A cultura brasileira, dentro do cosmo humano, reflete a vitalidade dessacralizada, onde a manifestação de caráter espontâneo tem seus códigos e linguagens a partir de seus saberes e fazeres. Fora da esfera institucional, o Brasil mantém a consciência da vida em comunidade, cria novos e refinados modos de sentido artístico, amplia seus próprios horizontes com as realidades do espectro contemporâneo.
Há, no entanto, um choque que se revela na crise entre agentes da tirania institucional que adquiriram excessiva dependência da litúrgica ocidentalização e o sentimento da memória afetiva que estrutura o corpo social das manifestações espontâneas do povo brasileiro, povo este que tem seus próprios valores e verdades.
Imaginemos um castelo de areia repleto de medidas de presunção: é este o retrato do ímpeto publicitário que a indústria cultural ganhou nestes anos, principalmente com a chegada das leis de incentivos à cultura, justamente pela crença em certo tipo de moral artística de desfiliação da ética, um elegante gerenciamento de negócios.
A drenagem desse sistema cultural-financeiro intercambiou entre agentes de um mesmo modelo ideológico, uma senha que fez, principalmente da jóia da coroa (Lei Rouanet), o manifesto de uma nova ordem, a destruição do conceito de coletividade no universo criativo da arte nacional.
Segundo os agentes de certo marco zero, seriam eles os “capacitados” a prover políticas inéditas voltadas à indústria cultural. Portanto, potencializar a “subdesenvolvida” economia criativa era só uma questão de investimento, pois eles tinham nas mãos a perfeição técnico-científica para tal empreitada “transformadora”.
Abertas as perspectivas, o lançamento simbólico anunciou a frutificação, em tempo recorde, a partir do investimento público. A panacéia, da aculturação mercadológica via departamentos publicitários idealizava um grande aporte para consumo interno correspondente à atração desenvolvimentista alardeada por uma espécie de síndrome de clarividência mecânica.
Foi então generalizada uma devoção filosófica com sutilezas totalitárias, uma teologia de doutores nascidos da explosiva mistura público/privada dentro das “novas instituições brasileiras de cultura” a intra ou extra-acadêmica cultura teleguiada pelo novíssimo segmento do marketing cultural. Um verdadeiro desastre para a cultura nacional.
Essa visão cronificada de país, agora sob a absoluta tutela do mercado publicitário, demanda forças sobrenaturais para um remodelamento desta natureza, um discurso caricatural para um povo historicamente de resistência cultural. Não poderia ter outro resultado, foram-se os dedos e os anéis, todos para o ralo.
Este frio que nada diz, que nada anima, nem mesmo um sopro de um vago fulgor de concepção artística é extraído deste universo de leões lógica capitalista foi Bancado pelo poder público via restituição, e o desperdício de recursos, garantiu a esses grupos a manutenção confortável de ganhos. E ainda tivemos que assistir a uma cascata de impostos irem literalmente por água abaixo.
Classificar isso como mercado cultural ou economia criativa é de um quimerismo que inculta qualquer raciocínio desenvolvimentista. Uma roupa da moda que desfilou para todos os flashes das melhores revistas do ramo é um encalhe, é um engodo macro ou micro econômico.
As sensações teóricas vindas com este vento multiplicador anunciado como histórico, decorou uma vanguarda mediúnica. Os tais estruturalistas desse eldorado, agora desenganado, credenciaram-se de retóricas criticas ao modelo de cultura do Estado.
E o que fizeram estes críticos com a rapadura nas mãos? Exercitaram com eloqüência a fantasia. Plasmaram um ovóide merco-cultural, traduziram o esgotamento da classe artística com o modelo de cultura pública com fadigas e espasmos de políticas privadas. Condicionaram, de forma imperativa, o capital como valor artístico, brutalizaram o ambiente artístico e jamais assumiram qualquer responsabilidade pelo fracasso de seus discursos. Opuseram-se à coletividade, interpretaram as leis dentro de seus minúsculos universos, ergueram muros e cercas eletrificadas e tripudiaram a ética. Tentaram jogar a sociedade num labirinto temático, aboliram o neoliberalismo de qualquer responsabilidade com o humano ou o artístico. Surraram o contraditório, instituíram a lei do cão e, finalmente, ovacionaram a manipulação estatística.
