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Para fazer valer a cultura

27 de dezembro de 2012: a presidente da República, Dilma Rousseff, sanciona a Lei nº 12.761, que institui o Programa de Cultura do Trabalhador e cria o Vale-Cultura.

27 de agosto de 2013: publicado no Diário Oficial da União o decreto nº 8.084, que regulamenta a criação do Vale-Cultura. Pela lei, trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos poderão receber vales mensais no valor de R$ 50 para gastar em produtos e atividades culturais (saiba mais aqui).

4 de setembro de 2013: Ministério da Cultura publica Instrução Normativa com o primeiro conjunto de regras sobre o uso do benefício, incluindo a lista de produtos e serviços que podem ser adquiridos: Artesanato; Cinema; Cursos de artes, audiovisual, circo, dança, fotografia, música, teatro, literatura; Disco e DVD; Escultura; Espetáculos de circo, dança, teatro, musical; Equipamentos de artes visuais; Instrumentos musicais; Exposições de arte; Festas populares; Fotografias, quadros, gravuras; Livros; Partituras; Jornais e revistas.

12 de setembro de 2013: MinC lança o hotsite www.cultura.gov.br/valecultura, que apresenta dados sobre o benefício, informações direcionadas às operadoras, aos estabelecimentos comerciais, à empresa empregadora e aos trabalhadores a serem atendidos pelo programa.

Segundo pesquisa da Ticket, existem no Brasil 34 milhões de trabalhadores com carteira registrada, com cerca de 82 milhões de dependentes; 64% pertencentes às classes C e D, com renda familiar inferior a R$ 1.500. Ainda segundo o levantamento da empresa, 5.128 milhões de empresas instaladas no país poderão aderir ao Programa de Cultura do Trabalhador; 42 milhões de trabalhadores poderão ser beneficiados e R$ 25 bilhões/ano poderão ser injetados na cadeia produtiva da cultura – em cerca de 1.200 teatros, 2.100 museus, 1.800 salas de cinema, 300 circos, 1.200 lojas de CDs/DVDs, 1.500 livrarias, entre outros espaços.

O Vale-Cultura foi bandeira da ministra Marta Suplicy desde que assumiu o cargo. Em um ano de trabalho, ela se dedicou a aprovar a criação do benefício no Congresso e a apresentar a empresários as vantagens de aderir a ele.

Karine Pansa, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), afirma que, no caso do mercado editorial, se cada indivíduo inicialmente beneficiado comprar um livro por mês, serão 12 milhões de exemplares anuais, o que significa quase 5% dos 268,56 milhões vendidos em 2012. “Acredito que o Vale-Cultura motivará o trabalhador a investir em livros, em geral, de acordo com a necessidade imediata dele e de sua família”, afirma.

Em reunião com a ministra no último mês de abril, o presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), Frederic Kachar, anunciou que estudos internos mostraram um crescimento em até 30% na venda de revistas no país a partir da entrada do Vale-Cultura no mercado. “Acreditamos que as revistas são uma importante porta de entrada para o consumo de cultura, além de ser um dos meios culturais com maior capilaridade no país. Também estamos discutindo a melhor forma de integrar o jornaleiro ao vale, mostrando as vantagens e lucros que o benefício trará para a profissão”, explicou ele na ocasião.

Do lado das operadoras, a Ticket, por exemplo, há mais de seis anos atua nas negociações para a criação do Vale-Cultura – e há alguns meses criou o Ticket Cultura. “É um produto de inclusão social e temos muito boas expectativas”, diz Sérgio Oliveira, diretor de Marketing e Desenvolvimento de produtos regulamentados da empresa.

A empresa vem fazendo um intenso trabalho de apresentação do benefício, em duas pontas: na divulgação do produto para o mercado e no credenciamento dos equipamentos culturais que vão aceitar o cartão. “Vemos uma boa receptividade. Acreditamos que isso vai ser tanto um incentivo para os profissionais das empresas, no seu aprimoramento cultural, quanto para os equipamentos culturais. Todos os que já visitamos nos receberam muito bem, porque o Vale-Cultura é um dinheiro novo para o mercado cultural, e todos os equipamentos estão se movimentando para disputar esse dinheiro novo”, afirma Oliveira.

