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Projetos internacionais sem arrependimento

Em tempos de recessão no Brasil e de escalada do dólar, desenvolver projetos no exterior – de simples participações em seminários a projetos de consultoria mais longevos – torna-se uma tentação. E, de fato, para quem gosta de deslindar culturas distintas e enfrentar desafios inusitados a cada dia, enveredar-se pelas trilhas do mundo é um deleite.

Como ao longo dos últimos 12 anos a Garimpo de Soluções atuou em 30 países, volta e meia algum colega nos pergunta como chegar a essas paragens. Não há receita pronta, mas alguns ingredientes certamente ajudam: circular em encontros relevantes nos meios internacionais, emplacar livros que expandam as fronteiras do conhecimento mundial, ousar e inovar em sua área de atuação, para que seu trabalho se destaque em qualquer contexto.

As dicas mais preciosas que podemos dar para quem quer atuar em outros países é de outra ordem – como evitar transformar um sonho em pesadelo. Embora algumas recomendações também possam ser úteis para trabalhos em casa, tudo fica mais complexo quando o projeto envolve mais de um país.

1) Segure a ansiedade e não caia na tentação de trabalhar sem ter contrato assinado. Por mais legítimo que seja o interesse das partes, às vezes o contrato simplesmente não é efetivado – porque a pessoa encarregada é demitida, o orçamento é cortado, outros interesses entram em jogo ou o que mais for.

2) No tocante a pagamentos, peque pelo exagero ao esclarecer todos os detalhes. Quando negociar valores, leve em conta que a taxa de câmbio que você receberá por seu banco é muito mais baixa do que a cotação de compra da moeda estrangeira com a qual você está acostumado – e a ela você ainda deve somar a taxa de transação de seu banco e, talvez, os encargos bancários de remessa ao exterior do contratante. Como sempre, o combinado não sai caro. Fora isso, discuta se o valor a ser recebido é líquido ou bruto. Em alguns países, como na África do Sul, é de praxe que o montante contratado será o que você de fato receberá; na Argentina, como no Brasil, via de regra o valor é bruto e a carga tributária pode inviabilizar o projeto, se você tiver de arcar com ela.

3) Seja detalhista no quesito prazos de pagamento. Assim como no Brasil, muitas instituições e/ou países são exasperadamente burocráticos e seus atrasos podem afetar o fluxo de caixa de sua empresa (ou de seu bolso). Idealmente atrasos devem incorrer em multa com índices definidos em contrato, embora muitas vezes essa cláusula acabe sendo pro forma. Como regra geral, não passe para uma nova etapa do projeto antes de eventuais pendências financeiras terem sido sanadas – por mais plausível que a razão do atraso possa parecer.

4) Emita nota. No caso de trabalhos no exterior você muito provavelmente terá redução de impostos (de ISS, por exemplo) e a nota servirá como comprovante a ser apresentado junto ao banco, para liquidar a ordem de recebimento do exterior.

5) Busque todas as informações que puder sobre a capacitação técnica e a solvência financeira da instituição ou empresa contratante. Às vezes, nomes ou títulos pomposos não têm nada por trás. O ideal dos mundos, como diz o colega Félix Manito, da Fundación Kreanta de Barcelona, seria termos um TripAdvisor dos consultores internacionais, compartilhando informações e avaliações. Na falta dele, recorra ao Google, a buscas sobre processos jurídicos, a contatos no país do contratante, às redes sociais, a colegas de colegas que possam referenciar seu potencial contratante ou fazer-lhe mudar de ideia rapidinho sobre o projeto que você quase topou.

6) Sempre que possível, tente incluir no contrato que o foro legal para eventuais disputas contratuais é o seu (embora, via de regra, seja o do contratante). Salvo para grandes empresas de atuação mundial, as custas judiciais no exterior são proibitivas para consultorias e instituições, o que acaba fazendo com que não receber seja menos caro do que constituir advogado para cobrar a dívida.

Se, mesmo seguindo essas recomendações, você tiver (ou tiver tido) problemas, não se recrimine. Em 2014 integrei um time de consultores muito experientes e com longo portfólio de projetos no exterior – dois colombianos, dois espanhóis, um argentino, uma canadense, um italiano que se devotaram com afinco para Mayagüez Puerto Rico Capital Americana de Cultura. Além de termos brigado por um ano, muitos de nós ficaram a ver navios, entre o calote do contratante local e a conivência do escritório que vende o título para as cidades interessadas.

Pilantras há em todas as profissões – mas não é por ter a infelicidade de cruzar com alguns deles que você vai deixar de levar suas bandeiras a outros cantos deste planetinha azul. Aperte os cintos por um tempo, pegue as dicas acima como cartilha e dê a volta por cima. Sua competência e sua paixão por seu trabalho certamente valem mais.

Ana Carla Fonseca Reis

Economista, mestre em administração e doutora em urbanismo, autora dos primeiros livros brasileiros em economia da cultura, economia criativa e cidades criativas. É consultora e conferencista em 29 países e sócia-diretora da Garimpo de Soluções.

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