O que é pirataria? Quem são os verdadeiros usurpadores do conhecimento alheio? Quem a pirataria beneficia? E quem atinge? Podemos considerar piratas crianças e jovens que compartilham arquivos, se apropriando do conhecimento gerado por nossa civilização? Quem é o autor de uma obra remixada? Existe obra 100% original? Como sobreviverá o artista diante da proliferação da dita “pirataria”? E a indústria cultural, é necessária numa época de compartilhamento de dados pier-to-pier?

O compartilhamento de arquivos e conteúdos culturais é uma realidade da cultura contemporânea, sobretudo com o avanço do acesso às tecnologias de comunicação e informação e à banda larga. A discrepância entre essa nova cultura e as leis que protegem os detentores dos direitos patrimoniais de obras de interesse público torna-se gritante e anacrônica.

A legislação de muitos países – inclusive o Brasil – está em pleno precesso de mudança, com uma certa tendência ao recrudecimento das leis, cerceando as práticas de circulação de conteúdos culturais e a criminalizando o download. No âmbito internacional, presenciamos o surgimento do ACTA, que pode ser traduzido como Acordo Comercial Anti-Falsificação, arquitetado a portas fechadas.

Este assunto é dos mais importantes, não só para as políticas de cultura, mas para qualquer projeto de desenvolvimento, pois confronta diretamente o mercado estabelecido e altamente concentrado, nas mãos de um número muito reduzido de conglomerados de comunicação, que juntos dominam mais de 80% do mercado mundial do imaginário.

De outro lado, fica a dúvida de como artistas, compositores e escritores poderiam se sustentar, sem a garantia do direito de autor, elemento indispensável para o estímulo à criação. Este é o direito cultural mais antigo, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Carta Magna brasileira. Mas será que a dita “pirataria” impõe sérias restrições ao artista em sua luta por sobrevivência?

Na luta contra a concentração de poder das corporações o autor não pode ser deixado de lado. Já vivemos uma espécie de ressaca dos tempos de livre circulação, sobretudo na música. Em um momento de euforia cidadã, muitos compositores, fotógrafos, escritores, liberaram suas obras para livre circulação, mesmo sem saber como iriam sobreviver delas mais tarde. Em alguns casos, essa atitude gerou liberdade, inserção de mercado, possibilidade de circulação e ganhos efetivos em outros nós da cadeia produtiva, como a realização de shows e vendas online. Mas em outros gerou frustração, pois os novos mercados exigem determinadas habilidades que nem todos os autores têm.

O conhecimento por nós produzido deve ser acessível a todos. O acesso a esse conhecimento não pode ser decido por corporações, tampouco financiado por artistas. Faz-se necessária a discussão do papel do Estado e do mercado na defesa desses interesses contraditórios.

São muitas perguntas incômodas a serem respondidas. As respostas dependem de articulação, de vontade política, de pressão. E principalmente de discussão e propostas de caminhos viáveis para uma transição saudável e viável de modelos econômicos.

Longe de estar resolvida, a questão gera uma guerra que envolve diplomacia, um poderoso lobby e interfere diretamente na vida de todos nós que criamos e desejamos fazer circular nossas obras.

Enquanto isso, na sala de justiça: Pirata é a Mãe!

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • A gente gosta de esculhambar mesmo, é da gente. A gente que vive num país em formação, cheio de defeitos, a gente gosta de bagunçar, de ver o circo pegar fogo. É doença pequeno burguesa. Pirata é coisa burguesa também. Aqui a gente tem essa coisa subdesenvolvida de glamourizar pirata, o ladrão. Pirata é o ladrão, o que pilha, rouba, age pela desordem. Aqui tem gente que acha bacana...depois dá um tremendo trabalho pra recuperar o tempo perdido com a graça de achar bandido, mocinho. Como se não houve a cota de bandidos bem grande pra gente ter que cuidar.
    No caso atual a pirataria serve ao Sistema. Isso mesmo, paradoxal que pareça a Nova Ordem vai se estabelecendo e lança mão do inimigo para seu serviço sujo, o de desmobilizar a velha ordem. É o pirata que acaba com a lucratividade da velha ordem, é ele que destrói o mercado velho, para o estabelecimento do novo, onde lhe é consentido subjetivamente um espaço de atuação até que as forças da Nova Ordem o expulsam e reprimem. O mundo é velho, as historinhas parecem novidades, mas o mundo é velho. Os oportunistas aproveitam e tentar fazer política, a baixa política dos acontecimentos, propõem uma sociologia de balcão e uma filosofia derrotada. Pirata é mãe do filho da puta.

