Categories: PONTOS DE VISTA

Pela degola dos cartolas da “cultura”


Com a perspectiva de novos horizontes para um modelo de mercado cultural auto-sustentável, suscitam novas teorias obrigatórias, lógico. Mas as perguntas continuam, isso significa a quebra de paradigmas? Teremos uma nova lógica nas relações comerciais entre arte e mercado? Essas perguntas terão que ser feitas. Vou ainda mais longe, tivemos mesmo um mercado de arte livre? Creio que não. O que podemos classificar como mercado cultural, não necessariamente está associado a música, teatro, cinema e etc. Esse mercado vem acompanhado de uma série de exigências de conteúdo, planos, metas, público alvo, mercado por mercado, bem ao modelo de quem vende sabonete, creme dental, utensílhos domésticos e bugigangas eletrônicas. Não que tenhamos que tratar a arte na dimensão excessivamente espiritual, como se o artista fosse um guru intocável, mas convenhamos, os moldes quase caricatos de uma arte conceitual via academismo e o top pop via fábrica do barato entretenimento do “bumbo do Zé Pereira yup, from Brazil”, também é um tanto quanto indigesto.

Não que a arte não interaja com a sociedade, ela é um organismo vivo e, naturalmente refletirá o seu cotidiano. E a economia é fator fundamental para a organização da sociedade. Portanto, a economia tem relevância fundamental no desenvolvimento da obra de um artista.
 
No entanto, isso passa a léguas de distância dos desserviços financistas de mercadores afoitos por vender qualquer coisa que, aliás, andam a impregnar ambientes de um promissor mercado de cultura via Lei de incentivo, com as suas lógicas de arrecadação de recursos fartos e fáceis, com suas práticas pouco honestas que caminham entre os gabinetes de políticos e os departamentos de marketing, deslumbrados com algum ativo midiático oferecendo produto de exposição tanto político quanto institucional para o marketing empresarial.
 
A arte, o artista, na realidade, não conhecem a tal liberdade quando se fala de mercado. Há um certo vício em ajeitar a prateleira, a vitrine para atrair a freguesia. No fundo, há um certo lápis na orelha do mercador pronto a fazer contas em cima de um embrulho de pão e, com isso, asfixiar a liberdade criativa, destruindo naturalmente a ponte entre a sociedade e o arte.
 
Mesmo clean, de bons modos ensaiados, o interlocutor nos cobra obediência, até quando nos pede para sermos rebeldes, desses fabricados em pré-lançamentos de seus produtos. Neste momento em que o artista participa dessa ópera dos horrores, a sua arte passa a ser um chiclete, um pirulito, uma língua de sogra que ele sopra contra os seus peóprios sentimentos, aqueles guardados em suas  utópias.
 
Quando uma química que tudo indica construirá nas próximas décadas entre Estado, mercado e artista, não estabelecem regras definidas de seus papéis independentes, assistiremos a uma micelância carnavalesca, ao samba do branco doido, ao mercado de cultura para inglês ver, bem próprio desse sururu que mistura conceituação culta com trampolins midiáticos para se chegar a um certo dumping e formatar a griff, está pronto o produto para ser consumido pela opressão, pela imposição, seja pelo mundão dos cultos, seja pelo mundo cão, que no final serão faces diferentes de uma mesma moeda, uma moeda impávida que nem está aí para a responsabilidade com o mercado cultural, está hoje vendendo arte como poderia estar vendendo penico, com o seu uso restrito de um urinório.
 
Tenho assistido embasbacado a invasão da manada caça-níquel a avançar sobre os recursos das leis de incentivo nas três esferas do executivo, ou seja, o mesmo agente, neotudo pela grana, veio literalmente com aquela gana de fazer barba, cabelo e bigode e não deixar pedra sobre pedra. Este bombástico empresário que está faminto, meio no desespero por ter perdido a condição de Dom King pela quebra do grande mercado internacional, anda agora a se reunir com cúpulas artístico/empresariais para atacar os cofres públicos. Munido do conhecido pragmatismo em prever o passado, este esperto corre atrás da grande estrela para que não haja qualquer dúvida sobre o seu investimento, então, recebe o start imediato do artista que há muito abandonou a arte pelo primeiro sabor de um flash bem remunerado e que ainda o expõe para o seu público preferido, o burguês sentido aristocracia. Esse é o mercado bonachão, charuto e chapéu copa norte, terno risca de giz, máfias das mais ferozes, gente que tramita bem nas grandes associações comerciais e não vai deixar a bola quicando na pequena área sem fazer o gol de placa afortunado. Esse artilheiro preguiçoso está ali na pequena área, não volta pra ajudar a defesa. Gordo, pesado, mas vivido no mundo da cartolagem, conhece bem os atalhos para construir as suas novas fontes de arrecadação e só fazer gols decisivos.
 
Há de se ter uma idéia bastante clara sobre as leis de incentivo, o porquê da sua criação, seria para proteger milionários que se esbaldaram com os slogans da moda, ao estilo sexo, droga e rock and roll, para se fartarem do mercado numa rebeldia teen típica da juventude média consumista, que são alvo dos produtos bancários já na porta das universidades?
 
O capital é flexível, digamos, excessivamente flexível, tanto que não tem pátria, tanto que cobra uma cultura sem pátria com o discurso virtual universalesco, obreiro nas fortunas particulares, seja aonde for. O artista que não resistir a essa tentação vira produto desse roda-moinho, dessa roda-viva que o segregou e que motivou outros tantos a cobrar responsabilidade do Estado em apoio aos que resistiram à manada migratória rumo a Disneylândia. Não será agora que, em nome de uma certa democracia cultural, o governo vai permitir o abrigo estatal dessa vergonhosa prática de mercado, que pode ser tudo, menos cultural.
 
