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Papel da cultura em transformações urbanas é tema de seminário em SP

“Se você tiver uma maçã e eu tiver uma maçã e nós trocarmos essas maças, você e eu ainda teremos cada um uma maçã. Mas se você tiver uma ideia e eu tiver uma ideia e nós trocarmos, então cada um de nós terá duas idéias.” A reflexão do inquieto escritor irlandês, George Bernad Shaw, expressa o espírito que habitou o aguardado e concorrido Seminário Internacional de Cultura e Transformação Urbana, realizado no Sesc Belenzinho, nos últimos dias 22 e 23 de novembro, em São Paulo.

Durante os dois dias do encontro foram apresentadas experiências de diferentes pontos do planeta que mostram a importância estratégica da cultura para mudanças urbanas, econômicas e sociais. Oito cidades e oito realidades distintas. Medellín (Colômbia), Londres (Inglaterra), Montreal (Canadá), Bilbao (Espanha), Edimburgo (Escócia), Nantes (França), São Paulo e Paraty (Brasil).

Em comum, práticas bem sucedidas de processos de relação com a comunidade por meio da cultura. A troca onde todos ganham, como sugeriu Shaw – nesse caso com o objetivo de tornar as cidades lugares mais criativos.

A primeira mesa tratou das redes de equipamentos culturais. Quem abriu o seminário foi Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. “Ao reunirmos ideias, abrimos frestas para percepções subjetivas, descortinamos imagens formadas por olhares diversos e ouvidos plurais, construindo dúvidas e transformando pensamentos”, disse Miranda logo de início.

Em sua fala, para um auditório lotado, ele ressaltou a dimensão cultural do novo conceito de cidade, que avança em todos os continentes há pelo menos duas décadas. Segundo Miranda, essa visão de um espaço urbano voltado ao bem estar, à qualidade de vida e à boa convivência está na essência das ações do Sesc. “O encontro com pessoas é nosso trabalho diário”, afirmou.

Miranda destacou como premissa do encontro debater as contradições suscitadas pelos sentidos da globalização e avanços tecnológicos. “É necessário ampliarmos os olhares para compreender os complexos problemas da atualidade”, disse.

Por uma São Paulo menos arquipélago
A curadora do evento, Ana Carla Fonseca, economista e doutora em Urbanismo, colaboradora deste Cultura e Mercado, salientou a importância da realização do evento na unidade do Sesc Belenzinho por dialogar com a proposta do evento, a de deslocamento de centralidades. “Se ampliarmos nosso mapa mental da cidade, conhecendo outros bairros, podemos dessa união de mapas alcançar uma São Paulo menos arquipélago e mais sistema, em que regiões dialoguem”, afirmou. A curadora acrescentou que, nesse sentido de ação em rede o Sesc São Paulo é o caso mais emblemático.

A curadora observou ainda que “as iniciativas culturais, por mais sólidas que sejam não sustentam sozinhas um processo de transformação urbana”. Daí a importância do seminário, ao analisar os fatores que favorecem ou aniquilam o sucesso dessas ambições. “Tema especialmente importante para a cidade, com a iminência da criação de grandes equipamentos culturais, como o Museu da História do Estado de São Paulo e o novo Museu de Arte Contemporânea (no antigo edifício ocupado pelo Detran)”, observou Fonseca.

O mediador da mesa de abertura, Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura, atiçou os ânimos ao afirmar que artistas brasileiros não têm garra. “Atualmente ninguém fala de nossa arte com admiração”, atacou. Para ele, isso leva a uma reflexão sobre a sustentabilidade das instituições culturais e a demonização do mercado no país. “No Brasil, competitividade não está sendo devidamente estimulada”, disse.

Calil aproveitou o gancho da crítica para também tecer elogios. “O Sesc é um exemplo de instituição sustentável, tem uma fonte de renda permanente e em expansão, e se destaca por sua direção autônoma e independente das vicissitudes da política, onde gestões que se sucedem só reafirmam vaidades.”

