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O ministério e o copo de cerveja

Lembro-me muito bem como meu interesse pelo funcionamento do setor cultural nacional começou. Após uma difícil aula de política na faculdade, eu e um amigo estávamos sentados em uma mesa de lata, sob um telhado do mesmo material e com um sol que não passava despercebido, ou seja, um ambiente propício para reflexões e “filosofia de boteco”, regadas a uma boa quantidade de cerveja. Conversamos uma tarde inteira sobre os mecanismos de financiamento da cultura que foram criados durante toda a história do Ministério da Cultura. E concluímos que o ministério possui muitas características com um copo americano e a diversidade das marcas de cerveja disponíveis no mercado.

Desde seu surgimento em 1985, como um órgão voltado exclusivamente para os problemas do setor cultural no Brasil, o trabalho realizado pelo Ministério da Cultura tem se mostrado como um inócuo recipiente que aceita tudo o que nele é colocado, seja com as melhores ou piores intenções. Vejamos: uma das primeiras e principais criações daquele governo foi a chamada “Lei Sarney”, esse mecanismo foi criado para “enfrentar os problemas financeiros” que emperravam a produção cultural nacional e acabou por contrariar as propostas de sua criação, ou seja, ao invés de fortalecer a, já deteriorada, produção cultural nacional, acabou por estimular uma política cultural iniciada no período anterior que focava o fortalecimento da economia via consumo cultural, o que o recém criado ministério aprofundou através do inicio do incentivo fiscal descomprometido com a realidade cultural nacional, limitando os investimentos em poucos grupos.

Sai a Sarney entra a “Lei Rouanet” com a eleição em 1990 de Fernando Collor, o qual teve sua campanha financiada e apoiada por empresários dos mais variados setores da economia nacional, inclusive de grandes empresas televisivas, como foi o caso da Rede Globo de televisão. Os projetos e programas até então desenvolvidos e o próprio Ministério foram desligados. Quando comparadas, Lei Sarney e Rouanet, muito se criticou sobre a burocratização do mecanismo, o que se refletiu em números que mostram no período entre 1992 e 94 apenas 72 empresas investiram em cultura no país, um balanço negativo que deixou o próprio ministro Rouanet frustrado.

Recriado após a entrada de Itamar Franco/Rouanet na presidência em 1992, o Ministério da Cultura congregou os debates em torno da revogação da Lei Rouanet e a volta da Lei Sarney – o que não aconteceu – devido à, mais uma vez, burocracia que “emperrava” o funcionamento do mecanismo, devido à exigência de uma aprovação prévia dos projetos a serem financiados.

Mesmo com a justificativa baseada na “conjuntura mundial, caracterizada pela globalização, pela internacionalização da economia e pelo predomínio do mercado”, não é possível ver mudanças realmente significativas nas propostas para o setor cultural nacional durante o governo FHC/Weffort, a não ser a confirmação explícita de que “Cultura, só com lucro”. E, não diferentemente dos governos anteriores, o sistema cultural de FHC/Weffort continuou a trabalhar com os incentivos fiscais, entretanto, também sem se preocupar com uma possível reestruturação desses “incentivos”, a não ser pelo aumento de 2% para 5% do percentual de abatimento da empresas. Em suma, esse governo buscou atrelar as “exigências da economia internacional” de desenvolvimento com os interesses empresariais no investimento à cultura, que buscavam nos produtos financiados uma imagem positiva como retorno. Uma proposta que Castello afirma ter se configurado como, “não só um mercado de bens culturais, mas um mercado de imagens institucionais”.
A entrada de Lula na presidência e Gilberto Gil na pasta da Cultura, a principio, apresentou ares de mudanças, principalmente com o principal mecanismo de financiamento de atividades cultural, a “Lei Rouanet”. Entretanto, não passou de uma brisinha que atuou mais em discussões sobre o assunto do que na prática, fator que não alterou em praticamente nada que pudesse ser relevante para ser identificado como uma real mudança na Lei. Claro que projetos como o “Cultura Viva”, com a criação das propostas dos Pontos de Cultura, entre outros, pode ser um avanço para chegarmos a um caminho no qual a Cultura no Brasil possa ser democrática. Entretanto, o que parece ser a menina dos olhos do Ministério da Cultura, a Lei Rouanet ainda está longe de encontrar seu caminho. Pelo menos é o que as constantes discussões atuais apresentam.