Imagino eu que a arte seja um daqueles instantes em que o ser humano concebe a vida, daqueles momentos de extremo cuidado com o ser alí no seu nascedouro, na forma como foi nutrido, alimentado, isolado para que todas as garantias de sua sobrevivência diante do meio fossem lhe dadas.
 
O Ministério tem a responsabilidade de proteger este ambiente, fortalecer esse aspecto da sociedade, ter a sensibilidade e coragem suficientes para barrar esses forasteiros, espertalhões que andam agora a cavar, ou melhor, a agiotar a arte tomando lugar de gestores, produtores sérios e artistas comprometidos em construir um mercado responsável, pensamento que pode ser extremamente virtuoso se tocado com a devida responsabilidade. Esse mercantilismo que anda à solta captando recursos que originalmente seriam para o financiamento da resistência e mudança de paradigmas, tem que ser detectado e imediamente debelado em sua fonte para que não irrigue mais e não mais contamine tanto o balcão politico quanto os departamentos de marketing, senão, as leis de incentivo serão a fogueira migratória com cem por cento de chance de dar certo, de um mercantilismo que agora nem investimento primário precisam ter para se afortunar com os retornos. Com as leis e seus opulentos recursos concedidos a esses cartolas, o pacote já vem pronto e com zero por cento de risco no seu investimento. E mais uma vez frustrar um possível ambiente salutar no campo da cultura.

Carlos Henrique Machado Freitas

Bandolinista, compositor e pesquisador.

View Comments

  • MUITO BOM!
    Isso e um texto muito verdadeiro sobre a situaçao da arte e do artista no Brasil. Explica muito bem o ponto o qual o Brasil chegou por ausencia de politicas culturais corretas. Pois o que ha aqui sao MEDIDAS criadas por politiquinhos burocratas provincianos e incultos, que resultam na situaçao acima descrita pelo Carlos Henrique Machado Freitas. O burocratinha da cultura, colocado no posto por apadrinhamento, mostra o diplominha de |mestrado de artes|, de uma faculdade brasileira, decorou tudo, mas a nada transcende, pois falta ali um outro feedback cultural. E essa gente nao gosta de artistas, nunca chegam a entender de arte, pois falta a eles ATITUDE para se aproximarem de algo do qual nao fazem parte, de forma alguma.
    No Brasil nao existe uma noçao sobre a chamada Economia de Fundo Perdido - que na verdade nao se perde, mas que retorna ao circuito economico de uma outra forma. Mas a incrivel , corrupta avidez do brasileiro nao deixa as coisas acontecerem. Haja visto a expressao ECONOMIA DA CULTURA... Que nada mais e que o brilhante articulista acima descreve. Dentro da sabença tacanha do governo Lula, tudo tem que gerar emprego e renda...Entao uma exposiçao institucional e um fenomeno ridiculo com 40 pesoas participando em montagem, fotos, arquitectura da exposiçao, desembrulhar as embalagens, colocar pregas, varrer o chao, colocar numa ordem assim assado, sem participaçao do artista,
    Claro. E algo comico e caricatural... Isso esvazia totalmente um conteudo espontaneo, simples, verdadeiro. Esta palhaçada avida intimida e inibe um fenomeno dirigido ah percepçao - no fundo e uma grande grossura, falta de educaçao.

  • É muito bom, pena que estou sem tempo de comentar mais profundamente...
    Mas não creio que este govertno, como diz o comentário anterior seja assim tão tacanho, é preciso realmente repensar Política Cultural e o raio desta Economia da Cultura, pior é se lembrarmos do òikos e o nomos...
    pior é minha cidade, que nós do terceiro setor tivemos que iniciar um processo de discussão sobre política cultural, as leis de incentivo então começaram a ser utilizadas agora, e nem nossa identidade regional está razoavelmente clara, sou um da meia dúzia de pesquisadores desta região pobre de Minas Gerais...
    Mas no frigir dos ovos, não podemos privatizar o Minc assim como fizeram na década de 90 com vocês sabem muito bem o quê.
    Carlos Henrique, parabéns, mas o que podemos fazer a mais?
    Estou entrando agora nesta área cultural e não fiz "mestrado em arte", sou cientista social e não artista, mas sei da necessidade que se tem de preservar e subsidiar o artista, a arte, se não não existiremos daqui a pouco...

Recent Posts

Consulta pública sobre o PAAR de São Paulo está aberta até 23 de maio

A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo abriu uma…

6 dias ago

Site do Iphan orienta sobre uso da PNAB para o Patrimônio Cultural

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou a página Aldir Blanc Patrimônio,…

1 semana ago

Seleção TV Brasil receberá inscrições até 5 de maio

Estão abertas, até 5 de maio, as inscrições para a Seleção TV Brasil. A iniciativa…

1 semana ago

Edital Transformando Energia em Cultura recebe inscrições até 30 de abril

Estão abertas, até 30 de abril, as inscrições para o edital edital Transformando Energia em Cultura,…

2 semanas ago

Congresso corta 85% dos recursos da PNAB na LDO 2025. MinC garante que recursos serão repassados integralmente.

Na noite de ontem (20), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso…

2 semanas ago

Funarte Brasil Conexões Internacionais 2025 recebe inscrições

A Fundação Nacional de Artes - Funarte está com inscrições abertas para duas chamadas do…

3 semanas ago