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Os Instrumentos de Política e a Lei Rouanet

A lei Rouanet é uma lei de incentivo. Os incentivos são considerados instrumentos de política econômica e, portanto, podemos considerar a Lei Rouanet um instrumento de política econômica.

Um instrumento de política econômica, geralmente, designa um meio ou um conjunto de meios que o Estado se utiliza para alcançar determinados objetivos ou metas econômicas. Normalmente se encaixa dentro de uma estratégia geral de promoção de indústrias nascentes, podendo se constituir em incentivos ao investimento, à produção e à exportação. Existem instrumentos de política dentro da política fiscal (isenção de impostos), dentro da política monetária e da política de rendimentos (fixação de salários).

Os instrumentos de política, por sua vez, são diferenciados pelos estudiosos em instrumentos de comando e controle, ou seja de regulação direta,  e instrumentos econômicos.

Enquanto que, no caso dos instrumentos de comando e controle, a ação está totalmente nas mãos do Estado, no caso dos instrumentos econômicos, ainda que eles sejam coordenados institucionalmente, baseiam-se em mecanismos de mercado . No primeiro caso temos, geralmente,  instrumentos de dissuasão, regulação e reorganização ou de limitação. Como exemplos desses instrumentos estão as ações de regulação de preços e de salários, o racionamento, as políticas de concessão (seja no setor do transporte público, ou no setor da telecomunicação) e as proibições (as proibições dos perueiros – por exemplo, no setor de transporte).  É claro que tais instrumentos são muito mais eficazes para restringir uma atividade econômica do que para incentivá-la.

No caso dos instrumentos econômicos, pode-se dizer que são uma forma de influenciar e procurar modificar a conduta dos agentes econômicos em geral, (portanto, das empresas). Tanto podem ser mecanismos de disuasão (multas, por exemplo) como de incentivo  ao desenvolvimento de um determinado setor econômico. São instrumentos de proteção (como é o caso da “exceção cultural” no comércio internacional)  apoio, estímulo e incentivo. 

Assim, não é preciso ir muito mais adiante para perceber que cada instrumento tem efeito contrário ao do outro. Pode-se imaginar todo o tipo de ambiguidade, confusão e inoperância que acontece quando se tenta juntar os dois efeitos em um único instrumento, como é o caso da Lei Rouanet. Concebida em 1991 a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91), ou Lei Rouanet,  tem entre suas finalidades a de ( Art. 1º, alínea II ) “promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira” (…) além das já citadas alíneas VIII e IX.

Ora, está claro que para promover a regionalização da produção cultural e artística o Ministério precisa de um instrumento de controle. Enquanto tal, a Lei Rouanet deveria estar vinculada ao objetivo de “fortalecimento da ação do Estado no  planejamento e execução de políticas culturais” , dentro das Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Cultura (MINC, 2007). Já para estimular a produção e a difusão, a Lei deveria ser vista como  instrumento de incentivo econômico, vinculada à “ampliação da cultura no desenvolvimento sócioeconomico sustentável, enquanto fonte de oportunidades de geração de ocupações produtivas e de rendas”. (MINC, 2007) Ou seja, os gastos públicos, neste caso, deverão elevar a produtividade do setor cultural e sua capacidade de gerar emprego e renda.

Maria Alice Gouveia

Maria Alice Gouveia é mestre em Artes Plásticas pela UNESP, pesquisadora convidada do GV-Pesquisa e uma das fundadoras da Conteudo Cultural. Foi professora da USP, da Faculdade Santa Marcelina, do CEAG –FGV, instrutora do SEBRAE.

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  • Bravo, Maria Alice! Parabéns pelo artigo .
    Exatamente por estas distinções que vc apontou muito bem é que não se deve misturar no mesmo saco políticas de natureza econômicas com ações de cunho assistencialista sob pena das duas iniciativas se anularem reciprocamente. Se o paternalismo for uma meta, tudo bem! Mas deve ser exercido em guichê separado.

