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O discurso de Manevy e o retrocesso do novo MinC

Poderia empregar o termo “Consciência do que é Povo” para definir, em síntese, o que foi exteriorizado pela grandeza do discurso do ex-secretário executivo do Ministério da Cultura, Alfredo Manevy, na II Conferência Nacional de Cultura.

É muito comum confundir o destino da cultura brasileira, sobretudo a sua grandeza social quando passam despercebidos os caminhos delineados pela nossa identidade racial. Portanto, nesse ambiente aonde a pseudociência ganha cada vez mais as tribunas institucionais de cultura, ver um secretário executivo defender a importância da aproximação do Estado com o cidadão, é algo extraordinário. Manevy rompe com a estética psicológica, letárgica que não provoca uma única centelha de sensação e defende o que tem valor nacional para o nosso Estado. Isso é muito, é determinar e normatizar com firmeza e rapidez objetivos de políticas de Estado de um Ministério como é o da Cultura. Aproveitar todos aqueles elementos sugeridos na II Conferência para as novas ações e impor uma reflexão objetiva, direto na veia, no coração da nossa cultura é necessariamente ter um brasileiro integral dentro de si.

No discurso de Manevy existia um brasileiro com uma porcentagem mais forte de sangue guarani e negro como uma inspiração para se basear uma nova documentação brasileira que ali nascia. Agora, quando verificamos que a SID (Secretaria da Identidade e Diversidade) foi decapitada e teve os restos mortais incorporados à SCC (Secretaria da Cidadania Cultural), podemos e devemos dizer que foi feita uma deformação para ser intitulada de adaptação.

Sinceramente, neste momento em que leio a nova composição estrutural do MinC, sinto gemendo dentro de mim uma legítima repulsa. Isso é uma atitude gelatinenta que, misericordiosamente manifesta ou ignorância ou antipatia com o Brasil que conhecemos e que passamos a conhecer ainda mais com a enorme contribuição que a Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural (SID) nos trouxe. Isso de acabar com a SID, é soterrar a alma brasileira, não há outra sensação que caracterize o meu sentimento neste momento.

Vamos viver de quê? Da curiosidade exótica? Dos atrativos pitorescos? Do exclusivismo unilateral das classes dominantes? É aí que queremos chegar? Ao mesmo tempo imediatamente vemos chegar o conceito da indústria criativa, sei lá o que é isso, para a formação permanente de um mercado cultural.

Em mim, confesso que isso se resume em uma curiosidade besta de ver um ministério virar uma instituição anti-nacional para se alimentar das formalizações que a mundialização cultural está nos oferecendo.

Como disse Mário de Andrade… “Isso é ser brasileiro como turco ou francês”. É tangenciar, é romper com a nossa porcentagem mais forte tão necessária à nossa brasilidade para viver dessa variedade livre que a globalização cultural está nos oferecendo. Positivamente entraremos oficialmente numa doutrina de dinâmica falsa, fora do compasso determinado por nossas características tão acentuadas para nos jogarmos numa concorrência universal sem ritmo próprio, sem um discurso que não seja o conservador trazido de forma recorrente e, agora, sublinhado da velha civilização européia.

Vamos obrigatoriamente abandonar todo o nosso remelexo corporal tão marcante em nossas livres manifestações para carregar um gesso específico e aleijar os nossos movimentos.

Pelo que li e entendi, o escrete de Ana de Hollanda vai jogar na retranca de forma burocrática seguindo todas as metáforas das convenções internacionais. O que falsifica naturalmente a nossa identidade como cultura soberana. Mas incrivelmente os erros do Ministério de Gil e Juca em criar uma king box para o audiovisual e fazer ouvidos mocos para a música brasileira são repetidos.

Sem dúvida, confirmam-se as expectativas de que o novo MinC cora a pílula da gestão corporativa de cultura com o belo nome de Secretaria da Economia Criativa rumo à indústria cultural. Isso, de antemão, acentua misteriosamente o estado-de-alma dos sabidos e de toda a nossa erudição falsificadora.

Carlos Henrique Machado Freitas

Bandolinista, compositor e pesquisador.

