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Onde está a criatividade?

Há algumas semanas falamos aqui no Cultura e Mercado que vivemos um momento de ser mais criativo para conseguir sobreviver à crise e às incertezas econômicas que o Brasil vive. Mas como ser mais criativo? E aquelas pessoas que não consideram ter as ideias mais inovadoras?

Para tentar entender essas questões, falamos com alguns dos especialistas que estarão no Cemec de 5 a 7 de maio, na Jornada Pensamento Criativo. Serão seis oficinas, com o objetivo de apresentar conceitos, ferramentas e técnicas pensadas para exercitar a mente, estimular a criatividade e a produção de ideias.

Mas afinal, a criatividade é uma habilidade que pode ser desenvolvida? “A criatividade é inata, pois faz parte das nossas conexões cerebrais e todos nascemos com essa capacidade. Por outro lado, ela é também uma habilidade que pode e deve ser desenvolvida, sabendo que diversos fatores culturais, desde a nossa infância até a vida adulta, inibem o seu afloramento”, explica Diogo Dutra, sócio da consultoria em inovação Caos Focado.

Ele lembra que é comum levantar barreiras extremamente sólidas, que dão a impressão de que não somos criativos. “Mas pare para pensar, veja quantas pessoas são cozinheiros extremamente criativos e que no dia-a-dia do seu trabalho não arriscam fazer nada diferente do ordinário? Ou quantos pais conseguem distrair seus filhos com diferentes técnicas e que não conseguem se expor em uma reunião? Ou até quantas pessoas têm um senso de humor extremamente apurado e que fazem tarefas rotineiras e sem cor?”

Por isso, a criatividade precisa de espaço e de coragem. É preciso quebrar as tais barreiras. E, para isso, é preciso ultrapassar medos e ser persistente. É preciso coragem, diagnostica Dutra.

Luciana Annunziata, sócia da Dobra, concorda que a criatividade é capacidade inata, mas que também pode ser desenvolvida. “A criatividade não é algo abstrato, está ligada ao nosso fazer. Como afirma Fayga Ostrower, a ‘imaginação criativa é um pensar específico sobre um fazer concreto’. Se eu trabalho com linguagem, naturalmente é nesse contexto que meu processo criativo acontece. Se sou químico, acontece o mesmo, se sou um produtor cultural, vou lidar com tudo o que já aprendi, desde leis de incentivo até formatação de projetos”, explica.

Para ela, a dificuldade vem do fato de que a base do processo criativo é a capacidade de criar hipóteses e partir de um distanciamento da situação. E em momentos de crise é preciso se descolar do momento, porque ele apresenta desafios para os quais ainda não existe resposta. “Mas não podemos nos descolar do nosso fazer concreto, que é nosso ponto de partida, nosso ganha pão. Queremos vender, queremos produzir, queremos projetos, mas nos frustramos. Quanto mais a gente pensa na crise e se concentra nas impossibilidades, mais difícil a coisa fica.”

Essa ansiedade, afirma Luciana, é inimiga da percepção aberta. Daí o desafio é estar nesse momento presente, mas de uma forma mais solta, menos tensa, para conseguir transitar nos repertórios passado e futuro e articular novas hipóteses, mais criativas. “Pode parecer estranho, mas nos momentos de crise precisamos brincar com a realidade para encontrar novas formas de atuar sobre ela. Isso a gente pode praticar, com certeza, especialmente nos processos criativos com grupos de pessoas diversificadas que vão nos ajudar a sair dos nossos padrões repetitivos”, orienta.

Conectar-se a outras pessoas, com perfis complementares ao seu, é uma das dicas de Aziz Camali, fundador da DZN. “Quanto mais vivo inovação, sinto na pele o resultado de projetos baseados em propósito e profundidade muito mais do que quando embasados e fundamentados em conhecimento técnico. Deixe de lado todas as crenças baseadas em rótulos e permita se entregar em projetos de forma plena e inteira. A chave de que eu quero e posso, quando virada, expande as possibilidades do seu projeto. O retorno é a consequência de algo que faça sentido, e não a razão”, afirma.

