Pesquisa inédita contradiz estereótipo de alienação da juventude e aponta suas percepções e preocupações sobre o acesso à cultura
O que preocupa os jovens brasileiros quando o assunto é cultura? Como eles percebem as iniciativas do poder público nessa área? Quais espaços de cultura e lazer a juventude freqüenta?
Essas são algumas das questões abordadas pela pesquisa “Juventude brasileira e democracia: participação, esferas e políticas públicas”, financiada pelo International Development Research Centre (IDRC) do Canadá e coordenada pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e Instituto Pólis. O objetivo com os resultados é o de subsidiar novas políticas, estratégias e ações públicas voltadas para a juventude. A pesquisa ouviu 8 mil jovens de 15 a 24 anos em sete regiões metropolitanas do Brasil e no Distrito Federal, entre outubro de 2004 e maio de 2005, e tentou refletir nos entrevistados a pluralidade sócio-econômica, racial e de formação escolar dos jovens brasileiros.
A pesquisa foi realizada em duas fases: na primeira, quantitativa (pesquisa de opinião), foi aplicado um questionário em 8.000 jovens, buscando caracterizar o seu perfil, suas diversas formas de participação cidadã e percepções sobre o tema. A segunda fase, qualitativa, promoveu os “grupos de diálogo”, encontros pessoais nos quais 913 jovens debateram sobre o tema, nas sete regiões metropolitanas cobertas pela investigação.
Anna Luiza Salles Souto, pesquisadora do Instituto Pólis e coordenadora geral adjunta da pesquisa, apresentou os principais resultados na última sexta-feira, no Pólis, e aponta que a metodologia aplicada na segunda fase, inédita no país, é um grande diferencial em relação a outras pesquisas do gênero já realizadas no Brasil. “A aposta política e metodológica no diálogo como forma de construir posicionamentos coletivos resultou em um verdadeiro exercício de participação dos jovens na discussão de assuntos públicos.”
Preocupações – Um dos temas que orientou as discussões nos grupos de diálogos foi “Cultura e lazer”. A pesquisa apontou o que mais preocupa os jovens em relação a esse tópico:
>> Falta de acesso a espaços de cultura e lazer
Os jovens não apenas manifestam a vontade de acesso à cultura e ao lazer, como têm a percepção do direito a esse acesso. A pesquisa detectou basicamente duas formas distintas de análise do não acesso ao bem cultural. Uma aponta que os jovens não têm mais acesso à cultura por que nao querem ter, e que as opções são diversas. Outra afirma que as atividades culturais gratuitas têm pouca divulgação, o que impede os jovens de tomarem conhecimento a respeito delas. A manutenção desses espaços também é requerida.
>> Concentração da oferta nas zonas de maior poder aquisitivo das cidades
Aqui, a pesquisa demonstra uma espécie de antagonismo entre duas visões: por um lado, a demanda pela descentralização da oferta de oportunidades de acesso à cultura. E por outro lado, a sugestão de extensão do passe-livre para que os jovens – e não apenas os estudantes – possam circular pela cidade, em direção aos espaços disponíveis.
>> Falta de apoio/patrocínio visando baratear os custos
O custo para se freqüentar atividades culturais aparece como forte impedimento de acesso à cultura. O valor do deslocamento até o local da atividade também é levado em consideração.
Os jovens formularam sugestões relacionadas à gratuidade das entradas,ao transporte gratuito oferecido pelo governo, e à meia entrada com a carteira de estudantes.
>> Falta de segurança
A associação entre cultura/lazer e violência surgiu bem destacada na pesquisa, com a insegurança aparecendo como fator de impedimento ao aproveitamento da cultura e do lazer, especialmente para jovens da periferia.
Outra preocupação detectada é a pouca valorização da cultura brasileira/regional.
“As políticas na área da cultura devem considerar os jovens como consumidores de bens culturais e valorizá-los como produtores culturais, apoiando a pluralidade de manifestações de diversos grupos juvenis, tais como as dos jovens rurais, urbanos, quilombolas, indígenas etc. Há que se promover a cidadania cultural das diferentes juventudes, garantindo a todos os segmentos o acesso a bens culturais e a livre expressão das suas identidades”, aponta Ana.