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  • O fato da ministra ter uma posição mais conservadora em relação aos direitos autorais causa um certo estranhamento, considerando a política geral do governo do qual ela ela faz parte. Mas não é o maior problema. No que diz respeito as tais licenças "creative commons" (CC), o assunto é polêmico mesmo. É compreensível que artistas profissionais torçam o nariz pra isso, já que tais licenças podem afetar diretamente o ganha-pão deles. Alguns temem a concorrência que um repertório de livre acesso poderia criar, rebaixando o valor da criação desses profissionais. Mas é difícil sustentar essa tese. Até porque ninguém é obrigado a aderir a essas licenças. Por outro lado, elas podem ser muito úteis para a divulgação de artistas iniciantes ou das culturas populares. Chega a ser um tanto cômico a "teoria da conspiração" difundida, de que as licenças CC fazem parte de um “projeto de grandes corporações multinacionais” pra acabar com o direito autoral. Não dá pra levar isso a sério. Mas essa é uma polêmica menor. O que assusta realmente é a propalada intenção da Ana de Hollanda de entregar o comando da política de direito autoral para um serviçal do ECAD ou alguém indicado por seus defensores. Esse escritório é controlado por associações extremamente corporativistas. Seus dirigentes só olham pros seus próprios interesses, pro seu próprio nariz, não tem a menor compreensão da dimensão PÚBLICA das políticas culturais. Querem subjugar toda a sociedade aos seus interesses corporativos (que são legítimos, mas não são os únicos). Olhando as declarações que deram pra imprensa nos últimos meses, dá pra aterrorizar! Um deles (da ABRAMUS) criou um tal de CNCDA e chegou a pedir a extinção do MINC! Um outro (da UBC) defendeu a adesão a um tratado proposto pelos EUA que fere os direitos civis dos cidadãos (o ACTA). E tem mais um que é até engraçado (da AMAR) pois faz discurso de esquerda revolucionária porém de conteúdo conservador: ele acusou o programa dos "pontos de cultura" de "glamurizar a cultura intelectual e economicamente pauperizada “dos campinhos de várzea” e das periferias" (sic). Nada mais revelador do preconceito elitista de um corporativismo sem medida. Se são esses os conselheiros da ministra para o assunto, o cenário é mais que preocupante...

  • JC Lobo

    Já vi que é dos meus. Eu também acho que, de todos o maior absurdo do ECAD é a patrulha, os urutus que estão privatizando o espaço público com as suas cobranças. Criei o nome de um bloco aqui em Volta Redonda em homenagem aos milhares de desempregados da privatização da CSN, o nome, "Os Filhos da Privada". Acho que vou franquear esse nome aos blocos de rua do Rio, assim ganho um qualquer e todo mundo passa a ter direito até em piada contada em buteco.

    Tenho dito inúmeras vezes que o ECAD, essa máfia, ainda vai calar os sons do Brasil. Ou se acaba com o ECAD ou ele acaba com a cultura brasileira.

    Sergio Amadeu escreveu um belo artigo, entre tantos outros durante esta semana, repudiando as ações de Ana de Hollanda, numa nada disfarçada proteção ao ECAD, usando como pano de fundo a patriotada hipócrita contra o CC. Isso foi desmascarado não só por muitos blogueiros que apoiaram Dilma, mas também por muitos comentaristas. Aqui abaixo pincei um comentário que mata a questão com um tiro na testa de todo esse jogo de interesses que está por trás do integralismo repentino da nossa esquerda empresarial dentro da cultura.

    João Filho
    Comentário:
    'Quem controla o ECAD? Bem, duas associações detém 80% dos votos - a ABRAMUS e a UBC. A primeira tem 8 diretores, sendo que 4 são representantes de editoras e gravadores multinacionais. Na outra, são 7 diretores, dos quais cinco são donos de editoras musicais, que fazem contratos leoninos de cessão total de direitos para os artistas. Precisa dizer mais?'

    sss://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17322

  • E tem mais um que é até engraçado (da AMAR) pois faz discurso de esquerda revolucionária porém de conteúdo conservador: ele acusou o programa dos “pontos de cultura” de “glamurizar a cultura intelectual e economicamente pauperizada “dos campinhos de várzea” e das periferias” (sic). Nada mais revelador do preconceito elitista de um corporativismo sem medida. Se são esses os conselheiros da ministra para o assunto, o cenário é mais que preocupante… (JC Lobo)

    Este tipo de Anjo conheço bem, debaixo dos caracois dos querubins ja dizia vovó,existem titãs com varios poemas de gregos. Mas como são divindades antigas........

  • Pelo que vemos há uma pedra no caminho. Talvez a mesma e histórica, que sempre esteve ali. Carlos Henrique, você disse que "existia ali um brasileiro com forte percentagem de sangue guarani e negro", sim, é isso. É mesmo digno de nota e precisamos louvar os bons momentos,para que se repitam e a gente acabe chegando ao entendimento do que isso significa, seu conteúdo e valores. Quem sabe,nos conhecendo melhor somos instados a banir o espírito senhorial que ainda vigora em nosso peito juvenil? Assim, num futuro não muito distante podemos cair numa democracia e entender que a melhor gestão para a cultura é limpar a rua e sair da frente.

  • Este é o pensamento vivo que corre dentro da sociedade Vicente,mas parece que Ana de Holanda,mas parece que Ana a artista está ilustrando a cadeira de Ministra com as cores dos grandes grupos economicos.

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