A entrada de Juca Ferreira no Ministério, juntamente com a saída de Frateschi da Funarte, iniciou um processo de lavagem da roupa suja no ministério, na qual ficam claras as “mágoas” e as frustrações. Atualmente, com os “Diálogos Culturais”, o ministro Juca Ferreira criticou a isenção fiscal como sendo o principal mecanismo de financiamento da cultura no Brasil, afirmando que “só no Brasil, o mecenato é pegar dinheiro do Estado para fazer filantropia cultural.” Apresentando uma série de dados – algo que não existe no site do ministério já algum tempo – o ministro Juca aponta o crescimento de 67, 5 % entre os anos de 2003 e 2007 com investimentos através da Lei Rouanet e do Audiovisual, afirmando, ainda que a região Sudeste é responsável por cerca de 80% dos investimentos, os quais acabam excluindo projetos inovadores e sem retorno de marketing, ou seja, dados que não trazem absolutamente nada de novo, a não ser, mais uma vez, a existência, finalmente, de dados no site do ministério.

Com os “Diálogos Culturais”, proposto pelo atual ministro, voltamos mais uma vez a debater o já tão debatido modelo de financiamento cultural no Brasil. Em entrevista com Antonio Grassi, ex presidente da Funarte, publicada recentemente no site Cultura e Mercado, podemos observar a insistência em apenas DISCUTIR os problemas da lei Rouanet, principalmente quando Grassi afirma que o “MinC anunciou os Diálogos Culturais, para rever a Lei Rouanet. E eu pergunto: de novo? Na época em que o Lula foi eleito, eu participei da coordenação de um programa chamado Imaginação a Serviço do Brasil, em que nós já apontávamos os problemas da Lei, com indicações do que deveria ser feito. E hoje, seis anos depois, o MinC está novamente circulando pelo Brasil para discutir a mesma coisa? Esse trabalho que foi feito anteriormente parece que não valeu de nada”. Exemplo que também pode ser observado com o programa Mais Cultura, o qual, segundo Frateschi, em entrevista também recente ao Mercado e Cultura afirma que “até hoje, não temos uma atividade do Programa chegando ao cidadão. É muita reunião, muita discussão que não se encerra e, de repente, é esquecida”. Em resposta a Grassi, podemos dizer que não, não valeu de nada, nem mesmo o histórico do Ministério da Cultura vale de nada.

Voltando ao bar, ao sol, à cerveja gelada, ao copo americano e às reflexões, concluímos que o Ministério da Cultura possui uma estrutura semelhante ao copo, pois a única coisa que muda internamente é o conteúdo, mas a dinâmica acaba sendo a mesma, ou seja, algumas MARCAS são mais baratas, porém dá dor de cabeça, outras o preço é bom, mas é difícil de engolir, outras, ainda, são boas, mas o preço é de doer, porém o copo aceita todas e somos nós somos os responsáveis por encher esse copo. Ao que parece, nenhum governo que assumiu a pasta da Cultura nesses 23 anos apresentou uma proposta ou um novo projeto, seja para reestruturação da Lei Rouanet ou para a criação de novos mecanismos que atuem de forma EFETIVA no setor, acabando por manter os mesmos problemas que outros conteúdos ministeriais já haviam experimentado. Faltam projetos que passem da fase de discussões e que dêem ao Ministério e aos responsáveis pela produção e reprodução cultural no Brasil algo mais que apenas dor de cabeça. 

Cleiton Paixão

Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista. Desenvolve pesquisas referente aos temas de Política, Cultura e Economia.

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