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O MinC de Gil/Juca e a revolução que não veio

Se me perguntarem o que marcou a administração de Gil e continua marcando a de Juca Ferreira frente ao MinC, eu digo sem susto, o slogan, a publicidade e a megalomania impulsionada pelo panfleto político.

Não é justo que se diga que o Ministério da Cultura na era Gil não teve o devido reconhecimento da mídia e muito menos apoio político, ao contrário, a mídia muitas vezes deu um cheque assinado em branco pelo peso que o artista Gil dava ao Ministério.

Cercado de expectativas, Gil trabalhou bem com as câmeras e os microfones para justificar a ausência de resultados concretos e ter apoio quase que absoluto e paciente de toda a atmosfera que cerca a cultura brasileira, dando-lhe suporte irrestrito com manifestos meio que ensaiados, como o “fica Gil!”, mas ainda, com um bom lastro de capital político diante da sociedade, apesar de um retrospecto árido dos seus quatro anos de gestão.

A expectativa criada e realimentada pelo MinC na segunda gestão Gil era a da revolução cultural numa guinada de 360graus. Passaram-se horas, dias, meses e anos e, praticamente o ponteiro do transferidor, a “régua e o compasso” simplesmente não se mexeram, estava ali o mesmo MinC de sempre, fora do prumo, descompassado com os anseios da sociedade.

É bom que tiremos algumas lições disso. É nítido que Gil tinha compreensão de toda a complexidade gerencial que envolve um ministério, desde a necessária interlocução com chefe máximo do poder, o presidente Lula, com outros ministérios mais fortes, passando pelo Legislativo e chegando à mídia. Nisso, acho que Gil trabalhou bem, ao contrário do que imaginamos. Tanto é verdade que, mesmo não apresentando resultados concretos de mudança, o seu ministério, ao término do primeiro mandato, tinha os maiores índices de aprovação. Tudo isso baseado e tão somente no discurso de uma revolução cultural que estava por vir.

Em alguns momentos, Gil se apresentou com sobriedade, trazendo na lisura de seu discurso, um bem articulado argumento de que as coisas caminhavam silenciosamente para o real, para futuras mudanças. E nada, nada aconteceu. Gil não teve chegada, faltou-lhe sprint, faltou peitar a fita que romperia esse bloqueio psicológico que contempla sempre o topo da pirâmide social. Gil se comportou como Rubinho Barrichello deixando na hora H o alemão Schumacher passar.

Gil afinou nos momentos de crise, por não querer se indispor com amigos – que não são poucos. Por ser um artista auto declarado “multimídia”, como de fato é, com fácil diálogo e tramitação em múltiplas linguagens e segmentos artísticos, Gil, na hora do vamos ver, fugiu do enfrentamento por razões óbvias, faltou a ele nesses momentos a postura impávida de um Bruce Lee, necessária a um comandante de uma pasta tão nevrálgica e de demanda tão represada como a dele. Não teve postura e envergadura de um Ministro de Estado. Comportou-se mais como um diplomata, um embaixador do discurso reeditado nas asas do movimento Pop dos anos 60. Foi excessivamente futurista e distante de um embate concreto, enfim, a camisa pesou e o Dream Time decepcionou!

As mudanças da Lei Rouanet foram sendo adiadas, capítulo a capítulo de uma novela sem fim. É provável que acabe o mandato de Juca Ferreira e fiquemos aqui sem saber quem matou Salomão Ayala ou Odete Roitman.

Fugindo pela tangente, no caso de mudança da lei Rouanet o MinC, Gil, deu força publicitária aos programas de transferência direta de recursos. Programas como Cultura Viva, Pontos de Cultura e etc., e também foi uma festa anunciada que não aconteceu ali, no sol do meio dia. O MinC não tem mecanismos concretos que contemplem efetivamente o alvo de seus discursos revolucionários cantados aos quatro cantos do mundo.
Num certo momento, a banda larga tornou-se a porta messiânica da política de Gil, reeditando o discurso do ajuste natural de todas as nossas defasagens no campo cultural, através ou via web, bem ao estilo do Deus mercado.

Confuso, oblíquo, o MinC foi se perdendo no emaranhado de discursos. Em alguns momentos, quis se valer de uma, no caso dele, fantasiosa oposição por conta da mudança de eixo e da lógica de sua política, pura vitimização. Não é verdadeira essa perseguição, o MinC criou factóides, se excedeu nos foguetes e na espuma. Sem saída, Gil deixou o barco à deriva, jogou a toalha.

