A discussão sobre o passado, o presente e o futuro da Lei Rouanet está na rua. Veio à tona depois de longo período de letargia total, quando as críticas ou a ausência de críticas adormeciam no mais fundo oceano. Vez em quando alguém acordava aí – é verdade – botando a cabeça pra fora, mas infelizmente para falar só, deserto no imenso vazio da superfície do mar. Sem conseqüências, sem eco, essas vozes se evaporavam para chover em lugar nenhum.
Agora, não. Agora a coisa pegou fogo e ardem nas chamas do debate as teses e análises mais antagônicas, oscilando sem trégua entre o céu e o calor do inferno, entre anjos e demônios, esquentando os tijolos, assando o assado, cozinhando o novo prato a ir à mesa… Se não faltar gás no fogão do Ministério da Cultura.
Por trás, a velha discussão sobre o modelo de desenvolvimento. Afinal de contas, onde andava mesmo essa discussão?
Vamos ao remember.
Qual era o debate no início dos anos 90? Tempos de domínio neoliberal no Brasil e na América Latina? Tempos de fim da história? Tempos de Estado Mínimo? O debate era qual o modelo de desenvolvimento que poderia tirar o país da crise inflacionária, do atoleiro da dívida externa, da submissão ao mercado financeiro internacional, da subserviência à cartilha do FMI, dos interesses privatistas. Não era essa a discussão?
E quem se opunha ao modelo neoliberal?
Ora, quem se opunha era a esquerda brasileira que tinha na vanguarda o PT de Lula, então candidato derrotado por Collor, PT esse que surgia para o Brasil como a grande esperança de redenção das massas populares, dos trabalhadores, dos pobres, dos fracos, oprimidos e excluídos.
Esse foi o período em que o PT passou a governar várias das principais capitais e muitas cidades importantes em todo o país. E nestas cidades estava em curso o incremento da participação do Estado – dos governos locais – no processo de desenvolvimento cultural.
Afinal de contas, os anos 80, a revolução nas comunicações, o incremento do tempo livre da era contemporânea e até mesmo a globalização deram ao setor cultural, no mundo inteiro, um novo e alentador espaço de crescimento e efervescência. Fato que repercutia no âmbito local com o crescimento da demanda por maior presença, participação e investimento do setor público.
É isso. Passou a existir maior cobrança geral pelo incremento de políticas públicas de cultura, embora esse conceito, à época, ainda não estivesse tão elaborado quanto parece estar hoje. Desejo social este que se traduziu na criação de secretarias de cultura, fundos de cultura, programas de descentralização da cultura e especialmente instrumentos de participação em várias das nossas cidades, particularmente naquelas governadas pelo PT, onde essa presença do Estado era convergente com os ideais de fortalecimento do mesmo, em oposição às pretensões neoconservadoras do liberalismo.
São testemunhas deste momento cidades como Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Belém do Pará, São Paulo entre várias outras do interior e nas regiões metropolitanas, especialmente no ABC paulista, onde o “jeito petista de governar” gerou novos instrumentos de gestão e participação do Estado no investimento cultural.
Esse é o mesmo período em que a Lei Federal de Incentivo oscilou entre a Lei Sarney, a crise do Governo Collor, o surgimento da solução Rouanet e a ascensão de FHC à Presidência e de Wefort ao Ministério da Cultura. Só que, desse lado do balcão, estavam então, os “neoliberais” com seu modelo importado de desenvolvimento, supostamente mais moderno, menos dogmático, com menor ou nenhum preconceito com o mercado, sem nenhuma ilusão de incremento dos investimentos diretos, ou seja, dos recursos orçamentários formais.
De um lado estavam os que desejavam que o Estado assumisse de vez sua importância e presença indispensável no processo de desenvolvimento cultural do país com mais orçamento e investimento diretos em cultural, com controle e participação pública, e, de outro, os que desejavam um modelo mais liberal, de associação entre os interesses de Estado e os interesses do mercado, de menor “intervencionismo estatal”.
Vinte anos já se passaram, FHC ficou oito anos até 2003, o PT chegou ao Governo Federal e já está lá há 5,5 anos, e, por incrível que pareca, seguimos girando em torno do velho debate sobre o modelo de desenvolvimento.
