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OMB: 50 anos de repressão – Parte II

As manifestações contra a OMB teriam origem em conflitos entre os músicos atuantes e o órgão regulamentador da profissão por conta da cobrança de anuidades obrigatórias, associada ao descontentamento da categoria de trabalhadores por não receberem benefícios em contrapartida, nem sentirem-se representados perante às esferas públicas.

Nos últimos quarenta anos, a Ordem dos Músicos do Brasil é gerida
pelo mesmo grupo que nela se incrustou logo após o golpe militar de 64 (…) se valendo do poder de policia na obrigatoriedade do pagamento de anuidade para o exercício da profissão. Uma verdadeira caixa preta, (…) os músicos tiveram na OMB não uma parceira ou representante aliada, alguma lembrança ou algum motivo de orgulho, mas se depararam sim com uma inimiga reacionária, ou quando muito com uma representante ausente. (…) Esta OMB que está sub-judice no Supremo Tribunal Federal, a beira do abismo, execrada pela classe musical que a sustenta.
(OMB: Arbítrio e
cartorialismo no terceiro milênio. Manifesto do Fórum Permanente de Música
do Rio de Janeiro, 2006).

Entre suas atribuições institucionais, a defesa do músico teria ficado em segundo plano com relação a outras que são relacionadas ao controle profissional, fiscalização, cobrança de taxas e punição contra os músicos que por ventura estejam atuando de forma irregular. A carteirinha seria o documento dos músicos, sem a qual podem correr riscos previstos na lei. Prerrogativa de uso de violência simbólica e poder de polícia que permitiam a OMB emitir as seguintes punições: “Advertência; Censura; Multa; Suspensão do exercício profissional por até 30 dias; Cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal” (Art. 19. Lei 3.857/60). Não fosse o suficiente ainda “ameaçam de prisão simples de 15 dias a três meses, prevista no artigo 47 da Lei das Contravenções Penais” (CORDONI, 2004a). As arbitrariedades cometidas se transformaram em argumentos contra a regulamentação da profissão:

A Ordem dos Músicos do Brasil (…) Verifica-se, entretanto, a geral e completa
insatisfação da categoria com a situação atual da instituição, que deve ser
urgentemente modificada através da mobilização organizada dos músicos
em todo território nacional. O exercício da atividade musical é livre, espontâneo e
social, não cabendo nenhum tipo restrição à sua realização quando manifestação
cultural. (…) Pelo livre exercício da profissão e pelo fim do constrangimento
policialesco imposto pela Ordem dos Músicos do Brasil. Pelo fim da obrigatoriedade
da contribuição para a Ordem dos Músicos do Brasil.

(Carta de Porto Alegre, 30 de janeiro de 2005, V Fórum Social Mundial)

Este entendimento comum com os demais reclamantes é apresentado na forma jurídica, no trabalho de Cassiano Cordoni (2004a), que defende em tese que a atividade do músico é livre, atividade profissional, direitos consagrados na CF/1988 e que estaria criando um regime de excessivo controle (RAGONEZZI, 2009). Esta inferência excessiva da Ordem dos Músicos do Brasil para com o exercício da profissão resultaria em uma quebra da representatividade da categoria que historicamente nega sua organização máxima da categoria criada pelo peso do Estado Brasileiro.

O que os músicos alegam é que não obtêm nenhum benefício da instituição
e que são ‘obrigados’ a pagar uma anuidade sem saber exatamente
para qual finalidade. Cem por cento dos músicos entrevistados ou que
responderam questionário para esta pesquisa dizem não reconhecer
a Ordem dos Músicos do Brasil como uma instituição legitimadora da
atividade profissional do músico ou que preste serviços a esta categoria
profissional.
(REQUIÃO, 2010, p. 162)

Setores da classe musical, política, imprensa, justiça, entre outros, têm procurado demonstrar suas insatisfações com a autarquia, porém sem muita efetividade. Os debates que existiam nas listas e encontros da classe musical sobre reformar, extinguir ou tomar a OMB, avançaram. Após décadas de reclamações da classe, no sentido jurídico, algumas iniciativas começam a dar alguma solução, ainda que paliativas ao caso.

*Continua na próxima semana. Clique aqui para ler a Parte I
**Este artigo foi apresentado no III Encontro Internacional de Direitos Culturais (UNIFOR-CE) com título de “Ordem dos Músicos do Brasil. Memória e Verdade, A herança da ditadura militar. 50 anos de repressão” (ST8 – Direitos Culturais, Memória e Verdade), sendo publicado neste Cultura e Mercado em série de cinco artigos. O texto original com os dados da pesquisa pode ser conferido em: www.direitosculturais.com.br 

REFERÊNCIAS
CORDONI, Cassiano. A inconstitucionalidade da ordem dos músicos do Brasil. Curitiba: Protexto, 2004a.
RAGONEZZI, Stefano Pessoa. Quem quer manter a Ordem? Drummond & Neumayr Advocacia. 2009. Disponível em: <s://www.dn.adv.br/nota.php?id=5>. Acesso em: 09/12/2012.
REQUIÃO, Luciana. Eis aí a Lapa… Processos e relações de trabalho do músico nas casas de shows da lapa. Rio de Janeiro: Annablume, 2010.

Manoel J. De Souza Neto

Pesquisador, escritor e agitador cultural. Diretor do Musin - Museu do Som Independente. Membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais/MINC (2010/12). Facebook: www.facebook.com/manoel.j.de.souza.neto

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