À luz de critérios republicanos as instituições nascidas deste ventre de projeção encomendada, nenhum dos mandamentos mínimos para um colegial sistema de produção compartilhada merece ser olhado com seriedade, seja o pavão paulistano da excepcionalidade desenvolvimentista ou o figurino do convencionalismo cultural carioca. Qual nada! As frituras bíblicas de seus manuais de humanismos tripudiaram as próprias lógicas do gênio.
As contraposições deste ambiente de paisagem antinatural se armaram das piores práticas numa fuga de charadas conceituais jogadas na mesa como modelo futurista. Os músculos faciais deste ambiente nos caricaturaram e se mantiveram imóveis diante das distorções por eles provocados.
Nem as crônicas mais severas intimidaram o avanço da pirotecnia do marketing cultural. A arquitetura do produto vindo dessa teia de interesses foi rabiscada dentro dos mosteiros incuráveis da mesquinhez corporativa.
O estabelecimento do gozo de posse grifou, com letras garrafais, o assentamento particular em espaços públicos para poderosos grupos.
Que trabalho diferenciado há nisso? Quais são as virtudes de uma lógica dantesca como essa? Isso é o que sai da cabeça dos sábios da nossa economia criativa. O mercado previsto por este modelo, nos deu a fragmentação, e o insulto à criatividade.
O aborigenismo antropofágico do triunfal mercado cultural reproduziu em rede a filiação dos iguais de sangue e berço. Denunciaram a escolha doméstica e se atiraram na manjada produção de constrangimentos nacionais para seguirem livres na expansão universalista e garantirem a esquizofrenia inaugural de singular pastiche.
Não há nisso outra coisa que não seja uma chocadeira de canastrões, chefes de área, repúdio ao homem brasileiro, seleção sistematizada, precariedade intelectual, servidão capitalista, coreografia de ficcionistas e orientação predatória.
O que de fato temos com este “modelo de fomento”? Desprezo pela arte e ambição sem limite. Uma fábrica de diretrizes apaixonadamente carreiristas com informações políticas de divisão de cargos, orgulho de dotação virtuosística, fixação pelo sentido de acúmulo, de domínio, de retaguarda de fundilhos inspirada na improdutiva civilização elitista. Um amontoado de mentiras.
A insuficiência destes tais provedores da economia cultural nos jogou na subservidão artística, nos colocou na precariedade moral, mendigando o nosso próprio direito.
O repertório redigido no sumário de auto-elogio desses agentes ilustres cabe somente dentro do espetáculo dramático das leis de incentivo. O tal mercado cultural, fora desta redoma oportunista, se derrete e o instrumento de transformação social, não se agüenta em cima de suas próprias miragens.
Esta forma de mercado cultural desconhecida por agentes estrangeiros deve fazer de tal modelo uma espécie de atração turística. Não há duvidas de que, em função da Lei Rouanet, o Brasil tem uma magnífica e inédita filosofia neoliberal de cultura. Nem os papas do expansionismo internacional seriam capazes de tal façanha.
O instrumento de desenvolvimento encontrado por este festival de caridades públicas ao setor privado, dá aos nossos idealizadores culturais o prêmio de gênios mundiais da economia neoliberal.
O desenvolvimento social vindo deste modelo de gestão está aquém do nulo, ele é deficitário, irresponsável, pactuado e em sintonia fina com os mais retrógrados setores e sistemas globais de desenvolvimento humano. Instituir o progresso cultural ou mesmo um mercado com um modelo desses, é operar contra um país inteiro.
Esse insaciável individualismo produziu uma monstruosa rede de domínio. A ganância originária da “inocente interatividade empresarial” acumulou riquezas e ganhos extraordinários no campo político-corporativo. O interesse coletivo sofreu neste meio uma destruição conceitual. Expandir, expandir, é esse o modelo da goma burocrático/privada a qual chamam de economia criativa via leis de incentivo. Um fiasco econômico e cultural.
Uma retumbante marcha a ré nas relações interpessoais, no respeito a democracia e a diversidade de idéias e expressões.
Sejamos sinceros e transparentes. O catálogo enciclopédico da exaustiva retórica de modernização cultural nos brindou com atores de uma dinâmica estática, verdadeiros touros sentados que cristalizaram a tendência fundamentalista vinda dos dogmas corporativos que historicamente se valeram de suas relações com o Estado para potencializar seus ganhos privados.
A nova racionalidade já usada pela velha oligarquia retratou, de forma fidedigna, uma mecanização incompleta, a vocação ao fracasso científico e a financeirização da agenda cultural brasileira.
