Debate com o filósofo Pierre Lévy demonstra que as tecnologias de informação possibilitam novas formas de comunicação e trabalho coletivo, mas o centro das redes é, forçosamente, o homem.
A interação humana através de ferramentas virtuais e da presença física, ou, como preferem os intelectuais, Inteligência Coletiva, foi tema de debate no dia 16 de agosto, num auditório da Fundação Telefônica, em São Paulo. O encontro reuniu, além do mediador, o professor Rogério Costa, do Laboratório de Inteligência Coletiva da PUC-SP, representantes da Fundação Vanzolini, da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social do Estado de São Paulo e da Fundação Telefônica e o filósofo Pierre Lévy.
Do currículo Lattes de Rogério Costa, emprestamos a definição do conceito em pauta, cunhado por Lévy: trata-se de área interdisciplinar que reúne principalmente estudos sobre comunicação no ciberespaço, redes sociais, capital social, ciências cognitivas, inteligência artificial, tecnologias da informação e tecnologias de agentes inteligentes. Um dos desdobramentos desses estudos liga-se ao advento da Web Semântica, que é promovida, por um lado, por Tim Berners-Lee e, por outro, por Pierre Lévy. Ambos acreditam que a atividade coletiva na Web pode ser fonte para novas ferramentas que auxiliem os usuários em suas buscas por informação relevante.
Dois desdobramentos foram mais explorados neste debate: potenciais das redes de informática para a constituição de redes sociais e a relação entre estas redes e o sistema de ensino (Leia reportagem Tecnologia para qual educação?).
Em entrevista ao 100canais, Costa afirma que estas aplicações desenrolam-se em dois ambientes diferentes: os de trabalho – com treinamento e capacitação, onde já se desenvolvem soluções para a educação contínua e à distância, formando novas competências – e o potencial para os ambientes de geração de conhecimento educacional, foco do debate. “Por esse viés, não se supõe que a atividade presencial possa ser substituída pela atividade virtual, mas que ambas vão constituir cada vez mais o universo da aprendizagem, pois a presencial tem aspectos positivos e importantes, como a relação entre os alunos e a atenção do professor, percebendo diferenças e necessidades de cada um. No virtual, muito tem sido tentado, e a importância das tecnologias pode ser distinguida entre o fato de você contar com uma fonte de informação de qualidade, que é o primeiro aspecto, e a geração de conhecimento”, afirma Costa.
Costa coloca ainda que, para explorar estas potencialidades, é necessário ainda aprendermos, em larga escala, a trabalhar em rede, o que significa não apenas a habilidade técnica para lidar com a digitalização e com a inclusão digital, mas também que se desenvolvam uma série de competências: trabalhar em rede ou em grupo, o chamado trabalho coletivo, e a necessidade, pontuada por Lévy, de criar mecanismos para recompensar este trabalho em ambientes como o acadêmico; pensar de forma indutiva, gerando conhecimento; a capacidade de articular pensamentos de forma paralela; competência para atuar com linguagens diferentes e vocabulários diferentes, grosso modo entendendo que os termos têm diferença em relação a seu ambiente, e que, disso, advém o pensamento crítico.
Estas competências, porém, não são fruto somente das tecnologias, mas da forma como aprendemos a nos apropriar delas. “A questão é a maneira como interagimos com a tecnologia, o que está totalmente relacionado com as formas de interação da sociedade. Hoje ela é totalmente diferente do que era há 15 anos. Um fator que determina esta diferença é que o trabalho cada vez mais se baseia em conhecimento e informação, e na capacidade de interagir em rede, de onde advém a necessidade de cooperar e colaborar”, completa o acadêmico.
As mudanças tecnológicas, pondera Costa, são o ponto de partida para as novas funcionalidades do aprendizado à distância, ancorado sempre em um paradigma necessário à eficácia do trabalho em rede: para adquirir uma competência ou realizar uma ação em rede, você não deve somente oferecer ou pedir algo, mas partir de uma memória coletiva, de uma identidade de determinado grupo e da relação entre identidade e o objetivo daquele grupo. Em outras palavras, como colocou Lévy ao ser questionado sobre como fazer uma proposta de rede social virtual com fins filantrópicos funcionar, a estrutura social, a ferramenta que compõe ou que é composta pela rede formada deve basear-se na auto-organização, contrabalançada por lideranças positivas, como é o caso da wikipédia e dos softwares livres, com sistemas de garantias da qualidade do que está sendo feito, ou de efetividade das ações empregadas.
Esta necessidade de novas competências reflete-se também na reestruturação de espaços, profissões e instituições. Sergio Amadeu, professor da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, coloca um exemplo: o jornalismo. “O jornalismo hoje está em crise, pois o modelo tradicional de que informação de qualidade só é feita por uma empresa não está mais intacto. Hoje colunistas viraram blogueiros, e o papel do jornalista é mais o de ser uma conexão em uma sociedade que atua em rede, e não um especialista, um detentor de conhecimento”. Neste sentido, completa Amadeu, adventos como a ética hacker e a capacidade de criar ferramentas livres em conjunto são soluções para ambientes desgastados, a conceitos estanques que não permitem que as instituições se adaptem a este novo momento, em especial a escola.
