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O fim do quê?

*Reportagem publicada originalmente em 11 de setembro de 2015

Notícia publicada na última semana pelo jornal O Globo deu informação de que um estudo apresentado à presidente Dilma Rousseff pelo Ministério do Planejamento sugeriu o corte de 15 ministérios. Nessa leva, o da Cultura poderia voltar à pasta de Educação. Ainda que seja apenas especulação*, por enquanto, o fato movimentou as redes sociais nesta semana. Produtores e artistas começaram campanhas, criaram petições online e fizeram um tuitaço na última quarta-feira (9/9).

Mas o que de fato se está discutindo? Uma estrutura administrativa, recursos para projetos, a compreensão do valor da Cultura para o desenvolvimento do país?

“A gente perdeu a qualidade do debate da Cultura. Ela ficou muito polarizada, perdeu a serenidade”, afirma a jornalista e gestora cultural Marta Porto. “Ficou sempre uma grande discussão sobre ferramentas de financiamento – não digo nem de fomento. E obviamente que quando você pauta a discussão política por interesses menores, você perde espaço”, completa.

Marta diz não acreditar em – e ser contra – uma possível extinção do MinC, no entanto, defende que o fato de que há uma sugestão dessa possibilidade coloca a sociedade diante de uma posição ética de discutir por quê. “Por que, passadas tantas décadas, a gente está discutindo a possibilidade de não ter um Ministério da Cultura num país como o nosso? Certamente não é pela nossa capacidade de produção artística, não é pela falta de riqueza cultural.”

Para o dramaturgo e crítico Aimar Labaki, a maior contribuição do Ministério da Cultura é tornar visível o óbvio: a centralidade da Cultura para a democracia e a responsabilidade do Estado quanto à produção e ao acesso aos bens simbólicos. “Essas centralidade e responsabilidade ainda não são reconhecidas pelos sucessivos governos, nem pela maior parte dos cidadãos. A discussão sobre a eventual extinção do MinC é sinal dessa realidade. E o principal motivo para que não seja fechado, em hipótese alguma”, defende, lembrando que o ministério é mais importante como articulador transversal de políticas e processos do que como financiador ou fomentador de produção. “É melhor um ministério sem orçamento que um grande orçamento espalhado pela máquina da Educação”.

Quanto a isso, Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas, discorda. Porque, segundo ele, do ponto de vista administrativo, o MinC é muito frágil. Sua extinção, ou fusão com outra pasta, não causaria o fim dos programas já existentes, e sua administração por uma pasta mais ampla e com mais poder poderia trazer mais recursos e força política. “A Cultura sempre foi o primo pobre do orçamento público. A extinção do MinC não muda nada em relação a isso, e não acredito que enfraqueça as estruturas já criadas. Pelo contrário. Se eu fosse funcionário do Iphan, prefereria estar em um ministério que inclui os professores das universidades federais, por exemplo, porque as reivindicações salariais provavelmente seriam mais levadas a sério.”

A questão dos servidores do MinC também é levantada por Marta Porto. “O fato é que temos um plano de cargos e carreiras dos servidores da Cultura que nunca foi levado a sério. Não temos projeção de uma consistência mais segura pra eles. Me parece que a demanda por estar dentro de um ministério mais forte tem a ver com a sensação de que se está num lugar desvalorizado”, analisa.

Segundo Sundfeld, nada permite imaginar que uma fusão no Ministério da Educação, por exemplo, fizesse desaparecer a dotação orçamentária dos órgãos da Cultura. “Acho que é pior a Cultura estar num ministério de pé quebrado do que numa pasta mais ampla. É um simbolismo pouco prático”, afirma.

De volta ao começo – “Temos uma institucionalidade frágil, mas temos uma institucionalidade”. É o que aponta o pesquisador e consultor André Martinez. “Há uma interface para questionar, pleitear, articular as questões da Cultura em si. Perder esse patamar básico seria um enorme atraso”, alerta, lembrando que a criação do MinC significou o surgimento de uma agenda pública autônoma para a Cultura.

“O Ministério da Cultura foi uma conquista, de gerações que lutaram na ditadura para que a gente pudesse ter autonomia no campo da Cultura. Essa é uma discussão intocável. Não tem como retroceder 30 e poucos anos”, completa Marta. No entanto, ela lembra que a Pasta foi criada com um viés altamente patrimonialista, para dar assento à Lei Sarney. “Ela nasce de uma forma estranha, já dizendo que veio não para pensar o Brasil, mas para ter formas de financiar demandas culturais.”

