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Os crentes e a elite cultural: o paradoxo da diversidade

A elite cultural brasileira não gosta dos “crentes”. Afinal eles não são o “brasileiro tipico” do imaginário cultural brasileiro.  Crente não leu Gilberto Freyre.

Para a elite cultural o brasileiro tipico seria: alegre,  malandrinho,  meio músico, curte samba ou funk e a mulher é gostosa e trepa bem.

A elite cultural queria que o pobre fosse a imagem do pretinho alegre da escravidão. Mas para tristeza da elite os pobres estão é virando crente mesmo.

A elite adora diversidade cultural e o crente não curte tudo.

Para a elite umbanda é “uma cultura linda”. Para um crente a umbanda é magia mesmo. Crente acredita em umbanda, a elite acha uma tradição super bonita e que tem músicas ótimas.

Para a elite o pobre ideal é tropicália: ele circula, é diverso, tem contato com a cultura popular e de preferência tem sexualidade ambígua e libertária.

A elite gosta de pobre com estilo. Pobre sem estilo é chato.

O trabalho ideal para o pobre é a cultura. Fazer arte para se distrair e nos divertir. Se fizer isso a gente contrata.

No ponto de vista da elite “crente é chato” . Afinal ele não usa roupa colorida, não é uma maquina de sensualidade e nem esta disponível sexualmente para o patrão.

A elite cultural defende a diversidade cultural em tudo.  Exceto com crente.  Com eles não vale, pois “eles são chatos, feios, sem graça. E anti-diversidade”.

Parodoxo da diversidade: a diversidade tem que estar presente em todos? Ou a diversidade inclui pessoas que não querem a diversidade dentro de si?

A diversidade cultural deve incluir pessoas anti-diversidade?

Tem sentido alguém como eu, que gosta da diversidade, querer impor a diversidade a quem não quer ter a diversidade na sua vida?  Impor diversidade, não seria contradição em si?

Ter  preconceito com quem não é a favor da diversidade não seria uma atitude que contraria aos princípios da diversidade?

Ou seria melhor eu entender que quem não gosta da diversidade, ajudará a compor um panorama diversificado de cultura?

Uma coisa é fato: já é hora da elite cultural parar de ter preconceito com os “crentes”, parar de chamar eles de “crentes” e ver que sob o título genérico e preconceituoso de “crente” existe, na verdade, uma vasta gama de diversidade religiosa popular que – no mínimo – expressa necessidades culturais e espirituais de nosso povo. No mínimo.

Newton Cannito

Cineasta e escritor. Foi Secretario do Audiovisual do Ministério da Cultura. É presidente da Associacão Brasileira de Roteiristas.

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  • Gostei do texto e, de fato, acho que há uma diversidade no "crente" que ainda, as pesoas não conhecem!
    Dei até risada quando li o começo que diz que o crente não leu Gilberto Freyre. (risos) Será que a elite que se acha o "dono" da diversidade de fato conhece esses "crentes"?
    Sou crente! Sim, porque eu creio. E li Freyre, Sérgio Buarque de Holanda...ah, também li Karl Marx, Max Weber, enfim...
    Acho que há diversidade nesses "crentes" que a elite ainda não conheceu.
    Gostei demais do final desse texto!

  • Adorei! mesmo porque eu sou "a crente" da elite cultural! rsrsrs
    chega né gente, agora vamos atacar uns aos outros para nos defendermos? Quem se sente alvo dos preconceitos agora somos nós, "os crentes".

    Abs!
    Camila Faria
    Analista de Projetos Culturais

  • A provocação é interessante, embora amarga. O risco destas filosofias crentes e de Igrejas derivadas é a influencia de uma voz política que prega atitudes discriminatórias e irracionais, conduzindo massas de pessoas a comportamentos pré conceituosos - e isso a Igreja sabe fazer bem.

    Se ser crente fosse apenas ser desinteressante para a elite seria fácil de resolver. Se os pensamentos desta massa não afetassem a liberdade de outras, também. Existem muito mais elementos materiais e "políticos" no comportamento destas massas crentes do que necessidades espirituais.

  • Prezado Newton Cannito,

    este é, no mínimo, um dos textos mais lúcidos e reflexivos que já li aqui no Cultura e Mercado.

    Um abraço,

    Rose.

  • Concordo com a Tuna!
    Já temos muitos exemplos onde as igrejas se metem nas legalidades e gestões da coisa pública ,impondo sua visão estreita e medieval...
    Afortunadamente,não faço parte da elite brasileira,mas posso dizer que assim como me incomoda essa imagem de povo brasileiro feito a medida da elite,também não gosto de gente que se opôe à descriminalização do aborto,matrimonios homosexuais e muitas outras formas de diversidade.
    Crente não é chato somente porque se afastou do povinho made in Casa Grande.E chato porque intolerante.