Jardinagem Cultural
Em seguida, Jorge Melguizo, ex-secretário do Desenvolvimento Social de Medellín, falou sobre a rede de Parques Bibliotecas, instalada em áreas de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mudou a cara da cidade colombiana, até então mais conhecida por outra rede, a do narcotráfico.

A ideia, contou Melguizo, veio do reconhecimento do espaço público como espaço de encontros. “É possível que cidadãos se encontrem em igualdade de condições, independentemente de sua etnia e de sua posição econômica.”

Ele explica que as bibliotecas parques foram pensadas não apenas para assegurar o acesso à leitura, ao conhecimento e à cultura, de forma participativa e democrática, mas como intervenções urbanas que se transformaram em símbolo de esperança em uma região degradada por décadas de conflitos e violência. De acordo com Melguizo, mais de 12 milhões de usuários já utilizaram o serviço desde sua criação em 2004.

O seminário também debateu novas funções para edifícios patrimoniais e diálogos com o entorno. Caso, por exemplo, das mudanças realizadas na pequena ilha francesa de Nantes, detalhadas pelo francês Olivier Caro, chefe de projetos da Secretaria de Cultura de Nantes. Lá, uma antiga fábrica de biscoitos se tornou um criativo centro de artes e baladas.

Caro explicou que a inspiração veio das redes na internet. Colocaram então em prática um conceito de cidades vivas, em resumo, territórios de colaboração instalados em espaços indeterminados, livres para experimentações. “Nossa intenção foi criar no espaço físico tridimensional o que é feito no ambiente virtual.” Em Nantes, a sinergia entre diferentes atores possibilitou esse processo.

Ainda sobre recuperação patrimonial, o inglês Donald Hyslop, chefe de Parcerias e Relações com a Comunidade da Tate Modern, falou sobre o sucesso do museu britânico de arte moderna, o Tate Modern Gallery (construído sobre uma antiga central elétrica, em Londres). A mediação ficou a cargo de Antônio Carlos Sartini, diretor do Museu de Língua Portuguesa e Teixeira Coelho, curador do Masp.

Na mesa sobre ícones culturais, o seminário apresentou o Tohu (um dos maiores centros mundiais de formação em circo, em Montreal), na voz de seu diretor, o canadense Stéphane Lavoie. Em seguida, a construção arrojada do Museu Guggenheim, de Bilbao, explicada em detalhes pelo espanhol Roberto Gómez de la Iglesia (diretor da c2+i), reforçou a certeza de que a moderna arquitetura é imprescindível no caminho de uma nova dinâmica urbana. Colaboraram no debate os mediadores, Jorge Wilheim (Jorge Wilheim Consultoria) e Luiz Dias Guimarães (Santos e Região Convention e Visitors Bureau).

E, por fim, mediado por Caio Luiz de Carvalho, presidente da SP Turis, o seminário debateu os festivais organizados de dentro para fora, ou seja, com foco no local, mas com o objetivo de se projetarem mundialmente. Foram apresentados e analisados a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), com a participação de Mauro Munhoz (diretor da Flip), e os Festivais de Edimburgo (que existem desde 1947) representado por Faith Liddell (diretora dos Festivais de Edimburgo).

Carlos Minuano

Repórter de cultura. Além dos trabalhos em reportagem, dedica-se atualmente à produção de dois livros: Memórias Psicodélicas e a ficção Cigarro Barato.

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  • Pelo visto o repórter não foi ao segundo dia do evento. Os dois ultimos parágrafos são totalmente dispensáveis e exemplos do jornalismo picareta que vemos por ai. Uma pena, pois a reportagem sobre as primeiras mesas ficou interessante.
    Aproveito para parabenizar o Sesc e a curadora Ana Carla Fonseca pelo alto nível do evento e das discussões realizadas

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