O papel do governo e da escola – Na pesquisa de opinião, quando questionados sobre os lugares que costumam freqüentar nos momentos de lazer, os resultados apontaram os shoppings lideram a preferência (69,2%), seguidos por cinema (51,2%) e parques e praças (47,8%). Os shoppings aparecem em primeiro lugar independentemente de classe, sexo, cor ou escolaridade. Já no caso dos cinemas, a opção foi significativamente mais apontada pelas classes A/B. Teatros, centros culturais e museus foram sempre destacados por menos de 15% dos entrevistados.
Os jovens percebem o papel do poder público na promoção de eventos culturais, e demandam o apoio do governo e dos empresários na construção de mais iniciativas na cultura. Os resultados mostram que os jovens sinalizam o entendimento de que o governo não é o único responsável pelo atendimento às demandas sociais da população, e cobram da iniciativa privada um retorno social pelos seus lucros.
A escola aparece com um papel fundamental no acesso e incentivo às atividades culturais. O jovem que está na escola lê mais, freqüenta mais espaços de cultura e lazer, tem mais acesso ao computador e à internet e participa mais dos meios de comunicação como produtor do que aquele que não está. Nos grupos de diálogo, foram citadas as possibilidades que as escolas podem proporcionar aos jovens mais pobres. Eles se lembraram das bibliotecas, dos passeios culturais e da ida a espetáculos.
Descontruindo estereótipos – “Os resultados da pesquisa contribuem para a descontrução da imagem de apatia e descaso do jovem com os destinos do país”, diz Ana. 85,8% afirmaram se informar sobre o que acontece no mundo, com a televisão sendo a principal fonte de informação apontada (84,5%), seguida pela mídia impressa (57,1%) e rádio (49%). A Internet foi apontada por 27% dos entrevistados, provavelmente refletindo a exclusão digital que ainda rege a maior parte da população brasileira. O relatório da pesquisa aponta que uma política que esteja comprometida com a demanda dos jovens por informações sobre atividades culturais públicas ou gratuitas precisa considerar o papel dos meios de comunicação, especialmente a televisão, no cotidiano desses jovens.”
Ana sumariza a postura do jovem brasileiro perante a cultura: “O jovem mostra-se ávido por acesso a bens culturais que possibilitem a ampliação da sua visão de mundo. O discurso dos jovens denota a crítica à apropriação desigual da riqueza cultural, ao mesmo tempo em que reafirma o seu direito à cultura e ao lazer. A demanda pela descentralização da oferta cultural, as queixas quanto ao custo elevado dos eventos e à falta de divulgação dos espetáculos gratuitos é um indicativo do anseio de ‘inclusão cultural’ e da importância que os jovens atribuem a esses bens para a sua formação pessoal e profissional. “
Leia a seguir alguns depoimentos surgidos nos grupos de trabalho:
Eu já fui na universidade estadual ver dança contemporânea… Eu gosto, mas eu não tenho tanto acesso. Eu não tenho nem conhecimento. Eu acho que não chega nem à população de algumas facilidades que às vezes surgem, não chega ao conhecimento do pobre” (Rio de Janeiro).
a necessidade de: (…) maior divulgação por televisão, rádio, panfletos, dos eventos culturais (gratuitos,acessíveis); facilitar o acesso das pessoas mais distantes (de baixa renda) aos projetosculturais, como peças etc.; descentralização dos centros culturais (Salvador).
A Prefeitura deveria investir ainda mais na cultura, trazendo eventos, Bienal do Livro,quando acontece, trazer peças de teatro ao ar livre, que acontece muito também, mas só que não é muito divulgado, não há muita propaganda. Então eles colocam a propaganda na Globo: ah, vai ter um evento hoje … uma vez. Então a pessoa não vai saber, não vai poder ter a oportunidade de ver aquela peça (Rio de Janeiro)
(…) de levar a cultura pras cidades de fora, não ficar somente na capital. Sair fora do centro (Porto Alegre).
Na questão do lazer, é bom lembrar que o valor das passagens de ônibus influencia muito também: Você pode pagar um preço barato para ir a um show e a passagem pode sair mais cara (Rio de Janeiro).
Fazer o dia do preço mais acessível para a população de baixa renda ter acesso ao cinema e ao teatro. Não adianta ir ao teatro só um dia, tem que ir mais vezes para conhecer. O estudante deveria pagar meia, ter o transporte garantido, a vida ficaria mais alegre (Porto Alegre).
