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Para fazer bons editais

“Edital não é bem aquela leitura de café da manhã”, brincou Andre Degenszajn, Secretário-Geral do GIFE, na última segunda-feira (8/9), no Teatro Eva Herz, em São Paulo. Era o evento de lançamento do livro Editais de Patrocínio Empresarial – Como planejar seleções públicas de projetos (SESI-SP Editora), de Lárcio Benedetti.

De fato, ler edital não é das atividades mais agradáveis ou divertidas. Mas a plateia que foi até a Livraria Cultura do Conjunto Nacional estava lá justamente para ouvir e refletir sobre eles. Quem sabe tentar descobrir uma forma de torná-los mais palatáveis.

“A seleção de patrocínio por editais é uma forma de escolha bastante vantajosa, pois torna o próprio processo um meio de expressão da marca. Além disso, democratiza o acesso aos recursos, valoriza a meritocracia, revela mais projetos de qualidade e ajuda a neutralizar solicitações políticas”, afirma Yacoff Sarkovas, CEO da Edelman Significa, no prefácio do livro.

Foi na Edelman que Benedetti, administrador de empresas formado na FEA-USP e mestre em marketing pela Universidade de Budapeste, prestou consultoria para políticas e programas de patrocínio de empresas como Petrobras, Natura, Pepsico, Votorantim, Bridgestone, Nestlé, Philips, Microsoft, Nokia, entre outras.

Em entrevista ao Cultura e Mercado, ele analisa questões como as críticas aos modelos de apoio empresarial à cultura, as ressalvas com relação aos editais, os erros e desafios das empresas que se enveredam por este campo.

Cultura e Mercado – Hoje em dia ainda vemos muitas críticas ao modelo de apoio empresarial à cultura. Também vemos muita gente acusando determinados empreendimentos de se associar à arte como forma de validar seus negócios. Na abertura do seu livro você traz uma fala de Péter Inkei, diretor do Observatório de Budapeste, em uma audiência pública sobre patrocínio cultural da Comissão de Cultura, Juventude, Educação, Mídia e Esporte do Parlamento Europeu, em Bruxelas, em 2003. Ele convidava as pessoas a observarem as virtudes do patrocínio empresarial, “que não é filantropia, e sim uma ferramenta de marketing”. Na sua opinião, o que falta para o brasileiro entender melhor essa relação?
Lárcio Benedetti – No mundo, o patrocínio empresarial é considerado uma importante ferramenta de comunicação para as empresas e suas marcas. A palavra “marketing” aparece até em definições de patrocínio de vários autores. Trata-se de uma atividade sólida, que cresce continuamente ano a ano – o investimento global, que era de US$ 0,5 bilhão em 1982, superou em 2012 a marca de US$ 50 bilhões. Pesquisas apontam que o patrocínio responde por mais de 20% do orçamento de marketing e comunicação das empresas que o adotam.

Então por que há controvérsia em associar patrocínio a marketing no Brasil? A resposta é muito simples: leis de incentivo. Se no mundo, na maioria dos casos, o estímulo se dá com a possibilidade de a empresa lançar o investimento em patrocínio como despesa dedutível na hora de declarar sua renda, no Brasil as principais leis possibilitam que o valor do investimento seja deduzido diretamente do valor do imposto a pagar.

Traduzindo em números, imaginemos uma empresa que pague 25% de imposto. Se ela investir R$ 100 em patrocínio, terá na maioria dos países uma dedução de R$ 25, já que este valor não será engolido pelo fisco. Ou seja, a empresa arcará com R$ 75 e o Estado com R$ 25. O que ocorre no Brasil é bem diferente: a empresa que patrocina com R$ 100 terá um desconto dos mesmos R$ 100 quando for prestar contas ao fisco. O governo arcará com tudo e nada sairá do bolso do patrocinador. A conclusão é que a maior parte da produção cultural no Brasil é financiada integralmente com recursos públicos ao gosto do interesse privado. É por isso, então, que falar em marketing dentro deste contexto representa um certo tabu.

De tempos em tempos, a imprensa noticia casos de uso de recursos incentivados para o patrocínio a projetos essencialmente comerciais, como Cirque du Soleil, Rock in Rio, desfiles de moda e, agora, uma exposição de arte associada a um empreendimento imobiliário. É correto que tais projetos sejam financiados por recursos públicos, já que possuem maior facilidade de acesso ao dinheiro privado?