Não sou contra o velho e nem contra o debate. Aliás, acho que é esse mesmo o debate. O que acho espantoso é a ausência de propostas. Há 20 anos atrás elas foram mais claramente postas à mesa.
Talvez a ansiedade seja produto do período tenso que geralmente precede às grandes mudanças, às rupturas, a superação de paradigmas.
E a pergunta, afinal, é: e qual o modelo que seguimos até aqui? Fizemos certo ou errado? Foi bom ou ruim? E que modelo deveríamos ter seguido?
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Nossas escolhas já foram feitas há muito e, a toda hora, reiteramos a nossa posição. No livro "A Esperança Equilibrista" de Juarez Guimarães, no capítulo "Luiz Inácio e Luiz Gonzaga" ele observa que "a cultura do nosso país ja foi capaz de construir a casa comum dos brasileiros, isto é, o tempo e o lugar nos quais o sinal de pertencimento é mais forte que a distinção da raça, de classe, de renda, de status ou de gênero". Observação que está em consonância com Mário de Andrade em seu livro, "Ensaio sobre a música brasileira".
"Uma arte nacional não se faz com escolha discricionária de elementos, uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo."
Podemos também transferir valores de um texto poético escrito pela ministra Marina Silva que, logo no primeiro parágrafo nos traz uma excelente observação que podemos refletí-la sob o ponto de vista da cultura brasileira.
ATRÁS DA BORBOLETA AZUL
"Florestas não são apenas estatísticas. Nem apenas objeto de negociações, de disputa politica, de teses, de ambições, de pranto. Antes de mais nada, são florestas, um sistema de vida complexo e criativo. Tem cultura, espiritualidade, economia, infra-estrutura, povos, leis, ciência e tecnologia. E uma identidade tão forte que permanece como uma espécie de radar impregnado nas percepções, no olhar, nos sentimentos, por mais longe que se vá, por mais que se aprenda, conheça e admire as coisas do resto do mundo". (Marina Silva)
Hoje à noite tem pagode no copo sujo, estarão lá entre mil e mil e quinhentas pessoas. O buraco quente caminha entre o samba, no coro na voz e no pé, no torresmo e na pinga, na cerveja e na sardinha, no pernil e no dreer, e na dose sangue-bom, o campari. Todos suados, apesar do frio. O mesmo se dará amanhã e domingo. Estarão presentes, Cartola, Nelson Cavaquinho, Mano Elói, Zé Quete, Zeca Pagodinho, Noel, Geraldo Pereira, Wilson Batista, Jovelina, das oito às oito, detalhe, sem parar. Os músicos vão se revesando espontaneamente nos tantãs, banjos, cavacos. A idade vai de oito a oitenta. A cor predominante é a brasileira. Uma festa que acumula em média seis mil pessoas todos os fins de semana no pé do morro, mas não está em nenhuma estatística nem de cultura e sequer de mercado. Falta-nos um pouco mais de sutileza em nossos olhares, um pouco mais de auto-crítica na nossa interinável mania de começar algo que há muito está em andamento.
Vitor.
compartilho em grande medida da tua leitura sobre a evolução dos mecanismos de fomento à cultura, inclusivve por que, de todos os artigos postados aqui nesse blog, o teu é o que mais evidencia que essa evolução ocorreu segundo uma lógica de disputa política, disputa de visão de Estado.
a história do fomento à cultura no Brasil é um história de luta política encarniçada entre grupos que nem são tão opostos quanto pensam ser, muito mais isso do que um debate de ordem técnica sobre qual seja o melhor modelo de financiamento.
e à história não se pergunta se ela está certa ou errada.
mais para frente valeria a pena aprofundar a experiência dos municípios que, em muitos casos, é bem mais rica do que a do governo federal ou de governos estaduais em geral. o que está acontecendo hoje em Recife, Olinda e Fortaleza é exemplar.
espero de você um tratamento que aponte numa perspectiva mais sistêmica do fomento, considerando inclusive as disputas políticas em tordo dessa perspectiva, mas por equanto fica aqui meu abração.
