entre os pequenos empresários e duas empresas relativamente grandes como a Bandeirantes e a Rede TV - e as teles que são poderosíssimas - faz parte de um processo de mudanças em curso no Brasil. Eles foram obrigados a reconhecer a importância desse pequeno núcleo de empresários. O esqueleto da comunicação saiu do armário”, afirma o diretor-executivo da Carta Maior, Joaquim Ernesto Palhares.

    O processo de mudanças, segundo Palhares, ocorre em toda a América Latina e dificilmente será detido no Brasil: “Após a realização da conferência nacional, a comunicação no país passará a um outro patamar. A própria Rede Globo, assim como os jornalões, não serão mais os mesmos. A coisa começa a se movimentar no sentido de dar uma solução para a comunicação no Brasil e na América Latina. Isso provocará uma transformação na correlação de forças e fará com que determinadas mudanças que hoje são tidas como impossíveis pelas grandes empresas passem a ser aceitas”.

    “Conferência é crucial”

    Para o chefe da delegação da Abra, Walter Ceneviva, ignorar a Conferência Nacional de Comunicação, como fazem as outras entidades representativas da grande mídia, não é uma boa idéia: “A Abra entende que participar dessa conferência é crucial e determinante. A gente se organizou e se estruturou para fazer essa participação e contamos que nossos profissionais irão fazer um bom papel na conferência nacional”.

    Ceneviva se disse satisfeito com o resultado da conferência em São Paulo: “A importância maior da conferência estadual era estimular o debate no âmbito regional e eleger os delegados que irão à Brasília. Os dois objetivos foram atingidos porque houve muito debate e os delegados estão eleitos”, disse.

    O representante da Abra espera que o entendimento entre os empresários acontecido em São Paulo se repita em Brasília: “Nossa expectativa para a conferência nacional é aprofundar as discussões. A nossa esperança, mais do que o nosso prognóstico, é de que os debates sejam menos panfletários e mais concretos, de tal maneira que, ao contrário de outras conferências estaduais, ao invés de a gente simplesmente produzir propostas que não virem realidade, a gente seja capaz de desenhar o sonho de longo prazo e um plano concreto e efetivo para realizar esse sonho etapa por etapa”.

  • Carlos parabéns, querendo bater um papo entre me contato e me avise quando publicar novos artigos. Abraço

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