CeM – Qual foi o primeiro edital empresarial para cultura no Brasil e como as outras empresas adotaram isso depois?
LB – A empresa pioneira no uso de editais para a seleção de projetos de patrocínio no Brasil foi a Petrobras, em 1999. De lá para cá, a maior patrocinadora do País tem adotado ininterruptamente o modelo de seleção pública, o que acabou servindo de estímulo para muitas outras empresas. Durante esses 15 anos, os editais já foram utilizados por patrocinadores estatais e privados, dos mais variados portes e segmentos, como Natura, BNDES, Oi, Correios, Votorantim, Banco do Nordeste, Claro, Eletrobras, Cultura Inglesa, Comgás, Banco do Brasil, Porto Seguro, EDP, O Boticário, CSN, Vivo, Anglo American, Caixa, PepsiCo, Azul, Banrisul, Lojas Renner, entre outras.

Como referência aos editais, foram utilizadas experiências exitosas como Fundação Vitae e Fapesp. Graças a elas, o patrocínio empresarial passou a contar com regras claras, critérios transparentes e processo de avaliação técnico e independente, o que faz com que o modelo de seleção pública promova ao patrocinador uma série de benefícios relevantes. Quando bem estruturado, o edital ajuda na disseminação da política de patrocínio da empresa, propicia ativos de comunicação em diversos momentos, define processo, etapas e responsáveis pela seleção, orienta o envio de propostas de patrocínio, facilita a gestão das propostas recebidas, ajuda na formação de um portfólio de projetos sob um mesmo conceito “guarda-chuva” e transmite uma imagem positiva associada a igualdade de condições e transparência.

CeM – Na primeira parte do livro você coloca diversas afirmações a favor dos editais, mas diz que elas sempre vêm acompanhadas de ressalvas. Quais são as principais críticas a esse modelo?
LB – As afirmações a que você se refere são dos 84 profissionais que eu entrevistei para o livro. São pessoas envolvidas direta e indiretamente com editais no Brasil – patrocinadores, consultores, proponentes de projetos, formadores de opinião e integrantes de redes, comissões de seleção, academia, governo e imprensa. Esta diversidade trouxe uma visão aprofundada e complementar ao meu trabalho, já que traduz as opiniões de quem patrocina, de quem é patrocinado e de quem está um pouco distante, porém atento, à questão dos editais.

A expressão que eu utilizo para resumir todo esse universo de opiniões é “entusiasmo comedido”. De um lado, os editais possuem uma boa aceitação e são exaltados por todos os públicos. Porém, tão comum quanto os elogios são as ressalvas feitas pelos entrevistados.

Tais ressalvas são de duas naturezas distintas. A primeira aborda o contexto estratégico do edital, o “quando” ele é utilizado. Como os editais se tornaram uma prática popular nos últimos anos, algumas empresas decidiram utilizá-los antes mesmo de elaborar uma estratégia de patrocínio e de avaliar outras formas de seleção de projetos. A segunda ressalva trata do aspecto operacional do edital, o “como” ele é adotado pelas empresas. Muitas não percebem que ele é uma ferramenta complexa com diversos aspectos a serem considerados.

Ao compreender esses dois diferentes níveis de ressalvas, decidi dividir o próprio livro em duas diferentes partes, as quais batizei de Duas regras para fazer um edital. A primeira metade do livro discorre sobre a regra 1 – Só fazer se fizer sentido. Pelo enfoque mais estratégico, o leitor verá que o edital não é a única e nem necessariamente a melhor forma de seleção de projetos. A outra metade do livro é dedicada à regra 2 – Se é para fazer, melhor fazer bem-feito. De todas as formas de seleção, o edital é a que mais expõe o patrocinador. Por isso, olhando o aspecto operacional, o edital deve ser cuidadosamente planejado e implementado.

CeM – Quais são os principais desafios para uma empresa que decide criar um edital de patrocínio?
LB – Os desafios são estratégicos e operacionais. Do lado estratégico (referente à regra 1 – Só fazer se fizer sentido), a empresa tem alguns passos a dar antes de decidir pelo uso de um edital. Se imaginarmos o patrocínio empresarial como uma matrioska (aquele conjunto de bonecas russas), o edital corresponde à última e menor boneca. Para chegar a ela, a empresa precisa começar pela maior, que é o entendimento do patrocínio como uma ferramenta de comunicação corporativa ou de marca. Em seguida, a empresa precisa criar uma estratégia e uma política de patrocínio, que são as duas bonecas seguintes. Na sequência, serão avaliadas as diferentes formas de seleção de projetos que a empresa dispõe (a quarta boneca). O edital deverá ser considerado somente se surgir como a última boneca, como resultado de uma política de patrocínio previamente elaborada.