Caro Vitor:
acho excelente sua proposta. Mas, você não acha que antes de pensar em discutir uma proposta geral para cultura e desenvolvimento do país, tinhamos que começar discutindo coisas mais simples. Por exemplo: vivo ouvindo que não sei quantos por cento dos municípios brasileiros não tem salas de cinema e por isso o cinema brasileiro não chega ao público. Você acha que isso é realmente toda a verdade? Ou será a penas parte da verdade? Ora, convenhamos - quem ainda vai ver cinema em salas de cinema? No mundo inteiro, a venda de entradas para cinema está despencando vertiginosamente. Nos Estados Unidos, segundo o Nestor Canclini, vende-se mais DVDs do que entradas para cinema. A Motion Pictures Association informou no final de 2006 que apenas 16% de seus rendimentos mundiais provêm dos cinemas; o resto é gerado pelos direitos televisisvos, DVDs e videocassetes. Então um dirigente cultural esforçado, coitado, que resolva criar salas de cinema em todas as cidades, vai estar torrando o dinheiro público em vão, porque a existência da sala não basta para criar o público. Os públicos -sejam eles de teatro, de cinema em salas, de leitores etc, não nascem, mas se formam (segundo ainda Canclini) de modo muito diverso. O que leva indivíduos da mesma família, que frequentaram a mesma escola, terem hábitos culturais completamente diferentes, ainda é um mistério para o nosso universo de pesquisa, taõ pobrinho, porque aqui no Brasil, todo mundo gosta de pontificar. Construir teorias, é conosco mesmo. Cada uma tem a sua. Agora, pesquisa, análise de dados, problematização de constatações, ninguém faz. Todo mundo tem que ter uma tremenda solução para o país. Por que não começar modestamente?
Querido Vitor,
Antes de falar de Shakespeare, iniciarei por uma citação de Victor Hugo em "Os miseraveis".
“Chega sempre a hora em que não basta protestar; após a filosofia, a ação é indispensavel”.
É classica a frase dita por Polônio, se referindo a Ofélia, antes do encontro vigiado com Hamlet: “Com um rosto devoto e alguns gestos beatos, açucaramos até o demônio”. Essa idéia poloniana ronda a tua ação frente a Cultura do nosso pais quando ocupou os cargos no governo Municipal em Porto Alegre e o Federal na Funarte. Ah, diram alguns, isso é coisa para eruditos. Contudo há hoje na Gestão da Cultura do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre e no Brasil, uma certa “miserabilidade” que, claro, não tem a ver apenas com a condição financeira. Essa pobreza advém da redução de práticas profissionais na gestão das Secretarias de Cultural, no qual situo a tua gestão como o Declinio da Cultura Porto-alegrense.
O Ex-secretário propõe discusão? De novo? Mais uma vez quer “sugerir? Hora Vitor a tua trajetoria frente a esses cargos que ocupou desvelam certas idéias que edificam e que podem ser traduzidas para novas ambiências que procuram so o discurso, a fala e o fingimento. Como Polônio, um homem fraco, que vê na possibilidade da crise, conquistar um espaço. No caso de Pôlonio, um espaço na corte que nunca teve, no seu, um espaço que teve e que perdeu por ficar do lado da CULTURA DA POLITICA e não de uma POLITICA DE CULTURA.
A tua ação de ingerencia na Câmara Setorial, mais especificamente do Circo aqui de Porto Alegre, colocau-a em risco de banalização e de digestão irrefletida. A tua omissão frente a escolha da 1° relatora do Prêmio Myriam Muniz, para a região sul, não contribui para que a ação da Funarte, na quela época, adquirise clareza de principios, coêrencia de objetivos e excelência de resultados que deveriam marcar as grandes decisões do Prêmio Cultural.
As tua gestões como um militante politico que ocupou cargos publicos na area da cultura, não encontrou novos principios de raciocinio que abrisem caminhos inovadores e revelasem soluções eficazes para o futuro das artes na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil. Os problemas que existem na Gestão Cultural não podem ser resolvidos a partir dos modos de raciocínio que deram origem aos mesmos. Nesse contexto a sua gestão mostrou-se incapaz de contribuir com a riqueza do pensamento humano sintetizando pelos grandes artistas que compõe a história da nossa cidade de Porto Alegre, do nosso Estado do Rio Grande do Sul e do nosso Brasil.
Carecemos de mais fundamentos que inspirem nossa vida cultural e nos distanciem do amargo sabor da monotonia repetitiva dos teus discursos. Por isso, cabe bem, romper com o conforto dessa miserabilização de não te dar uma resposta.