  • No caso atual a pirataria serve ao Sistema. Isso mesmo, paradoxal que pareça a Nova Ordem vai se estabelecendo e lança mão do inimigo para seu serviço sujo, o de desmobilizar a velha ordem. É o pirata que acaba com a lucratividade da velha ordem, é ele que destrói o mercado velho, para o estabelecimento do novo, onde lhe é consentido subjetivamente um espaço de atuação até que as forças da Nova Ordem o expulsam e reprimem. O mundo é velho, as historinhas parecem novidades, mas o mundo é velho. Os oportunistas aproveitam e tentar fazer política, a baixa política dos acontecimentos, propõem uma sociologia de balcão e uma filosofia derrotada. Pirata é mãe do filho da puta.

  • O país passa por mudanças as quais temos que discutir e aguardar, mas enquanto isto as coisas poderiam funcionar de uma forma melhor.

    Na área Musical temos duas vertentes dos direitos.

    De um lado o Ecad.
    Orgão profissional na arrecadação dos direitos, porém na hora do repasse peca muito,repassando as verbas sempre para os mesmos , realizando um trabalho por amostragem que só beneficia os 100 mesmos (milionários) da música brasileira, enquanto que artistas de menores portes nada recebem.

    De outro lado as Editoras (que sofrem devido a pirataria e a internet)
    mas que tentam repassar a sua crise para as gravadoras e artistas independentes cobrando absurdos para liberação de músicas para gravações em cds, inviabilizando as gravadoras independentes ou seja quem ainda honra com os direitos autorais.

  • Gostei muito do artigo, Leo. As perguntas são altamente pertinentes. E são perguntas (rs): servem ao debate, não têm respostas prontas, fechadas, imediatas; pois o tema exige mais reflexão, como você propõe.
    Só resolvi comentar para fazer um esclarecimento diante do comentário do Gil. Existe a pirataria que o senso comum denomina, que é o camelô vendendo DVD e CD a "cinco real". Outra coisa é este nosso mundo "líquido" (adoro o Bauman) onde o compartilhamento de arquivos já é uma realidade. É absurdo querer criminalizar o download e isto está sendo chamado de pirataria tbm. Aí sim: é a mãe!!!
    Questões cruciais e difíceis de responder - quando conseguirmos teremos solucionado o problema - são as questões do artista (a eterna sobrevivência do autor!) e do acesso ao conhecimento. Conciliar estas coisas é o desafio da nossa geração de produtores.
    Abraços, Dani Torres.

  • O velho ECAD paga muito bem aos mesmos cem autores que além de milionáros, pagam muito bem seus advogados para receberem uma boa mas ainda pequena parte do que o ECAD arrecada, mas só bons e bem pagos advogados não seriam suficientes... o que determina esse pagamento é o fato desses cem autores serem "formadores de opinião pública", pelo alcanse de suas obras e pelo espaço que tem na velha e concentrada mídia. Isso significa dizer dentro da velha lógica dos "podres poderes" que o ECAD cuida muito bem daqueles que detem poder suficiente para mudar a escandalosa realidade da maversação dos recursos arrecadados.

    As raízes desses problemas estão na falta de democratização do conhecimento (cultura) e dos meios de produção e comunicação (tecnologia). Agora essa concentração do mundo dos saberes esta ameaçada por novas tecnologias criadas e desenvolvidas em laboratórios livres, abertos e compartilhados por muita gente, logo, fora do controle dos direitos autorais, dos estados, dos proprietários de conteúdos e etc... isso tudo exige que trabalhemos com novos conceitos, que criemos novas legislações, que adotemos novas e corajosas atitudes como a que o CULTURA E MERCADO adota, (parabéns) A questão é que no novo mundo das velhas fronteiras ainda nos comportamos como se os "piratas" fossem os outros mas basta um pequeno passeio por qualquer info via pra sentir que uma nova abordagem esta se desenhando no cenários das fronteiras, novas fronteiras...

  • como eu dizia, a gente faz a bagunça, a gente não entende de nada, a gente somos inútil mesmo, a gente quer encontrar arguments e acontecimentos simplesmente pra não ver o que está diante dos nossos olhos...a gente somos isso aí mesmo...a gente quer falr mal da lei usada pela Bethânia ou pelo Caetano, a gente quer falar mal de quem cobra direitos no ecad, a gente quer falar mal de quem cobra o seu preço...a gente quer ver o circo pegando fogo, a gente quer discutir e debater, a gente não quer avançar, a gente quer esperar que alguém avance e aí então a gente vai atrás, a gente tem muita covardia também...uma bomba destruiu tudo e a gente quer discutir e debater o que vamos fazer...diante dos escombros. A gente ainda quer viver a democracia...