No aspecto operacional (regra 2 – Se é para fazer, melhor fazer bem-feito), a analogia é com o cubo mágico, o famoso quebra-cabeças tridimensional popularizado no Brasil na década de 80. O desafio está em estruturar todas as facetas do edital, não esquecendo uma única “peça” fora do lugar: regulamento, formulário e sistema de inscrição, orçamento, comunicação, articulações e parcerias, equipes de atendimento, comissão de seleção, entre outras.

CeM – Quais os principais erros das empresas no que se refere à implantação de um edital?
LB – Do ponto de vista estratégico, erra o patrocinador que resolve lançar um edital sem fazer a lição de casa prévia – sem passar pelas bonecas anteriores da matrioska. Isso ocorre pois o edital é uma forma de seleção já consagrada e que carrega em si uma imagem positiva associada a boa prática. Do lado operacional, o erro está justamente em imaginar que a simples adoção do edital já implica em boa prática. Com isso, a empresa pode cair na armadilha de não perceber a complexidade do edital, lançando uma seleção mal estruturada. É comum vermos, por exemplo, regulamentos incompletos, formulários de inscrição extensos e confusos, ausência de ferramentas e equipes de suporte, etc. Tais erros podem acabar prejudicando a reputação do patrocinador e, na carona, a imagem dos editais em geral.

CeM – E quais os erros dos proponentes de projetos?
LB – Editais mal estruturados acabam induzindo proponentes a apresentarem projetos falhos. Afinal, como esperar propostas de patrocínio bem estruturadas se o regulamento é incompleto e complicado, e o formulário de inscrição é extenso, burocrático e restritivo? Mas mesmo editais bem feitos recebem projetos mal inscritos. São casos em que o proponente não se atenta ao conteúdo do edital e tenta inscrever projetos não adequados ao foco de patrocínio da empresa. A dica é bem simples: não tente adequar o edital ao projeto, mas sim o projeto ao edital. Um edital bem elaborado pode servir de estímulo para ajustes, aprimoramentos e até a criação de novos projetos. O patrocinador valoriza propostas pensadas sob medida à visão de patrocínio dele.

A analogia da matrioska pode ser também muito útil para o proponente de projetos. Ele deve saber que o edital é uma pequena parte de um conjunto maior, formado pela visão de patrocínio da empresa e sua conexão com uma estratégia de comunicação. Neste sentido, eu sempre recomendo a proponentes que não se limitem ao edital em si, mas analisem também o perfil da empresa, os elementos de sua estratégia de comunicação (como valores corporativos e atributos de marca) a atuação em patrocínio, os tipos de projetos que ela já costuma patrocinar etc.

CeM – Estamos falando de editais em um momento em que também se critica muito a maneira como os produtores culturais ficaram “reféns” deles. A maioria dos projetos só acontece se for aprovado em algum edital e pouco se pensa em outras formas de sustentabilidade para as ideias. Você acha que as empresas de alguma maneira poderiam atuar no sentido de fazer desse apoio virar algo mais perene?
LB – Para que o patrocínio seja uma prática séria, consistente e contínua, é preciso enxergá-lo como uma ferramenta estratégica, integrada à comunicação institucional ou de marca nas empresas, muito além do mero aproveitamento de incentivos fiscais. Só assim é possível fortalecer a atuação e estabelecer uma visão de longo prazo, em que a relação entre patrocinador e patrocinado se dá de forma sólida e perene. Neste sentido, é indiferente se o patrocinador utiliza edital ou outra forma para a seleção de seus projetos de patrocínio, como a escolha direta ou o desenvolvimento de projeto próprio. Voltando à matrioska, o edital é apenas um meio para a seleção de projetos, não pode ser encarado como sinônimo de política de patrocínio. Assim, se a empresa pretende estabelecer parcerias de longa duração com seus projetos, ela pode perfeitamente fazer uso do edital uma única vez ou de tempos em tempos, quando julgar necessário. Afinal, como diz a nossa regra 1, o edital só deve ser utilizado quando fizer sentido.

*Lárcio Benedetti estará no Cultura e Mercado de 8 a 10 de março para o curso EDITAIS DE CULTURA. Clique aqui para saber mais.

Leia mais:
Editais: se é para fazer, melhor fazer benfeito
Os desafios do patrocínio cultural

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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