O público, ou a falta dele, tem sido uma preocupação para quem trabalha com arte e cultura. Pesquisas e indicadores começam a ser levantados no Brasil e, por mais que ainda insuficientes e segmentados, dão início a reflexões e discussões.
Para iniciar este artigo me apoio nas análises da pesquisadora Isaura Botelho, que tem estudado o universo cultural sob a ótica das estratégias de políticas públicas, passando pelas fruições culturais na cultura institucionalizada. Não me aprofundo paralelamente nas pesquisas e parto dos diagnósticos que a autora e sua equipe já realizaram.
Penso ser interessante iniciar o assunto com dados históricos retirados do capítulo Sem medo de planejar (Botelho, 2001) que nos informa acerca da primeira pesquisa sobre as práticas culturais realizada pelos franceses, no início dos anos 70.
O investimento no desenvolvimento cultural e de lazer, associado ao objetivo de alcançar um público popular, incide no paradigma da democratização cultural. Um grande projeto de descentralização fornece espaços culturais e equipamentos ao subúrbio e ao interior do país assim como a redução de preços dos ingressos. Contudo, tal investimento, levou em consideração fundamentalmente os obstáculos materiais.
Os resultados da pesquisa de 1997 apontaram que as práticas culturais continuavam restritas a uma faixa de 10 a 15% dos franceses. As barreiras simbólicas eram o fator preponderante. A democratização cultural facilitou apenas as práticas do público “já cultivado”. Não foram considerados os contextos sociológicos e simbólicos, ou seja, desconhecem-se as aspirações, as necessidades e as motivações da sociedade.
Parece claro que se trata “de oferecer a todos – colocando os meios à disposição – a possibilidade de escolher entre gostar ou não de algumas delas, o que é chamado de democracia cultural […] não se trata de colocar a cultura (que cultura?) ao alcance de todos, mas de fazer com que todos os grupos possam viver sua própria cultura.”
O impacto dos resultados da pesquisa deslizou para um novo paradigma, o da democracia cultural que “tem por princípio favorecer a expressão de subculturas particulares e fornecer aos excluídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para eles mesmos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências. Ela pressupõe a existência não de um público, mas de públicos, no plural.”
Vários estudos internacionais corroboram que o capital cultural é mais decisivo do que a renda familiar, indicativo de que as políticas culturais devem se articular com as políticas educacionais. Segundo esses estudos “a melhor política de formação de público para as artes/cultura é a pos- sibilidade de se apreciá-las e praticá-las de forma sistemática na escola, principalmente nos ní- veis médios”. Demonstram ainda que “toda resposta depende da bagagem cultural herdada dos pais e da relação de cada indivíduo com a escola.” (Botelho, no43/44)
Discutindo público no Brasil e em dança
De acordo com as pesquisas realizadas no Brasil, a do IPEA, Obstáculos para acesso à cultura no Brasil, em fins de 2010, nos indica questões substanciais. Há um público que se diz interessado, mas se afirma excluído em relação à distância e preço e quando vencem essa barreira esbarram em outra, sentem-se ignorantes diante do que assistem. Uma porcentagem bastante alta de indivíduos afirma não ter tempo ou identificação com a programação oferecida pelos equipamentos culturais.
Cerca de 70% da população nunca foi a museus ou a centros culturais e pouco mais da metade nunca foi a cinemas. Hoje, a maioria dos brasileiros, 78%, tem como atividade cultural ver televisão ou DVD todos os dias. Em seguida 58,8% ouvem música diariamente, contudo 51,5% nunca vão a shows de música. Apesar de a leitura ser um dos índices que mais cresceu, dois de cada três habitantes continuam a não ter o hábito de ler. A tiragem média de um romance no Brasil, de quase 190 milhões de habitantes, é de apenas três mil exemplares. A freqüência é menor para as artes cênicas: teatro, circo e dança: 59,2% disseram nunca ir a um espetáculo e 25,6% vão raramente.