Foram também Retratadas as novas desigualdades territoriais, num regionalismo sórdido.
A cidade de São Paulo, neste período de leis de incentivo e de mercado cultural, se manteve como o principal pólo na hierarquia de empresas captadoras, o que não significou ganho de qualidade intelectual à população, como estabelece a crendice científica sugerida, inclusive, pelo seu secretário de cultura do estado de São Paulo, não por acaso, o economista João Sayad.
Enquanto a capital ostenta um milionário investimento público em um único projeto claramente político eleitoral como é o caso da OSESP se dizendo prestadora de um serviço ao desenvolvimento intelectual ao povo de São Paulo a educação publica do mesmo estado é apontada pelas estatísticas com uma das piores na avaliação nacional.
Não há nesta colocação uma crítica somente a São Paulo, mas também ao tipo de pedagogia cultural adotado, um mote transferidor de glórias e elevação intelectual oriundas de produtos publicitários embalados como pai dos burros e de salvação nacional. Conjugar esse balaio de elementos, cultura, educação, mercado, inclusão social etc., é o clímax do proselitismo do cobiçado segmento que ainda não nasceu.
Anunciado como “óleo de cobra” em praça pública, o banquete civilizatório deu bolor. Incumbido da nova missão cientifica o novo milagre econômico brasileiro operou na contramão dos princípios econômicos mais rudimentares. A moeda nova não tem lastro, solidez e, muito menos liquidez, nada que transmita confiabilidade. É uma moeda sem povo e, consequentemente sem legitimidade, por isso só opera no vermelho.
A nova teoria deste “Simão Bacamarte” colocou toda a sociedade nas novíssimas “Casas Verdes” da (Para-Cultura institucional), institutos e fundações culturais. A missão cultural do acumulador de riquezas instrumentalizou a estupidez da política miúda. A dimensão da economia cidadã proposta por este feudo de articulistas do ganho fácil valorizou tão somente a diversidade de seus negócios.
É provável que encontremos nessas farpas privadas álbuns parcos projetos de sentimento coletivo. Também é possível operar de maneira pessoal algum milagre dentro de um ambiente carregado de interesses, muito mais por méritos individuais que coletivos, pois a formatação sugerida pelas práticas e pactos de “grupos secretos” sintetiza a irresponsabilidade de todo um sistema privado de operacionalização voltada a exclusividade de vultosos ganhos em nome do desenvolvimento do mercado de cultura nacional que já nasceu falido.
A poderosa ladainha estrutural e o messianismo dos especialistas em pupressão.
O pacifismo belicoso de parte considerável de profissionais da arte no Brasil nutre o ambiente de criadagem gerencial. É verdade que há uma cômoda eternidade da meiguice sistêmica, mas também há um indecoroso crisol depurador, patenteado pela arrogância patronal, a mesma que sai da vitela do boi da corte.
Os soberbos espetáculos de produtos perecíveis que, depois de embalados, têm duração máxima de um final de semana nos novos espaços culturais, adormeceram a principal ferramenta do artista, a liberdade crítica, o pensamento profundo, o sentimento propositivo. O avanço foi de tal monta desta engrenagem gerenciadora de sentimentos que a supressão das liberdades criativas foi só o tiro de misericórdia no universo crítico do ambiente artístico brasileiro, pois há muito os novos donos do poder artístico exibiram seus músculos anabolizados pela grana pública para os dissidentes e também para o delírio dos fãs do narciso empresarial.
Os patriarcas da classe superior aboliram as bóias salva-vidas os botes as saídas de emergência. A clausura imposta pelos agentes do bom servir calou os mínimos rumores de descontentamento com vilipendiadoras práticas de domínio territorial na arte brasileira.
A cultura nacional foi trancafiada no curral de engorda. Tudo neste bosque dos perdidos cheira a golpe. Nada é céu azul. Vinde a mim os ingênuos úteis da satisfação servil!
Aos irrestritos carregadores de piano de calda.
Aos clorofilados que podem e devem sorrir para monarquia mercadológica.
Aos que sublinham os elogios ao pântano que atola as liberdades.
Aos crentes da conveniência carreirista.
Aos que não têm cara e importam uma.
Cabem todos na nata da economia criativa dos tempos gordos, dos templos político-empresariais que transformam pó em ouro bastando para tanto somente a leitura dinâmica do “Maior Vendedor do Mundo” e uns bons contatos, é lógico, porque ninguém é de ferro.