O mito do “gênio criativo” – Para William Hertz, sócio da consultoria de branding e marketing digital Apis3, as pessoas ainda sofrem com a intimidação do mito do gênio criativo. “Todos somos ou podemos nos tornar criativos em diversas áreas, é uma habilidade que se desenvolve. Como qualquer característica, podemos ter mais ou menos facilidade ou predisposição para lidar com isso, mas com método e muito trabalho é possível se tornar um profissional criativo, seja na produção cultural, seja na forma de ativar seu negócio”, defende.

Quando o assunto é produção e negócios, a criatividade precisa também estar conectada a fatores relacionados a resultado e engajamento, como lembra Dutra. Nesse sentido, precisa ter aspectos racionais e objetivos, mas sem perder sua magia e mistério.

Segundo ele, existem diversas ferramentas e técnicas que desenvolvem a criatividade e que dão suporte ao pensamento criativo para negócios. “Nenhuma ferramenta te fará criativo e inovador da noite para o dia. É preciso estar em constante movimento e desenvolvimento, mas é fato que elas catalisam e dão suporte para que se crie o espaço e a coragem dentro de você, em primeiro lugar, e em segundo, no seu ambiente de trabalho.”

A criatividade está conectada com a forma como se sente e se reage aos estímulos do seu ecossistema, todos os dias, lembra Camali. “Quanto mais exposto a interações que fogem da rotina e zona de conforto, mais você estimula o desenvolvimento do seu lado cognitivo e criativo”, diz. E ensina: em tempos de crise, explorar, testar, experimentar e arriscar sem medo de errar é inevitável para desempoeirar um lado que pode ser vital para o sucesso do seu projeto ou negócio.

Luciana concorda que a criatividade é algo que acontece dentro de cada um e nas suas relações com o mundo. E as épocas de crise, reafirma, são o momento ideal para mapear o que está acontecendo, meditar e se reposicionar. “Tenho um amigo que fez um documentário e jogou muitas fichas nisso, quase que todas elas. Aí veio a crise e o patrocinador desistiu. Ele ficou muito chateado, mas logo em seguida mapeou os lugares do mundo onde o tema estava sendo tratado e foi a festivais, fez contatos, abriu portas que talvez ele não tivesse percebido antes”, exemplifica.

Conversar, ler, refletir sobre seus próprios objetivos e sobre a situação de mercado, tudo isso ajuda a criar hipóteses criativas de maior qualidade e, quem sabe, encontrar uma lacuna onde ninguém jamais esteve. “O retorno é essa coincidência entre o seu chamado pessoal, o chamado do mundo e o que você sabe fazer, a sua expertise técnica. Às vezes a gente se distancia dessa percepção. Eu pessoalmente considero essa uma busca constante”, diz Luciana.

Para Diogo, a inovação é um misto de uma essência nova com um adoção plena de muitas pessoas, gerando valor – não necessariamente financeiro. No entanto, essas duas características brigam e brincam o tempo todo: se preciso de adoção plena de muitas pessoas, então não posso trazer uma essência completamente diferente pois ninguém vai adotar de fato. Ou o inverso, se preciso modificar a essência de algo, não posso ouvir tanto o que uma grande quantidade de pessoas acha que quer ou precisa.

“É exatamente na desobediência dessa relação que as propostas inovadoras nascem”, explica. “Na verdade, tudo é uma relação de evolução, aprendizado e adaptação ao longo do tempo. A proposta inovadora se inicia através de fatores internos e de forma ousada se propõe ao mercado, que responde de forma imprevisível. Essa reposta dá ao time inovador novos insumos e aprendizados para um próximo ciclo, que propõe novamente ao mercado – que agora é outro – e que responde de outra maneira. O segredo está na gestão desse aprendizado e na evolução que faça com que a ‘nova essência’ e a ‘adoção plena de muitas pessoas’ se encontrem.”

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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