  • Tudo que eu tenho a dizer é: Mandem/discutam esse texto pros eleitores do Eduardo Azeredo - PSDB-MG

  • Bom dia Brant

    Cito sua finalização:

    O acesso a esse conhecimento não pode ser decido por corporações, tampouco financiado por artistas.

    Será mesmo?

    Essa é a estetica do " artista brasileiro contemporaneo "?

    Uma estetica regulada pelo estado, sem uma visão critica de sua arte, e refém de uma estetica de governo ?

    Quando voce fala de conhecimento por nós acessivel a todos, isso gera
    serias medidas socio economicas para se fazer relevante.

    Posso citar algumas,exclusivamente aos profissionais da musica

    01) Modernização e presença do ECAD em todos os estados, as corporações televisivas e de radio difusão, especialmente a radio "publica", que não pagam direitos aos artistas.

    02) Artistas que fazem mercado independente amador, aonde não gera renda aos seus agentes, não cobrando dos contratantes, contratos, notas fiscais de serviço, e sem nenhuma fundamentação sobre o uso comercial do seu trabalho. ( vide feira da musica do ceara e outros eventos similares e o contraponto a espetaculos que cobram ingressos no eixo RJ/SP com esses mesmos recursos )

    03) Dependencia de "verbas publicas" para tudo que tem nome de cultura,( artista usado como plano de negocios, plano de governo )e manutenção de um mercado , aonde o estado é o produtor da geral, arquibancada e cadeira.(vide MINC e suas diretrizes )

    04) Como citado aqui anteriormente, criticas a esse mesmo estado por pagar verbas em nome de plano de marketing das multinacionais a artistas nacionais extintos de gravadoras, e hoje produtores renomados, e que tem total poder de negociação na viabilização de seus projetos , tanto a nivel de pre-pro e pos produção ( vide caso Gilberto Gil ), sem precisar desse " caixa cultural " , que deveria ser para fomentar novos artistas sem chance de negociação como essas celebridades do mercado do show business e realizar sua função social.

    E por ai vai----dois bicudos num se beija, dois boca mucha pior, dois concurdas não se abraça , por causo dos carracois ( como falava D Minervina, minha finada avó )

    Eita Brasil e outros Brasis !!!!!!!!!!!!

    Att

    Marcio Menezes

  • A indústria e seus agentes:
    É injusta, corrupta, ladrã, preconceituosa, intimidadora, e tantos outros adjetivos que levem a compreensão dessa forma de agir e pensar que usurpa a distribuição do conhecimento em sua atual e antepassada forma de ser...

    O artista:
    Têm que seguir inventando! Parece que os dias de hoje representa a parte mais difícil dessa ladeira...
    Uma vez superada, haverá luz?

    O futuro:
    O ideal é a distribuição de renda e benefícios! Como? E quem deve ganhar mais? E quem trabalha mais? E quem não faz nada? Outra ladeira a superar!

    Creio que a questão não é cultural nem política! É social, ética, humana!!!
    Estamos em um modelo falido de forma de vida e as mudanças necessárias não são somente em um ou outro campo de nosso dia-a-dia! É em tudo!!! A mudança de pensar e agir, de distribuir e de gratificafr o esforço de cada um! Mas isso vem desde o berço, com estímulo e oportunidades iguais para todos, todos querão fazer a sua parte! Temos é que limpar nossa história!!

    Enfim...

  • Acho que essa discussão ainda vai longe. Será necessário garantir o ganho do autor por sua obra, sem que se cerceie o direito de acesso que afinal permite e garante que o autor seja reconhecido e conhecido por um publico cada vez maior. Afinal obra sem leitor, ou ouvinte, ou apreciador, é obra morta, e o sonho de qualquer autor é ser lido, ser visto, ser ouvido. Cada obra encontra seu público, seja qual ela for.(como a varinha do bruxo). Já não é só maneira de dizer " de um lugarzinho qualquer para o MUUUndo!". Isso acontece de verdade. Que bom! Então tem que se achar uma fórmula de universalizar a cultura, sem prejudicar ninguém. Só me incomoda esse "Pirata é mãe". Não dá pra deixar a "mãe" de fora?
    Maria Luiza

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