Essa concepção, que para a especialista sombreia o ministério até hoje, vinha do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do governo de Getúlio Vargas, e mudou o desenho proposto por nomes como Mário de Andrade e Aloísio Magalhães, de pensar o país a partir da Cultura e das artes. “Existe uma história que fez com que chegássemos em 1985 com a decisão de que era importante ter um Ministério da Cultura, mas me parece que essa história foi perdida ou esquecida”, lamenta Marta.

Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, Alexandre Barbalho acredita que, depois de um momento inicial de muita fragilidade e descapitalização financeira e simbólica, o MinC se consolidou e, com isso, a própria percepção da Cultura como direito fundamental. “Mesmo com orçamento e pessoal reduzidos, o MinC vem conseguindo estabelecer uma série de políticas de Estado que torna a Cultura uma responsabilidade do poder público, não apenas no âmbito federal, mas também nas esferas estadual e municipal”, explica.

Nesse sentido, sua extinção causaria a perda do esforço de institucionalização das políticas culturais como o Plano Nacional de Cultura, o Sistema Nacional de Cultura, entre outras ações. “O próprio entendimento da especificidade do campo cultural e de suas políticas, ainda que compreendendo sua transversalidade, em especial com a educação e a comunicação, correria o risco de se perder.”

Inclusão ou transgressão? – A autonomia expansiva da Cultura, para Martinez, não teria sido possível sem o MinC. “Com uma institucionalidade própria, em interface com os diversos agentes, foi possível gerar ao longo dos anos novas distinções, novas tensões, uma expansão fenomenológica para a Cultura, implicando em outros jeitos de ver, pensar e agir: Cultura como um bom negócio para patrocinadores, como áreas a serem incentivadas com mecanismos de incentivo fiscal, Cultura como cidadania e diversidade, como redes, como economia, como participação social, como inovação”, completa.

Em tempos em que muitos profissionais do setor gastam mais tempo discutindo formulários de editais, a grande questão, para Marta Porto, talvez seja justamente como a Cultura pode contribuir para o aprofundamento de uma democracia não violenta e uma ética de convivência para uso qualificado do recurso público. Nesse sentido, ela cita o exemplo da Colômbia, onde o Ministério da Cultura teve papel importante no redesenho da política e no enfrentamento da guerra ao narcotráfico.

“O que qualifica o debate é discutir a qualidade da democracia que a gente vive, a cultura da convivência que se engendrou a partir dessa democracia. Vemos o exemplo colombiano e vemos o quanto nosso Ministério da Cultura – e aí incluo nós gestores, produtores, artistas e pensadores do campo – se afastou de uma discussão mais qualificada sobre o que acontece com a sociedade brasileira, de que maneira a gente se relaciona com os direitos humanos”, aponta Marta. E destaca: pensar em ter um ministério significa pensar o país, e não um público-alvo.

Para Martinez, a maior perda caso o Ministério da Cultura deixasse de existir seria fracassar na realização do sonho de ter a Cultura como centralidade em um projeto de país para o Terceiro Milênio. “Como território de enfrentamento das desigualdades, de transformação do modelo econômico, da produção de uma sociedade dialógica e não-violenta, com outra mentalidade. Perder o MinC é antes de tudo perder entusiasmo, perder energia vital.”

Mas esse enfrentamento precisaria de fato acontecer, já que segundo Marta, mesmo o discurso que lembra uma justiça social, de inovação, pode ser excepcionalmente conservador, porque guarda inúmeros preconceitos. “Como aqueles de movimentos socioculturais, sempre vinculando a periferia com algum projeto de redenção social. Cultura é cultura, arte é arte, e ela é muito mais transgressora do que inclusiva. Ela é muito mais reflexiva e crítica do que se submeter à lógica de qualquer política que existe num determinado momento. Quando perdemos esse potencial de transgressão à norma, de reinvenção, essa adrenalina que nos faz repensar um modelo de desenvolvimento que queremos ou não, temos muito pouco a dizer.”

**Procuramos o Ministério do Planejamento para esclarecimento da notícia e recebemos a seguinte nota em resposta: “Sobre o tema, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) informa que os cenários para a elaboração da proposta de redução de ministérios ainda não foram concluídos e que informações em off atribuídas à Pasta não têm nenhuma legitimidade e devem ser desconsideradas. Até o final de setembro, o MP encaminhará suas sugestões à Presidenta da República, conforme calendário divulgado pelo ministro Nelson Barbosa.” 

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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