Se ainda pairam dúvidas de que o sertanejo é um dos gêneros musicais mais populares no país, basta passar os olhos pelo Top 100 da segunda semana de dezembro, publicado no site da versão brasileira da revista Billboard. O estilo ocupa todos os 10 primeiros lugares, emplacou 45 das 50 canções mais executadas e abarca nada menos do que 66 posições da lista.
O levantamento, realizado entre 11 de abril a 30 de maio de 2014, mostra que o estilo encabeça a preferência dos entrevistados de todas as classes econômicas, em todas as cidades e da maioria absoluta dos grupos sociais – as exceções são pessoas com superior completo (fica atrás de rock e de MPB) e adolescentes (perde para funk e empata com rock).
O que faz do sertanejo um estilo capaz de transitar por tantos segmentos paulistas, agradando ao “paladar” de um público tão diverso? A pista pode estar na origem. O historiador Gustavo Alonso, autor do livro Cowboys do Asfalto: música sertaneja e modernização brasileira (Ed. Record), fruto de sua tese de doutorado, lembra que o gênero nasceu em São Paulo. “Essa identidade tem a ver, sobretudo, com o interior. Originalmente, essa é a região do sertanejo, além das fronteiras do Estado – norte do Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais”.
Foi a partir dos anos 1950, com o processo de industrialização do Brasil, que o sertanejo começou a ganhar a feição conhecida nos dias de hoje. “Antes disso, falar em música caipira, música rural, música do interior era mais ou menos a mesma coisa”, diz Alonso.
Professor de sociologia da USP, Waldenyr Caldas, que passou a pesquisar o tema na década de 1970, enfatiza o papel da urbanização, a partir do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). “O caipira paulista vem para o meio urbano para trabalhar na indústria automobilística e em outras indústrias acessórias. Com ele, vem sua cultura. Consequentemente, a música sertaneja”, observa. “Inicialmente, ela fica na periferia paulistana, que é onde vai morar o sertanejo do interior do Estado, e se mistura com o nordestino que vem à procura de mercado de trabalho.”
Em texto para o livro Cultura SP, que traz análises diversas sobre o levantamento feito pelo Datafolha e pela JLeiva, o produtor cultural Pena Schmidt, diretor do Centro Cultural São Paulo, sublinha que a expansão agropecuária nos anos 1970 “trouxe o rodeio e a cultura americana que faltava para criar um gênero não mais ‘caipira’, mas exuberante, produzido com cenários, luzes, coreografias e cada vez mais sensual, um híbrido vencedor”.
Nesse processo, a música, até então rural, passa a absorver outros gêneros. “No final da década de 60, há uma dupla chamada Léo Canhoto e Robertinho que começa a misturar com rock (foi a primeira a introduzir guitarra elétrica no sertanejo)”, aponta Alonso. Houve influência ainda da guarânia, do bolero. “O sertanejo começou a dialogar com músicas de outras regiões. Acho que isso, em parte, explica a grande penetração dele em diversos lugares do Brasil e classes sociais.”
O produtor musical, arranjador e compositor José Renato Mioto também atribui parte do sucesso à abertura a diferentes estilos musicais. “No sertanejo atual, você percebe músicas com guarânia, polca paraguaia, chamamé, vaneira, bachata, arrocha, rock, samba, ritmos baianos, funk, valsa , country music americano…”.
Ainda que muitos torçam o nariz para as modificações sofridas pelo sertanejo, para o professor Waldenyr Caldas essas transformações estéticas são naturais. Embora reconheça a importância das raízes, ele entende que as manter incólumes não passa de “romantismo anacrônico”.
“O produto cultural é extremamente dinâmico. Não vejo sentido na música sertaneja continuar com a viola do Alvarenga e Ranchinho, do Tonico e Tinoco, cantando de forma nasalada. Há pessoas que acham que isso é uma involução. Não acho nem involução nem evolução. Acho uma transformação inevitável”.
Alonso vai ainda mais longe. Defende o sertanejo como outra vertente antropofágica. “Não é exatamente igual ao que o Caetano [Veloso, um dos idealizadores do Tropicalismo] propõe, mas visa dialogar com o que vem de fora e incorporar, fazendo à sua maneira, com suas questões, problemas, suas limitações, suas potencialidades.”
Explosão nacional – O autor do livro “Cowboys do Asfalto” – nome inspirado em uma canção da dupla Chitãozinho e Xororó – explica que foi a partir do início dos anos 1990 que o sertanejo se nacionalizou. “Depois de ‘Entre tapas e beijos’, lançada em 1989, a pessoa podia gostar ou não, mas todo mundo tinha ouvido falar da música sertaneja. Pesava muito contra ela uma barreira de classe social, sobretudo nas metrópoles. Com o sucesso nacional, há uma classe emergente que começa a consumir o gênero com muita força. Isso que vivemos agora é a consolidação de algo que nessa época já tinha sido construído”.
Pena Schmidt observa, no livro, que hoje o segmento envolve “números industriais”, transmissão intensa em emissoras de rádio e TV. “Compra-se tempo de exibição promocional, repete-se a mesma música entre quatro e oito vezes por dia, cria-se a familiaridade e a fama”, descreve. “Novos artistas precisam ter algum talento e investidores pesados, que encontram um mercado responsivo. Já não existe mais o tradicional domínio das grandes gravadoras, mas, sim, a prevalência de empresários independentes e dinâmicos que movimentam os segmentos mais comerciais.”
O produtor musical Zé Renato Mioto concorda que os escritórios de apoio aos artistas estão muito organizados e que é grande o investimento em rádios e TVs. Lembra ainda a força dos rodeios e das feiras agropecuárias e o surgimento de muitas casas de show sertanejas. Mas enfatiza a união dos artistas – de fato, não há discursos beligerantes como os que marcaram samba x bossa nova ou MPB x rock nacional – e avalia que o sertanejo tem mostrado especial capacidade de “falar a língua do povo”. “Há músicas sobre amor, separação, baladas e que, na maioria das vezes, conta a respeito do cotidiano das pessoas”.
*Esta é a sétima de um conjunto de reportagens sobre indicadores que Cultura e Mercado publica em 2015. A série baseia-se nos dados da pesquisa Cultura em SP, da consultoria JLeiva Cultura & Esporte.
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