Redes não são novidades há muito tempo
“O trabalho em rede não é algo novo, e a gente precisa desmistificar a própria rede. Ela não é uma invenção de engenheiros, de hackers ou da Internet. Do ponto de vista social, redes não são necessariamente digitais, um exemplo é a máfia. O digital em si é que é a novidade”, pontua o professor e pesquisador Gilson Schwartz, da USP, ao que completa: “Em muitas atividades já aprendemos em rede – ou seja, nem de forma hierarquizada, nem de forma monástica. É importante não tornar a rede novidade quando assume o caráter digital, uma desculpa para se dizer que todos têm de aprender a trabalhar em rede imediatamente”.
Feita esta observação, Schwartz coloca-se como favorável à aplicação destas tecnologias, porém pontua que sua democratização, com a abertura para sua utilização de forma aberta nas escolas, empresas e em outras estruturas burocráticas terá algumas dificuldades para se estabelecer. “A rede digital traz um potencial não monetário e não competitivo, ao contrário da estrutura das escolas, empresas e burocracias, perpassadas pela lógica capitalista. Podem surgir disso outras formas de se relacionar, de pensar e de atuar nestes espaços. O problema, hoje, é político, simbólico e institucional. As pessoas estão dispostas a perder estas formas de controle? A tecnologia não dá estas respostas, mas apresenta um potencial aprendizado emancipatório, que necessita de uma predisposição destes ambientes para atuar. É necessário abrir para novas formas de controle ou de descontrole, mas isso depende dos objetivos de cada instituição”.
Futuros?
O que Lévy e outros entusiastas dos potenciais da web colocam para o futuro é, em especial, a capacidade quase infinita de novas aplicações para o conhecimento virtual, novas formas de atuar em rede e novas formas de produzir conhecimento em processos colaborativos. Estas iniciativas, por sua vez, aparecem em todos os cantos do mundo, e têm, cada vez mais, adeptos nos ambientes acadêmicos nacionais.
Na Lapa, zona oeste da cidade de São Paulo, a Estação Ciência da USP faz o duplo papel de museu e centro de educação e difusão científica. Para sua diretora, a professora Roseli de Deus Lopes, um dos maiores potenciais destas tecnologias está justamente no ensino da ciência em caráter de apoio ao ensino formal. “As novas tecnologias abrem uma série de possibilidades de ambientes de simulação nas escolas, para instigar seus alunos para projetos e conteúdos, através de uso de ferramentas em 3D, mapas e situações com ação e movimento, mas os centros de ciência têm condições de compartilhar melhor estas estruturas. Hoje, temos dificuldades para manter até mesmo estes centros, dado o alto custo de manutenção e a necessidade de manter monitores qualificados”, coloca Lopes. Em São Paulo, a USP mantém, além da Estação Ciência, o Parque Cientec, também de divulgação e difusão científica, na região sul da cidade. A instituição tem um ambiente imersivo que simula uma nave espacial, batizado de nave Mario Schemberg, e que faz uma “viagem” de 20 minutos, enquanto ensina física e processos de colaboração.
Para Ronaldo Lemos, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e representante do consórcio Creative Commons no Brasil, de certificação digital em modos não proprietários (como o sistema de direitos de produção intelectual que rege esta matéria), é necessário atentarmos para o processo de surgimento e consolidação de modelos novos de gestão do conhecimento, que se distanciam do modelo tradicional do século XX. “O significado da abertura dos materiais por parte das instituições é que elas estão preocupadas em competir não com o conhecimento gerado no passado (mesmo no passado próximo), mas sim com relação à capacidade de gerar o conhecimento novo, do futuro. Abrir os materiais didáticos para o público em geral aumenta a responsabilidade das instituições de ensino, na medida em que gera uma enorme transparência”, situa o acadêmico, e completa: “No Brasil, posso citar o exemplo do nosso curso de propriedade intelectual na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas. Todo o material de classe, escrito pelos professores da FGV está disponível on-line. Além disso, os alunos usam a ferramenta para disponibilizar suas anotações de classe e pesquisas, o que leva ao compartilhamento do conhecimento gerado, criando um diálogo que se renova através de cada ano. A disponibilização livre do conhecimento, especialmente acadêmico e científico, é sim uma tendência”.
Outros projetos, como a Wikipédia, já são referências mundiais, e contam com colaborações de diversos acadêmicos, como Lévy. A base para tudo isso, da metareciclagem (Veja reportagem) ao software livre (Leia cobertura completa sobre software livre) está no princípio das redes, o mesmo que cria, grosso modo, iniciativas do Criança Esperança ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra: o ser humano não é somente um animal capaz, como necessita de atuar em projetos colaborativos, e a partir deles cria instituições e regras sociais, sempre a partir de sua realidade local e de um objetivo ou necessidade comuns aos que com ele se associam.
Guilherme Jeronymo
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