Produção e circulação – Não só os equipamentos. Em razão do Vale-Cultura, acaba de nascer a Federação Brasileira das Cooperativas Culturais. “Estou muito interessada no Vale-Cultura desde que começaram as negociações para sua criação”, diz Bel Toledo, presidente da Cooperativa Paulista de Circo e responsável por reunir outras cooperativas em torno do tema. “O circo pode levar várias linguagens no seu espaço. Em cidades de pequeno porte, por exemplo, a chegada do circo, com o Vale-Cultura, passa a proporcionar o acesso de mais pessoas a mais expressões artísticas. Nossa ideia é aproveitar uma única lona para espetáculos diversos, como música. Vamos promover culturas transversais”, anima-se Bel.

Segundo ela, há mais de dois mil circos espalhados no país, que sobrevivem sem uma política pública que os apoie. “O Vale-Cultura também vai possibilitar reunir grupos e atividades de outras cidades do interior do país. Essa troca é o que vai oxigenar as atividades culturais”, acredita Bel, ponderando que, por ser “uma coisa nova”, muito deverá ser aprendido no caminho.

Menos otimista, Luis Felipe Gama, presidente da Cooperativa Paulista de Música, diz que é bastante crítico à iniciativa, embora entenda que o benefício deve ser aproveitado, já que existe. “Boas ideias têm surgido, como a da Cooperativa de Circo, de ocupar nichos que são desprovidos de apoio. Mas existem alguns perigos e defeitos na maneira como o programa foi formatado. Acho que deveria haver um critério curatorial mais claro do Estado sobre aquilo que pode ser objeto da compra ou não. Para financiar a produção cultural, você precisa de uma curadoria. Simplesmente colocar dinheiro na indústria cultural não é necessariamente interessante.”

Para Gama, deveria haver uma espécie de comitê, assim como a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – “talvez a própria Cnic”, diz ele – para definir o que pode ou não ser adquirido com o Vale-Cultura, já que também se trata de dinheiro público – empresas com base no lucro real podem destinar ao Vale-Cultura até 1% do Imposto de Renda devido; a isenção fiscal financia R$ 45 do benefício e os R$ 5 restantes ficam a cargo do trabalhador ou da empresa. “Essa indústria vai desde a revista Playboy até um grande espetáculo. Por isso o MinC não pode não pensar na legitimidade de conteúdo”, defende.

Ele conta que estão tentando se organizar num diálogo conjunto com as operadoras para conseguir algumas condições especiais e aproveitar o programa. Entre os motivos para ter essas “condições especiais” – ainda não divulgadas – é o fato de que, segundo ele, as cooperativas podem ajudar as operadoras e as empresas atendidas por elas a chegar numa “nova clientela”. “Conseguimos colocar na discussão que as operadoras não podem nos comparar com os bares onde se usa o vale-refeição. Nosso projeto está criando mercado onde não haveria. Agora, como financiar essa ida a alguns lugares ainda é uma questão difícil. Teremos que fazer esforços financeiros grandes para viabilizar”, pondera.

Gustavo Chicarino, diretor de Comunicação do Grupo Setorial de Pré-Pagos (GSPP), acredita que um nicho a ser beneficiado é o de teatro independente. “Eu acredito muito nas companhias de teatro. As redes de cinema já estão estabelecidas. Agora, as de teatro podem crescer com isso”, disse nesta semana em entrevista à revista IstoÉ Dinheiro. E assumiu que existe uma responsabilidade das empresas nesse processo. “Eu preciso mostrar para esse trabalhador que existe lugar adequado para consumir cultura. Isso é bem diferente do que alimentação, em que o processo de consumir é natural”, afirmou.

Elenor Cecon Júnior, secretário financeiro da Cooperativa Paulista de Dança, conta que as cooperativas têm apresentado às empresas um portfólio do que cada uma pode oferecer como produto cultural a ser consumido pelos trabalhadores. No entanto, ele acredita que o benefício só irá “emplacar” se o Governo Federal der condições mínimas para a produção. “O modelo praticado hoje, de seleção de projetos através de editais, está ultrapassado. O que precisamos é de política pública. Sem investimento na produção, não teremos o que oferecer para os trabalhadores que receberão o Vale-Cultura. Ou seja, mais uma vez somente os grandes produtores é que serão beneficiados.”

*Nossa reportagem fez contato com escolas de artes, lojas de instrumentos musicais e megastores de livros e música, para saber o que esperam do Vale-Cultura. Algumas não responderam por questões de agenda, outras porque ainda não estão familiarizadas com o tema. Fica aberto aqui nosso espaço – abaixo, nos comentários -, caso você tenha informações sobre outras áreas a serem beneficiadas e queira compartilhar.

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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