Eu acho que cultura e lazer tinham que começar direto na escola. Sem o aprendizado na escola, não tem como ter, porque, por exemplo, eu acho que aula de teatro tinha que ser em todas as escolas e não tem. Sem teatro, a pessoa não consegue falar assim em público.. Eu acho que isso melhora muito, eu acho que isso tinha que ser em todos os colégios. Ah, tinha que ser obrigatório (Rio de Janeiro).
André Fonseca
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particulamente acho que o jovem, a geração talvez posterior a minha, recebe um bombardeio diário de informações e não uma orientação para melhor utilizá-las e valorá-las. como um jovem do Rio de Janeiro colocou muito bem: não há aulas de teatro em todas as escolas, na realidade não há aulas de teatro em quase nenhuma escola, na verdade não se valoriza o efeito inclusivo da criação e da articulação. é importante ver a praxe educacional como uma maneira de organizar a informação e saber trabalhá-la de modo construtivo; não apenas como um meio para um fim, mas como um fim em si mesmo. assim a matemática não deveria estancar nas equações e incógnitas, mas ganhar um conteúdo lúdico como por exemplo uma aula de xadrez ou até uma introdução básica aos princípios da informática. o grande problema pode ser resumido em três linhas basilares:
1- professores mal pagos e mal treinados para lidar com o jovem de 15 a 24 anos. um jovem , como a própria reportagem mencionou, ávido por conhecimento e por alargar seus horizontes culturais.
2-uma alienação não causada pela falta de informação, a priori,
mas por uma ausência de um engajamento, participação e articulação. Edificar líderes deveria ser tarefa das escolas, porém o que ocorre é uma omissão da escola pública nesse sentido, enquanto a escola privada é competente na perpetuação das "dinastias".
3-a quase completa ausência de uma inclusão pela criatividade e pela reflexão. é difícil encontrar na escola secundária uma atividade extra que se adeque bem ao perfil criativo do jovem, assim como ao seu perfil questionador. nas escolas públicas principalmente,
não se discute, apenas se impõe conteúdos. por outro lado o jovem de baixa renda não encontra cultura fora da escola simplesmente porque não tem dinheiro( a passagem de ônibus supra citada ilustra bem isso ), ou por que não tem interessses ou ambições nessa área relegada pela própria escola para um plano inferior, qual seja, o aprendizado cultural e a integração de teoria e prática. a economia criativa não alcançou nossos jovens ainda, quando estes deveriam ser parte importante nessa engrenagem denominada produção cultural. Eram eles, em última análise, que deveriam valorar, corretamente ou não, para mais ou para menos, o peso da meia-entrada na cadeia produtiva cultural, não os produtores!!
não obstante, é preciso levar em conta que os jovens, objeto da pesquisa, estão numa idade, numa sociedade, e muitas vezes numa família onde a embalagem é mais importante do que o conteúdo. E isso é uma questão ética melindrosa. os exemplos estão por toda parte e não há culpados por ação, mas grandes responsáveis por omissão.
Concordo quando dizem que o jovem brasileiro não valoriza sua cultura.E como ele poderia valoriza-la se a cultura transmitida atualmente pelo o nossoa meio mais comum de comunicação -a tv- é uma 'bela de uma porcaria'.Eu como jovem digo:Com todas estas informações transmitidas de uma só vez somada com o conteudo televisivo não ha como o jovem não ficar confuso e dar a valor a propria cultura.O jovem está na fase de transição de casa para o mundo/sociedade e se este não pede cultura porque deveria valoriza-la onde a Lei que prevalesse é a do mais forte?
O artigo é bem provocador em termos estatísticos, mas gostaria de perguntar : que tipo de cultura estamos tratando aqui?
Se abordamos as culturas das elites e as culturas do povo, na perspectiva crítica, o que é capaz de ir ao encontro do anseio das juventudes? Trazer o produto, ou provocar-lhes como produtores de cultura.
Penso aqui nos jovens das periferias, principalmente. Há um modo de vida próprio para cada juventude quando vamos analisar a questão. O artigo não foi negligente, mas poderia ir além da estatística e do depoimento. O estudo de uma experiência enriqueceria deveras o trabalho.
William Berger - Vitória - ES