  • Talvez o que não se leva em conta em toda essa questão de um mercado cultural ou simplesmente um mercado, é o fato de trabalhar de forma restrita um mercado exclusivamente para a cultura. Neste caso, Maria Alice, temos uma substancial carga de paternalismo nas culturas tidas como estatais, essas que funcionam como doutrinas de uma elevação intelectual através da arte. De pouca ou nenhuma eficácia, essas políticas não apresentam desdobramentos. As promessas de integração ou de elevação não se cumprem. Pelo lado meramente empresarial, a questão tem contornos ainda piores, tudo é muito efêmero, publicitário, pois dessa fruta não sobra uma semente sequer. É comum, aqui na nossa região, Vale do Paraíba e seu entorno, assistirmos a uma série de festivais de inverno, principalmente de música, literatura e cinema em que os resultados para a sociedade são pífios. Não há transferência de valores culturais, muito menos de renda, são apenas bicos temporários em forma de contratação de hotéis e restaurantes, assim como de produtores também temporários da própria estrutura do projeto. É nítido que o comando deste processo não tem conhecimento algum do lugar, sequer faz questão de conhecer e, normalmente, marginaliza as culturas locais, tudo se transforma num bufet, desses alugados e de gosto duvidoso. É perceptível o cordão de isolamento social entre a comunidade local, turistas e promotores de tais eventos. Sinceramente, não posso crer que isso se constitua num mercado nem para o arista e muito menos para a cidade.

    Venho alertando que a Lei Rouanet pode sim alavancar o mercado cultural, como as outras leis de incentivo tanto de estado quanto de munícipio, mas em nenhuma há essa preocupação, tudo é muito pontual. Alguns projetos apresentam lucros, mas se restringem apenas ao evento. Imagino eu que fomentar, dar start a algum mecanismo, não seja simplesmente sustentar o vício paternalista de uma indústria de comercialização de projetos.

    Paulo Pélico faz um comentário que me assusta e me deixa bastante confuso: "Se o paternalismo for uma meta, tudo bem! Mas deve ser exercido em guichê separado". Aplaudo Paulo Pélico se ele estiver falando desta viciada forma de fazer cultura de mãos dadas com o patrocínio sem a mínima preocupação com a realimentação natural do processo. Se for no campo social, ou seja, para atender à camada menos favorecida economicamente, sou contra o que ele diz. Se, ao contrário, esse paternalismo que, a meu ver, sempre beneficiou a camada rica da sociedade, se voltar a construir uma outra perspectiva de inclusão das camadas mais pobres, teremos um processo dinâmico, amplo que respeitará a grande maioria dos brasileiros tanto nas suas expressões artísticas quanto na geração de recursos para uma outra dimensão de fomento ao mercado e a própria arte.

    A camada pobre, insisto, é o nosso ponto cultural mais efervescente, pois sempre se mostrou mais criativa e independente, tanto é verdade que, com ou sem incentivos, mantém as suas manifestações culturais com zelo, qualidade e incomparável criatividade.

    É bom que compreendamos que está faltando a sociedade média brasileira tão autista diante do próprio país, uma interlocução entre a sua memória afetiva e seu desenvolvimento intelectual que carece dessa base para desenvolver projetos efetivos, contínuos e consistentes onde a participação da sociedade é de fundamental importância, pois é ela que realimenta o mercado e a criatividade artística. Um dos grandes males que a produção cultural no Brasil sofre hoje, digo, essa estabelecida que abocanha grande parte dos recursos das leis de incentivo, é a necessidade de uma assinatura inaugural que mistura vaidade, arrogância e leviandade. Falta a ela um pensamento mais democrático, principalmente nos saberes. O maior perigo que se corre é enxergar o Brasil através desses núcleos prontos que normalmente nos oferecem uma visão de mundo muito restrita. Temos que admitir que temos a sociedade média/alta está doente e vive procurando remédios que a tire dessa condição terceiro-mundista. Traumatizada, essa mesma sociedade vive à caça de uma inovação, de um conceito espetacular e da reinvenção da roda. Temos que entender que a cultura de um país tem que ser jogada com a bola rasteira, pé em pé, ditando o seu próprio ritmo. Essa correria atrás de um remédio que nos cure dessa doença de complexo de inferioridade muito comum às classes dominantes, só nos distância de uma lógica republicana. Enquanto olharmos para um cidadão como sendo um não-cidadão, estaremos cada vez mais criando dificuldades para o desenvolvimento tanto da arte quanto de um mercado cultural.

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