Querido Vitor a Cultura, tratada de forma honesta e atraente, pode nos encantar e, desse modo, fazer com que as nossas reflexões sejam robustecidas, o nosso repertório engrandecido e a nossa sensibilidade mais afiada.
Alexandre Vargas, ator.
Para ser direto, Vitor:
O Brasil precisa de um outro modelo de desenvolvimento cultural, que não esse aí dominado pela especulação financeira e de mercado dos de cima e de sempre.
A Política Gil foi derrotada pelas agências de interesse em reprodução da exploração social também no mercado da cultura.
Os seus formuladores, gestores, defensores e articuladores ou foram para casa ou estão contando as horas para entregar as chaves, porque não fazem publicamente nada que seja digno do nome de, ao menos, um processo. Protengem-se nos tachos.
Já vimos esse filme em Porto Alegre.
Quem criticar entrega a cabeça ou entregue o cargo antes para criticar.
O responsável coletivo pela crítica desapareceu.
Um partido que não tem estratégia pública (que a recebe com o financiamento) não terá programa público, não envolverá a sociedade, sequer sua parcela de representação.
O ministro brilha. É uma estrela maior que o cargo, embora não seja maior que qualquer artista brasileiro sem chance do proscênio, e nem penso que queira ser maior que alguma outra pessoa.
Mas brilha arretado o ministro.
Um barco à deriva, rio à baixo não é um barco à deriva, é uma nau de insensatos com dire~ção certa para o desastre, que a cachoeira está proxima e não da pé nas sete quedas até chegar a um dos sete mares, porque a IV Frota vem chegando e isso nem é assunto de cultura, dizem, porque a primeira dama do nosso cinema e teatro acha que se deve entregar os negócios pros sócios majoritários já: "como fizeram com o México", diz sobre o Brasil Central a estrela da Central do Brasil. que horror!
Os salva-vidas já foram distribuídos, eu não pegeui qualquer e os botes não são pra toda as classes.
Não é apenas na cultura que não há um programa conseqüente. Há diversos programas de outros em desenvolvimento noutras esferas, só não há nelas um programa único de artistas, intelectuais e produtores brasileiros que precisem de programa, os milhões dos de baixo, porque para os de cima, o surrado farinha (ou farias?) pouca meu pirão primeiro, é de bom tamanho.
A Rede Globo fez de novo todos de bobo, e venceu mais uma partida desse interminável campeonato iniciado na década de '60 em que escala o time, governa a federação, o quadro de juízes e refaz as regras porque cuida do território certo da mudança: a cabeça do brasileiro, medicada com placebos pelos astros e atrizes globais: haja doriador, dordeamor, calmacalmasô, adordoador... à espera do próximo carnaval.
Convenhamos que a figura forte de Gil começou a enfraquecer-se quando assumiu e a disputa se instituiu na base mesma do mandato dele.
Os que tu chamaste pelo nome que se apresentem: esqueceste ainda alguns, que continuam lá, em moitas ou de acordo com o que se passa, ou são "espiões de um outro projeto que farão para o quarto milênio" porque estratégia é palavra que nunca pronunciaram, que só pensam em transição imediata, muita vez do nada para lugar algum, porque a vida é breve.
Vai ver o Barça e o Real Madrid não liberaram o time dos sonhos.
Então, de acordo: está nítido que não existe projeto para a cultura brasileira.
Algum amigo do presidente deverá assumir a direção objetiva das coisas, porque, sabe-se há muito, não existe copo vazio.
Adroaldo Bauer Spíndola Corrêa,
escritor, poeta e jornalista.
Porto Alegre
Caros,
Agradeço todas as manifestações. Até mesmo as duras, como a do Alexandre (tudo bem Alexandre, imagine se vou ficar chateado com a tua opinião, em primeiro lugar é um direito seu). Mas gostaria de dizer-lhes que o nosso papel aqui é o de contribuir com o debate. E gostaria de fazê-lo nessa perspectiva: na perspectiva da proposição de um modelo de desenvolvimento cultural para o Brasil. Certamente isso não pode vir da cabeça de uma ou de poucas pessoas. Isso só poderá se dar num processo, cuja complexidade e dimensão imagino bastante profundas.
Estou preparando aqui um novo post, mas aproveito para agradecer a participação e interesse.
Abs