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“Para a construção de uma cultura de gestão da cultura”

A edição nº 6 da revista do Observatório Itaú Cultural dedica-se à reflexão sobre os caminhos para a formação profissional do gestor cultural. Com textos de Albino Rubim, Leonardo Brant, Lia Calabre, Maria Helena Cunha, Rubens Bayardo e Sergio Miceli. Para ampliar essa discussão, o Blog do Observatório entrevistou o prof. José Márcio Barros, da PUC-MG, também presente na publicação: “O gestor cultural não pode ser um neo-colonizador dos modelos populares de gestão”

Observatório Itaú CulturalEm sua opinião –nos parâmetros de gerenciamento– como está o campo cultural brasileiro? Qual seria a sua proposta para um novo modelo de administração cultural?

José Márcio Barros – Penso que o campo cultural avançou muito na ultima década e consequentemente, teve que aprender a trabalhar com ferramentas de gestão cada vez mais apropriadas. Entretanto, este avanço se deu, em minha opinião, menos pela perspectiva do bem público e dos compromissos com a cidadania, do que pela pressão do mercado alimentado pelos mecanismos de patrocínio cultural e incentivo fiscal. Isso acabou gerando uma apropriação mecânica e pouco crítica de ferramentas da área gerencial, desprovidas de conceitos e teorias. Criamos um certo modismo gerencial e nos esquecemos da dimensão política e conceitual envolvida na gestão cultural. Reconhecer os avanços e superar os modismos me parecem ações igualmente urgentes, para a construção de uma cultura da gestão da cultura.

OICHá alguma relação entre a carência de investimentos e do consumo cultural com essa suposta má administração da cultura no Brasil?

JMB – A incompetência gerencial não diminui os recursos para a cultura, que são pequenos por falta de uma consciência e uma atitude que reconheça nela centralidade e urgência. Mas a incompetência gerencial diminui, drasticamente, a qualidade do que fazemos e as potencialidades e desdobramentos dos resultados.

OICÉ possível implantar leis mais fiscalizadoras e projetos avaliativos (uma nova gestão pública) que também possam atender a demasiada exclusão sociocultural vista no Brasil? Como seria isso?

JMB – Penso que no Brasil, temos uma tecnologia de avaliação de políticas públicas bem desenvolvida, mas nos falta duas coisas essenciais: a cultura da avaliação e do planejamento, ou seja, a falta de valor e compromisso com essas questões, além da descontinuidade das ações, programas e políticas, em função das políticas públicas funcionarem como políticas governamentais.

Quanto ao controle, sou a favor do controle social, ou seja, formas paritárias e transparentes de se dizer publicamente, o que funciona e com qual qualidade.

OICEsse tipo de regulamentação não poderia dar abertura para a censura nos meios artísticos?

JMB – Não vejo riscos de censura se o controle social for uma forma da sociedade civil e seus representantes se aliarem aos poderes executivo, judiciário e legislativo para atribuir valores ao que se faz com dinheiro público.

OICIniciativas como os pontos de cultura, do MinC, não demonstram essa transversalidade e, ao mesmo tempo, a avaliação necessária para um melhor rendimento?

JMB – Os pontos de cultura são provas concretas da necessidade de se mudar a cultura da cultura no Brasil. Por um lado, apresentam novos formatos de organização e funcionamento de espaços culturais, menos restritos à sua localização geográfica e mais considerados por suas capacidades de desdobramento, articulação etc. Por outro lado, são desafios ao aparato jurídico e administrativo do país. Colocam o universo das regulamentações em cheque, dada a dinamicidade e singular tipicidade dos grupos culturais do país. Daí sua vitalidade, nos coloca frente a possibilidades e limites.

OICEsse “descaso” das empresas do setor privado em desenvolver sistemáticas de avaliação e acompanhamento resulta em quais conseqüências? O que essas empresas perdem?

JMB – Não penso que o setor privado tenha um descaso maior com a avaliação e acompanhamento da cultura que o setor público e as não-governamentais. Penso que ainda não temos e nem damos o devido valor à gestão da cultura e quando fazemos isso, adotamos de forma pouco crítica modelos úteis para se pensar laranjas e automóveis, mas impróprios para se trabalhar as artes e a cultura.

OIC Como “gerenciar” a produção cultural frente à diversidade brasileira?

JMB – Fazendo com que a diversidade cultural seja pensada, não como um mosaico de diferenças, mas sim o campo fértil e tenso de co-existência e contaminação de diferentes modelos de se pensar e agir com a realidade. O gestor cultural não pode ser um neo-colonizador dos modelos populares de gestão. Deve se constituir como mediador de diferentes lógicas simbólicas e também administrativas.

Leia a íntegra do paper “Para uma cultura da avaliação da cultura”, de José Márcio Barros, no site do Observatório Itaú Cultural.

Por Carlos Minuano

Carlos Minuano

Repórter de cultura. Além dos trabalhos em reportagem, dedica-se atualmente à produção de dois livros: Memórias Psicodélicas e a ficção Cigarro Barato.

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  • Excelente este debate!

    Acho que o primeiro caminho é que devemos trazer aos mais altos níveis de transparência, estão relacionados à concepção perigosa da cultura edificadora. Enquanto isso não for quebrado, estaremos sempre erguendo estruturas em areia movediça.

    Há uma clara intenção de ampliar, nessas ações de inclusão, o conceito de redenção, de abandono dos processos naturais e no mergulho, tanto da sociedade quanto dos artistas, em paralelo com uma espécie de doutrina evangelizadora.

    Essa idéia edificadora atende a uma série de interesses, o primeiro deles habita na própria sociedade, que tem uma relação bastante impregnada de busca messiânica. O segundo está no universo de procurar saciar essa distorção. Profissionais ligados à arte produzem uma sensação natural de censores, uma espécie de sacristia vigilante de um comando maior ainda sob a lógica católica que inaugura e sustenta esse projeto de um Brasil ainda colonizado pela idéia catequista. Só isso justifica um ideário técnico com paralelo ao militarismo defendido por maestros neocons.

    O aumento significativo de verba para as orquestras infantís ou adultas, mostra que essa idéia edificadora ganhou muita força no Brasil. A intervenção ainda é uma lucrativa visão de, basicamente, todos os partidos que a grande maioria da dita sociedade organizada, uma cultura previamente compartimentada, determinada, vigiada mantém o nosso pensamento sobre cultura nos primóridios da própria civilização brasileira. Só isso explicaria porque não buscamos os efetivos resultados da promessa de salvação, de inclusão social. A edificação nos basta, e é aí que todo o processo de desequilíbrio social tem seu nascedouro.

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