É importantíssimo lembrar que ainda não se começou a tratar de outra realidade: a da programação não institucionalizada. Comunidades populares experimentam o contato e produzem múltiplas linguagens artísticas e culturais à margem dos centros culturais, galerias, teatros, etc. criando outros espaços de manifestação. Cabe destacar ainda o papel que os Pontos de Cultura assumiram. Ainda que seja um modelo a ser aprimorado é indiscutível que sua lógica de inclusão social representa um avanço inovador e necessário.
Para focar mais especificamente na dança paulistana, a pesquisa Uso do Tempo Livre e as Práticas Culturais na Região Metropolitana de São Paulo, (2002) encontramos:
“Quanto à dança, cerca de 28% gostam de sair para dançar, sendo que 14% saem pelo menos uma vez por mês. No entanto, 78% da população nunca foram assistir um espetáculo de dança em suas vidas, e quando se trata de balé a porcentagem sobe para 88%. Trata-se de uma prática rara mesmo para os níveis mais altos de escolaridade e renda; metade daqueles pertencentes à classe A nunca foi. Como no caso das artes plásticas, verificou-se a relação entre o aprendizado formal e a prática amadora e a freqüência a espetáculos, o que corresponde aos 72% da população que nunca saem para dançar. Ou seja, há mais chance de uma pessoa de qualquer nível de escolaridade ter ido, pelo menos uma vez na vida, a um espetáculo de dança ou balé se ela tiver estudado ou tiver o hábito de sair para dançar.” (Botelho, 2004)
Sabemos que dados quantitativos funcionam à luz de dados qualitativos e contextuais, mas de todo modo, são índices e/ou tendências e como tal devem ser considerados.
Uma questão importante para compreender a atividade cultural é o avanço tecnológico: “… o papel que as redes de telecomunicações cumprem com relação ao preenchimento do tempo livre da população é absolutamente expressivo”. É “impossível se tratar da questão dos consumos culturais sem considerar os esquemas de substituição […] Neste caso, a televisão é o principal meio encontrado para se compensar a falta de equipamentos culturais descentralizados.” (Botelho no43/44)
Isso também responde a preferência e a necessidade de usar o tempo livre com a família e amigos, de diminuir as ameaças de viver nos grandes centros urbanos hoje e ainda o fato de que não exige códigos culturais elaborados.
O consumo cultural domiciliar é um fenômeno considerado em escala internacional e conhecido como “cultura de apartamento”. O fato de trazer para dentro de casa meios de difusão da arte e da cultura permitiu novas formas de apropriação das obras. Ou seja, o acesso à cultura não depende somente do contato direto com as obras, o que nos obriga a rever o entendimento do que é difusão.
Importante observar o paradoxo da aparente concorrência que a “cultura de apartamento” impõe às manifestações para públicos presenciais. Seria fácil supor que a primeira prejudica a segunda, mas de acordo com as pesquisas, os indivíduos que apresentam maiores índices de práticas culturais externas, também são os que apresentam maiores índices de consumo cultural doméstico.
Muitas são as causas para o déficit de público e podemos incluir mais algumas como a pouca documentação de dança e o pouco espaço na imprensa. Mesmo não sendo uma crise só da dança, não devemos nos conformar.
O tema é sem dúvida complexo, pois encara questões relacionadas a políticas públicas e privadas na área de cultura, formação educacional, qualificação de professores para as artes, barreiras sociodemográficas, mais e melhores pesquisas sobre as práticas culturais da população, investimentos em equipamentos culturais, parcerias e ações articuladas e de longo prazo. Entretanto faz parte ainda desse complexo sistema, a visão que os artistas têm do seu papel nessa rede.
É gritante para mim a falta de estudos sobre pessoas e a falta de investimentos em pessoas, público, artista, professor, programador, gestor, produtor. O que nos lembra que é a lógica capitalista que estrutura pensamentos, programas e políticas. A dimensão humana aparece na criação e no que se estabelece entre o discurso artístico e o público. Talvez por isso o que mais tenha de ser cuidado é a relação arte e espectador como potencial transformador.
*Texto escrito em julho de 2011, para o projeto “Em Busca de Novos Caminhos para Dança Contemporânea”, de Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, subsidiado pelo Programa Municipal de Fomento à Dança (SP)
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