O Timoneiro Juca Ferreira vem se mostrando um marinheiro de primeira viagem, cambaleando entre o nocaute técnico e a queda vertiginosa na lona, se agarra nas cordas políticas, esperando as gongadas finais de uma luta do MinC com o próprio MinC. Conservador em sua essência, em suas reais ações, não dialogou francamente com nenhum dos setores da sociedade. Conseguiu um fato inédito, desagradar a todos pela absoluta ausência de uma clara e objetiva política. Apostou na megalomania, no populismo ao invés do popular. O MinC exagerou nas inúmeras e infrutíferas reuniões, simpósios, congressos visando ganhar tempo na busca por uma saída, qualquer que fosse, para um mínimo de ações que parecessem com o filho bonito anunciado, nada, sequer uma caricatura. O MinC da era Gil/Juca não se perdeu, simplesmente não saiu do papel, se é que existia de fato um. Os discursos mudavam a cada instante. Espremido daqui, o MinC gritava de lá que o espaço era outro e, estagnado, pulava, como num jogo de amarelinha, do começo ao fim. E agora, tonto e fadigado de tanto pular, caminha moribundo entre as linhas do seu próprio traçado publicitário. Não há mais tempo de fazer nada de revolucionário, pois as gavetas já estão sendo revisitadas, os porta-retratos vão sendo discretamente retirados das mesas. Todos esperando o apito final deste sonolento 0 x 0.

Para nós mortais? Que recriemos novas expectativas em um novo ministério, mais silencioso, mais obreiro, mais operário, sobretudo bem menos burocrático e centralizador, mais sensível à própria organização cultural da sociedade brasileira.

Titularidade, o MinC de Gil espalhou e muito, deu caráter prioritário em seu discurso, à periferia, à diversidade, ao pluralismo, mas foi apenas um discurso. Agora é esperar que, com todo esse manifesto, o próximo governo encontre o MinC ainda mais endividado e construa concretamente uma direção que dê corpo e cara a toda essa difusa expectativa.

Por outro lado, cabe a nós nesse momento, aceitarmos a perda da batalha e construirmos uma pauta concreta, conseqüente, descentralizada, observando sempre os exageros cometidos por reivindicações impossíveis e buscar junto à sociedade, propostas que aproximem de fato toda essa expectativa de se criar uma atmosfera amadora, profissional das culturas espontâneas, técnicas ou formais, dando a elas o alimento necessário, sem o desperdício promovido pelo paternalismo dos atores de sempre, somado à miséria promovida pelo preconceito, leviandade e descaso com as ricas manifestações do nosso povo.
Precisamos, antes das tentativas de vôos internacionais, observarmos as condições do mesmo na nossa terra, no nosso chão, no espaço brasileiro.

Se o Minc continuar obediente ao mesmo caminho de fazer barulho lá fora para ser reconhecido por meia dúzia aqui dentro, continuará contemplando os mesmos agentes e seus eternos complexos de inferioridade, que, aliás, são onerosos aos cofres públicos, onde o custo/beneficio é uma aberração de disparidade.
Para quem almeja ser a tal pátria da cultura e não das chuteiras tem que no mínimo tratar com os mesmos benefícios tributários como meta, assim como o rico e cheio de regalias, futebol brasileiro. A desoneração significativa, ou seja, perto de 0% nos bens e serviços culturais, tem que ser a maior de todas as revoluções. Não se pode exigir que um povo leia um livro que em média, custa cinqüenta reais, quando na outra ponta ele ainda precisa dos programas assistenciais por conta de anos de concentração de renda.

Uma simples postagem de um CD nos correios já aumenta o custo em média 50% para o consumidor final. A desoneração tem que ser um esforço de nós todos. Temos que ir buscar nas práticas de comércio os mais elementares e até prosaicos caminhos de um saudável e virtuoso conceito de circulação de bens e serviços culturais e não nos rendermos à exigência de que aleijemos a criação em nome de uma inserção em um mundo de regalias e luxo para os mercadores e de uma disputa torpe promovida pela agiotagem chantagista de agentes inescrupulosos que entram apenas e tão somente com sua mentalidade volátil. Temos que lutar para que tais práticas onde o lucro excessivo que desumaniza toda uma relação comercial seja contido por um mínimo de normas. Nós artistas, temos que mudar a visão de que a sociedade tem que bancar caprichos, estrelismos e vaidades. Temos que buscar um mínimo de bom senso e, acima de tudo cobrar mais rigor nos abusos de gastos excessivos. Procurar lógicas de gestão que contemplem sempre a liberdade, a criação e o pensamento plural, sem que com isso tenhamos que esbanjar. Dignidade, não pode ser confundida com excentricidade.

Espero, sinceramente, que toda esta ressaca se transforme em uma boa reflexão e que a partir de então, artistas, produtores, MinC, empresas patrocinadoras e etc. tenham um sentido realmente estratégico de política cultural de Estado.

O cobertor não é curto não, nós é que nos superestimamos. É extremamente importante que revisitemos, com liberdade crítica, as bases do nosso pensamento constituído e que observemos corajosamente seus reais efeitos. Ninguém ganha jogo de véspera.

Carlos Henrique Machado Freitas

Bandolinista, compositor e pesquisador.

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