  • Olá! Sou crente, gostei muito do seu texto, principalmente da conclusão. Muito instigante e perspicaz.

    Para mim a diversidade tem que ser democrática e inclusiva (deixando opiniões quanto a qualidade de lado), a diversidade implica variedade de expressões/opiniões... senão não é diversidade, e sim sectarismo cultural, como disse o César Ricky Mendes em outro lugar... Para mim diversidade implica tolerar o que lhe é oposto...

    Ser pró-diversidade significa concordar, apoiar e praticar tudo o que se manifeste como cultural ou simplesmente respeitar as diferentes manifestações, mesmo as vezes não concordando e não praticando?

    Gostaria de saber melhor o que os elitistas pensam de nós... quando falam que somos "anti-diversidade", querem dizer que:

    1) não somos democráticos para respeitar expressões/opiniões alheias, embora discordando delas... ?

    2) somos anti-diversidade pelo fato de que nossos valores e princípios não permitirem a abertura de espaço para crer/experimentar outras áreas da diversidade... ?

    Muita coisa pra refletir... daria uma boa prosa não?! rs

    Newton, vc já leu este artigo "Deus nos Livre de um Brasil Evangélico" ?

    É muito interessante e tem tudo a ver com seu tema. É de um pastor cristão... sss://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&id=2400

    Abraço!

  • Muito bom seu texto Newton. Sou a favor da diversidade e luto, a minha maneira, pela difusão da diversidade da arte e cultura!
    Vejo como um erro, mas caímos sim na fala de: "Ah tá, ele (a) é crente"! Isso é sim uma forma de preconceito. É duro assumir, mas é! E isso é que é a diversidade. Um é crente, outro umbandista, outro agnóstico, outro artista...

    Mas qual a razão desse pensamento? Nada é por acaso! Pode-se dizer que é pela doutrina do medo dos pastores em nome de deus? Mas isso é um privilégio de todo cristão que não sabe interpretar a própria bíblia. Afinal, deus não vos deu o livre arbítrio? E, um dos mandamento não diz: "Não dizei meu nome em vão". Noutra passagem diz: "Dai graças a mim", ou algo assim.

    É tudo muito estranho. E viva a diversidade, Viva... Viva... Viva !!!

  • gostei desta página. pelo texto e comentários, dá para ver quem é crente ou não.

    somos todos crentes, se tomarmos esta palavra em sua acepção real.
    mas ser crente tem se tornado tão pejorativo que vira quase um palavrão na boca de quem não é.

    o newton está acima desta classificação. já é anjo.
    e quer queiram ou não, os crentes são frutos da diversidade que dizem não aceitar.
    a começar do termo que lhes define genericamente e abrange um sem número de orientações que a cada dia originam a uma nova igreja. quer mais diversidade que isso?

    mais cedo, mais tarde, a ficha cai. como cai a chuva sobre o campo fazendo florescer o capim, as árvores, o pequi, o chuchu. flores e espinhos. somos diversos sobre uma única plataforma. somos unos na diversidade.

  • Newton Cannito,

    Muito bom seu texto. Esta questão é complexa mesmo. Mas que essa história de "crente" é melindrosa é sim. Participei durante muito tempo, quando era "menino de igreja" com a renovação carismática católica, um braço do neopentecostalismo no catolicismo, e como quase toda a religião, tem pavor do capeta e o vê na maçonaria, na umbanda, no pastor do lado, no papa (exceto para as da "renovação"). Bem, tenho hoje graves problemas nas escolas que trabalho, pois onde eles, "os crentes" estão, é quase impossível discutir o que não lhs é familiar: deus, o capeta, céu e inferno. É claro que são diversos os "crentes" em suas definições, interpretações, graças ao Deus de Abraão. Mas agora estou adotando uma outra divindade, o Krenhouh Jissa Kijú, o "Grande Chefe" de nações indígenas chamadas de Botocudos pelos brancos lá, estes índios, são também meus ancestrais aqui no vale do Mucuri, em Minas Gerais.
    Quem sabe assim, não melhoramos estas questões por aqui?
    Peço-lhe a gentileza de nos visitar em nossa página: sss://www.mucurycultural.org.
    Ah, este seu texto está republicado lá e estamos lhe seguindo em seu blog. Parabéns! Grande abraço.

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