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O valor da meia-entrada

Pela primeira vez no Brasil foi sancionada uma lei federal que estabelece uma regulamentação da venda de meia-entrada. Como defendiam os produtores culturais, a lei passa a impor um limite de 40% para a venda de ingressos reduzidos, garantindo que o benefício não incida sobre mais da metade dos bilhetes.

A média de meias-entradas por evento diminui sensivelmente com a nova cota. Por isso, espera-se uma consequente queda no valor dos ingressos. Entretanto, muitos produtores culturais alegaram que essa medida não garante sozinha uma diminuição proporcional do valor da entrada.

Cultura e Mercado conversou com produtores e um especialista para tentar entender melhor as questões que envolvem a precificação dos ingressos.

O contabilista, arquiteto e músico Carlos Martinelli desenvolveu ao longo do ano de 2012 a pesquisa acadêmica na Universidade de São Paulo intitulada “O Impacto da Meia-Entrada na precificação de ingressos e no planejamento estratégico de companhias de entretenimento”. Ele conta que, além do levantamento de dados, também conversou com cinco produtores ligados a grandes shows e com mais de 10 experiências no mercado.

Martinelli afirma em sua pesquisa que antes da lei a média de meia-entrada por evento variava de 70 a 80% do total de ingressos. E que, a partir dessa estimativa, os produtores faziam um preço médio, que por sua vez prejudicava o valor real da meia-entrada. “Ela acabava tendo um desconto de apenas 20% em relação ao preço médio”.

Para o pesquisador, um dos principais defeitos da nova lei aprovada é que ela não diferencia as naturezas de cada evento cultural. Por exemplo, uma peça de teatro se repete muitas vezes, enquanto um show geralmente é de única apresentação. “Esse fator de repetição deveria ser levado em conta”, afirma.

Herança – Além disso, ele também aponta algumas heranças da cultura de meia-entrada como fatores que podem dificultar a implantação da cota. “Criou-se no Brasil a geração espontânea de desconto, como no caso dos clientes de telefonia, de bancos, etc. Eles também têm desconto de 50%. E muitos desses contratos vão até 2015. O que vai acontecer com essas empresas que já se adaptaram à cultura da meia-entrada? Eu realmente não sei”.

Ainda assim, Martinelli acredita na queda dos preços: “Se não diminuir, não vende. E isso é evidente desde o ano passado, quando tivemos muitos exemplos de shows com ingressos encalhados, como o da Madonna e o da Lady Gaga”

Steffen Dauelsberg, diretor executivo da Dell’Arte Soluções Culturais, empresa responsável pela programação do Teatro Bradesco, declara que para o cálculo do valor do ingresso são levados em conta fatores como custo para realização do evento, histórico de eventos similares, poder aquisitivo do público-alvo, local de realização, pesquisas qualitativas de percepção com público potencial, entre outros. “O limite da meia-entrada irá favorecer a redução de 15 a 20% no custo do ingresso, mas dependerá de cada caso”, afirma.

Marcelo Beraldo, responsável pela programação do Cine Joia, casa de shows em São Paulo, preferia que a meia-entrada acabasse. “Nos poucos países onde ela ocorre, o governo paga a metade descontada do estudante”, conta. Ele explica que para o cálculo do valor do ingresso, basicamente, apura-se os custos e tenta-se manter um preço que atinja o ponto de equilíbrio com 70% a 80% de ocupação. “Contudo, obviamente também se deve levar em conta o mercado, isto é, um ingresso não pode ficar muito diferente de outros ingressos de eventos semelhantes na mesma praça”, explica.

Beraldo também diz que o valor do ingresso vai cair, mas o preço médio será o mesmo. “Antes calculávamos o percentual de estudantes em 85% e inteiras 15% aproximadamente. Assim, um ingresso inteiro de R$ 100 e meia a R$ 50 resultavam em um ingresso médio de R$ 57,50. Considerando que este ingresso médio foi aferido para tornar o show viável, agora com as entradas de estudantes limitadas em 40%, o valor do ingresso inteiro ficará R$ 72 e a meia R$ 36, uma redução de 28%”, conclui.

Outros vilões – Foi unânime entre os entrevistados, no entanto, a opinião de que a falta de uma cota para a meia-entrada não era a única vilã dos preços de ingresso.

Para Carlos Martinelli, a concorrência entre as produtoras é um fator determinante na alta dos preços. Geralmente, a concorrência entre empresas é benéfica para o valor final do produto, mas no caso de shows essa lógica se altera. “Quando a concorrência para trazer artistas internacionais é grande, o cachê oferecido acaba sendo mais alto. Além disso, o conflito de agenda entre os diferentes eventos que têm o mesmo público em potencial gera disputa de data e maior dificuldade na venda de ingressos, e também há a disputa por patrocínio”, declara.

De acordo com o pesquisador, o Brasil também possui um problema estrutural: a falta de lugares adequados e disponíveis para a realização de shows ajuda a encarecer os ingressos.

Marcelo Beraldo explica que os impostos sobre o setor estão entre os maiores do mundo e atingem, de maneira cumulativa, todas as atividades necessárias para colocar uma banda em um palco. “Para piorar, paga-se entre 5% e 10% de Ecad (direitos autorais) nos preços dos ingressos, mais Ordem dos Músicos do Brasil, Sindicato, etc. Recentemente e para shows internacionais, a alta do dólar também começa a inviabilizar muitas turnês”, afirma o empresário do Cine Joia.

Outro fator crucial é a falta de escala. “Enquanto uma banda internacional faz uma turnê com 30 a 40 shows nos Estados Unidos, aqui no Brasil não passa de quatro ou cinco. Assim, por um lado, alguns custos fixos aumentam por evento. Por outro, os próprios agentes acabam exigindo um cachê maior para ‘desviar’ as bandas das rotas entre Estados Unidos e Europa, onde fazem mais shows“, completa.

Procurados pela reportagem, a Time4Fun, a Geoeventos e a XYZ declararam não poder responder. O Cinemark informou que só se pronunciará quando a lei entrar em vigor.

Saiba mais

Dilma sanciona Estatuto da Juventude, que limita a 40% meia-entrada para estudantes

Pesquisa completa de Carlos Martinelli 

Relatório público (com demonstrações financeiras) da empresa Time For Fun.

 

Patrícia Lima

Patrícia Lima é repórter do Cultura e Mercado.

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