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PEC da Música – Uma luta de 7 anos

A PEC da Música acaba de ser promulgada no Congresso Nacional. A proposta surgiu a partir de uma iniciativa da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) e do grupo Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP), sendo acolhida e encaminhada pelo Deputado Federal do Rio de Janeiro Otávio Leite em 2007.

São dois os pilares de sustentação da PEC. Em primeiro lugar, um tratamento isonômico entre bens culturais, já que enquanto livros, periódicos, revistas e jornais são imunes de impostos, CDs e DVDs sofriam uma pesada tributação. Sendo ambos veículos que promovem a circulação de cultura pelo país, tal diferenciação não se justifica.

Em segundo lugar, era necessário corrigir uma distorção dentro do próprio setor musical, pois expressões de música brasileira independente, como de música instrumental e folclórica, vinham pagando mais impostos que grandes produções internacionais.

Mas ao longo de 7 anos de tramitação, a Proposta de Emenda à Constituição sofreu grande resistência da chamada ‘Bancada de Manaus’, incentivada pelo lobby de grupos multinacionais instalados no polo industrial. A principal razão da resistência? Cerca de 80% dos impostos pagos pelos encomendantes de outros Estados são devolvidos (“recuperados”) às fábricas lá instaladas.

A seguir transcrevemos o texto da emenda conforme aprovado (alínea “e”, do artigo 150 da Constituição Federal):

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
e) “Fonogramas e Videofonogramas musicais produzidos no Brasil, contendo obras musicais ou lítero-musicais de autores brasileiros, e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”.

Como se nota, a fabricação industrial de CDs e DVDs foi preservada como uma prerrogativa exclusiva da Zona Franca, a partir de um acordo feito durante a tramitação da emenda. Não obstante, mesmo com esta modificação acordada, a bancada do Estado do Amazonas continuou obstruindo o quanto pode o andamento da proposta.

Em suas análises sobre a PEC, o Senador do Estado do Amazonas Eduardo Braga alegou que, ao prever imunidade sobre “os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham (fonogramas)”, a PEC estaria dando imunidade também a uma infinidade de dispositivos multimidia, como iPADs, telefones celulares entre outros. Ora, ao prever imunidade sobre os suportes materiais, a PEC na verdade se refere àqueles insumos, como o plástico e o papel, necessários para a fabricação de produtos exclusivamente musicais (como CDs e DVDs). Se assim não fosse, manobras tributárias espúrias poderiam fazer incidir impostos indiretos na fabricação destes produtos culturais, desvirtuando a intenção do legislador de promover a cultura. O texto é análogo ao da imunidade sobre os livros (art. 150, VI, d, da CF):

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Portanto, a interpretação que se dá à nova alínea deve se restringir aos suportes necessários à fabricação de produtos exclusivamente musicais (CDs, DVDs, Blu-Ray e discos de vinil, por exemplo), não atingindo, obviamente, produtos multimídia. Caso a tese do Senhor Senador prevalecesse, rádios de pilha, televisores, alto-falantes, computadores e até mesmo os cabos de rede por onde passam os fonogramas, poderiam passar a ser também imunes de impostos! Mas ao contrário do que alega o Senador, a interpretação que se dá ao texto é análoga à imunidade dada aos livros, com o propósito único de prevenir possível tributação indireta sobre produtos culturais.

Numa análise econômica preliminar, estima-se que CDs e DVDs possam cair até 25% na prateleira das lojas. O preço dos downloads também deve cair, já que a tributação sobre a venda pela internet chega em alguns casos a 35%. Um outro desdobramento interessante diz respeito aos discos de vinil. A única fábrica remanescente de discos de vinil na América Latina fica num subúrbio do Rio de Janeiro. Como a tecnologia do vinil é diferente da dos discos ópticos de leitura a laser (CD, DVD), tais produtos também ficarão imunes de impostos, incluindo IPI, Imposto de Importação, Imposto de Exportação, bem como os insumos necessários para a sua fabricação. Pode-se esperar, portanto, um aquecimento também neste nicho de mercado. Outro reflexo previsto é uma rápida adaptação dos pontos de venda, em especial livrarias, em relação a esta nova imunidade tributária. Tendo em vista que as livrarias já trabalham contábil e administrativamente com a imunidade tributário de seu principal produto – o livro – pode-se esperar um aumento da presença da música nas gôndolas das livrarias.

Por fim cabe agradecer ao apoio suprapartidário recebido pela PEC da Música no Congresso Nacional, sem o qual não teria sido possível sua aprovação. É preciso ressaltar a participação fundamental da Deputada Jandira Feghali, Presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, e seu apoio incansável para esta causa. Num país em que incentivos fiscais costumam ficar restritos à economia “tradicional”, como os eletrodomésticos da linha branca; ou aos insumos da linha verde do agronegócio, é estimulante ver prosperar uma iniciativa para a linha vermelha, a linha das artes e da emoção.

Carlos Mills

Produtor musical e coordenador do GAP Pró-Música.

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