A sesmaria cultural tem premiação própria, sua visão de proporção tem formas inusitadas.
O ensaísta da tirania dos mundos encantados propôs um olhar sem visão para que ninguém se aprofundasse num estudo técnico deste triângulo das bermudas. Tudo nasceu e permaneceu no estagio experimental, é claro, dando lucro durante dezoito anos a seus agentes inspirados no famoso letreiro do galego do copo sujo. “Fiado só amanhã”. A eternidade dos ganhos públicos virou um carrossel que qualquer vovó quer dar para os netinhos.
Esse mercadinho de meia pataca, essa venda nova que nem sabe vender fumo de rolo, desfila em carro aberto esperando o aplauso dos súditos da corte privada do barão de Itararé. Essa piada que serve apenas para lubrificar o ego de grandes empresários, não sabe da missa metade.
Há uma legião de artistas vivendo na mais profunda precariedade, enquanto assistem a uma fila de oradores da cultura público/privada se fartando dos sofismas. Uma velha maldade com o povo brasileiro carregada de honrarias e um Apolo com asa de ganso. A nova aurora do mundo prometido por manipuladores da esperança alheia, é veneno na veia da cultura brasileira colocado com a sutileza hábil dos batedores de carteira.
Sem o cabresto dos donos da bola, a cultura cria seus caminhos, mesmo rudes e aparentemente tortos, mas cria. Isso que anda pelos quatro cantos a se auto-proclamar de economia criativa é o sistema manco extraído do amarrotado paletó/pijama que dorme o sono dos justos há mais de duzentos anos neste país. Os neo-bonachões de bochecha rosada e suas periódicas idéias de cultura, enterraram a cartola até o pescoço depois de se lambuzarem das polpudas contas e depois, hibernaram.
Vivemos uma das mais agudas crises na cultura brasileira. Há um amontoado de superlativos encalhados nas prateleiras do armazém dos produtores mecânicos que nasceram no bojo da Lei Rouanet e Cia. Não se tem noticia de quanto desperdiço essa fartura pública demandou com o apelo corporativo do setor privado de cultura. É algo incalculável, porém é com certeza a imagem do paralelismo que viveu este ambiente que já tinha uma enorme demanda represada por anos de total abandono com a arte e com artistas brasileiros e que acentuou com a panacéia produtora de mais encalhe cultural via lei rouanet.
Alguma boa lição tem que ser tirada desse ambiente de mazelas ecléticas. O descompasso vigorado pela campanha publicitária em torno da cultura de marketing tem que sair da era do rei e buscar algo próximo das nossas realidades.
Continuar perambulando pelos bastidores do gordo poder privado é tudo o que a cultura brasileira não precisa. Um erro induzido é uma das mais dramáticas páginas da história da cultura brasileira. Esta ferida aberta levará anos para cicatrizar.
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A sua proposta é que a cultura seja sempre ditada pelo Estado? Estamos vivendo uma transição, meu caro, é melhor buscar o meio termo num futuro próximo do que demonizar o capital privado na cultura.
Não sou a favor da cultura ser transmitida unicamente pela iniciativa privada, mas é só fazer um breve balanço dos últimos 20 anos e ver que as inúmeras linguagens culturais (independente da qualidade) chegaram a pessoas que nem passavam perto dela (realizadores e espectadores).
Apresentar soluções a partir da realidade atual, não só criticar!
Carlos, isso é chover no molhado. Todos sabemos os efeitos públicos das políticas privadas. Mas o lugar da cultura na estratégia de longo prazo do país está equivocado. Não saímos daquele lugarzinho periférico do assistencialismo e da celebração do bom selvagem. Precisamo evoluir, colocar nossas potencialidades socioeconômicas, que estão aí, são latentes, pra fora. Precisamos saber o que fazer com isso que está aí e é real. Ou então vamos ficar a vida inteira nos lamentando por não ter dinheiro, não ter um ministro à altura da riqueza cultural brasileira etc etc. Abs, LB
Carlos,vc é um incuravel e adoravel sonhador.
Abs, Samara-BM
capital privado na cultura?
Qual Mauricio?
sei que isso é chover no campo molhado Leonardo mas..
é só uma defesa de reflexo!
o ataque do outro time está chuverando na pequena area neste final de jogo.abs
Espectacular artículo! Muy bueno este espacio de “Cultura e mercado” en donde se pueden encontrar notas tan buenas y frontales como esta. Felicitaciones desde Argentina.