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Podcast e o futuro do rádio

2014 marcou o ano em que podcasts voltaram a ser assunto. Na mídia, nas redes sociais, nas conversas de escritório, nas mesas de cafés (pelo menos em terras americanas). Para muitos descrentes do meio, a existência de podcasts como Serial foi uma grata surpresa. Já para ouvintes assíduos, podcasts com formatos parecidos como This American Life e Radiolab são uma realidade desde 2006 e 2009, respectivamente. No ano passado os usuários iOS e iTunes sozinhos escutaram 7 bilhões de podcasts enquanto a expansão das podcast networks, redes especializadas na produção de podcasts, mostraram que o formato também pode ser um bom negócio. Uma pesquisa da Edison Research relatou que 15% dos americanos (aproximadamente 39 milhões de pessoas) escutaram pelo menos um podcast no último mês.

Além desses números, 2014 marcou a consolidação do podcast através de duas características fundamentais: formas de narrativa que finalmente compreendem as possibilidades do meio; e disseminação de tecnologias de acesso que agilizam e facilitam o consumo de conteúdo. Enquanto essa combinação se reflete em um presente sólido, é o futuro do podcast que mais chama atenção. Sua evolução pode impactar no mais antigo formato de broadcast: o rádio. O podcast tem hoje as condições perfeitas para se tornar o futuro do rádio on demand.

Podcasts não são novos. Suas origens podem ser rastreadas a partir do final da década de 80. Mas o podcast da maneira como o conhecemos data de 2004, ano em que a web passou a ser 2.0. Ele era um das peças fundamentais dessa nova era da internet e ao lado de redes sociais, blogs, wikis e video sharing dava o tom de que na nova web o produtor era o usuário.

No entanto, 10 anos se passaram. E enquanto os facebooks, tumblrs, wikipedias e youtubes da vida tomavam a internet de assalto e a grande rede amadurecia as condições para o seu terceiro estágio, o podcast passou por momentos turbulentos.

Lembro-me do início do podcast no Brasil. Era 2005 e eu acabara de ser contratado como estagiário em uma produtora de áudio. Podcast era a uma das palavras cool do momento. E como em todo hype haviam diversas marcas tentando “entrar na jogada”, apostando no formato e esperando dele os mesmos retornos dos seus outros investimentos em áudio, em especial o rádio. Entre 2005 e 2006 produzimos diversos podcasts. Para corredores, fashionistas, viajantes, baladeiros, aventureiros de cozinha. Tudo muito legal, muito bonito. Mas o retorno para as marcas não veio. O que veio foi 2007 e o esquecimento do podcast.

Em 2007 os podcasts desapareceram do meu radar, entraram no meu triângulo das bermudas de consumo digital. No trabalho nós não os produzíamos mais. Na web apenas alguns poucos e fiéis podcasters brasileiros continuavam colocando novos programas no ar. Mas a produção, por mais livre e espontânea que fosse, dava trabalho e a baixa (ou nichada) audiência desses podcasts faziam deles hobbies que exigiam atenção de mais ou trabalhos com retorno de menos. Assim, o podcast caiu no esquecimento tanto de quem produzia como de quem ouvia. A partir de então, aceitamos a música como dona de nossos ouvidos e pelos fones brancos ela transbordava cada vez mais variada, de graça e acessível. Verdadeiras commodities.

Mas esse não é o X da questão aqui. A equação a ser analisada é a seguinte:

Quais foram os fatores que levaram o podcast de pilar da Web 2.0 em 2004 até o coma profundo em 2010? Quais são os fatores que fizeram o podcast acordar, triplicando nos últimos 5 anos o número de ouvintes únicos mensais e se tornando novamente em 2014 uma buzz word? E com base nesse contexto, o que reservaria o futuro para o podcast?

Eis os fatos…

O formato prematuro

Definitivamente o podcast nasceu na década errada. Para provar, basta lembrarmos como era o seu processo de consumo:

1- o usuário procurava o site do podcast;
2- nele ele achava o link de RSS feed e o copiava;
3- aí era hora de abrir o iTunes e nele colar o link do feed na área correta;
4- vinha então a tristeza de baixar o arquivo. A internet rápida era apenas uma promessa de provedores, enquanto a realidade era um replay em slow motion. Baixar um podcast de 30 minutos (uma duração que pode ser considerada curta para os padrões do formato) em uma qualidade de áudio aceitável (mp3–192kbps) significava que o ouvinte teria que fazer o download de um arquivo de 43mb. Para diminuir a dor e o tempo de espera do ouvinte os podcasters reduziam a qualidade do arquivo, disponibilizando os programas em mp3–64kbps, cujo tamanho ficava em 14mb e a qualidade de áudio… bem, essa você podia esquecer. A experiência era pior do que um radinho de pilha mono sintonizado em uma estação AM.
5- chegava a hora de transferir para o seu mp3 player. Claro, o ouvinte podia escutar no seu computador. Mas essa era a época da febre dos mp3 players, em especial do iPod. Todo mundo queria escutar seus podcasts neles.
6- Finalmente o play.

Avancemos até 2015. Hoje a experiência de consumo do podcast finalmente encontrou as condições tecnológicas para o florecimento do formato. Smartphones são tanto os dispositivos onde o usuário faz o download, como onde ele consome o podcast. Devido a banda larga e conectividade móvel, ele ainda possui a opção de fazer streaming. O ouvinte tem hoje diversas opções de podcatchers (aplicativos agregadores de podcast) com os mais diferentes tipos de experiência onde ele pode pesquisar, assinar e consumir seus programas favoritos. Tudo isso sendo entregue com uma qualidade de áudio excelente.

Fica evidente a prematuridade do podcast. Nos seus primeiros anos, onde ele precisava seduzir o usuário para crescer como formato de distribuição de conteúdo, ele padeceu. Ao não entregar uma boa experiência de acesso e consumo ele caiu no esquecimento. A popularização dos dispositivos móveis e da banda larga a partir de 2010 foi uma fator fundamental para a fase de ressurreição do formato.

Forma e conteúdo também foram fatores fundamentais para o novo momento do podcast.

Temporal vs. Atemporal

O podcast por combinar palavra-falada, música e sound design tem no rádio o seu parente mais próximo. Porém existem diferenças fundamentais entre os dois e olhar rapidamente a história do rádio é importante para criar essa distinção.

Entre os anos 20 e 50 o rádio viveu mundialmente a sua era de ouro. Ele era o centro das atenções nos lares onde famílias se reuniam para escutar os mais diversos tipos de programa: radio novelas, programas de auditório, talk shows, música…

O rádio era colorido! Sua variada programação apresentava diversos formatos de conteúdo. Mas veio a TV e com isso o rádio foi perdendo seu espaço como meio de entretenimento. A variedade antes transmitida através das suas ondas deu lugar a apenas dois tipos de conteúdo: música e informação. Entre estes dois a informação é o assunto mais relevante nesse comentário.

Por ter sido por mais de meio século um veículo predominantemente de informação, o rádio sempre contou histórias sobre o hoje e o ontem. Diferente da TV, a cobertura de rádio era muito mais simples. A equipe era menor e os equipamentos muito mais fáceis de transportar. Assim, o rádio sempre chegava antes da TV para contar as notícias. Essas características deram ao radio a condição de meio “breaking news”. O rádio se transformou em um um meio que transmitia conteúdo temporal com um prazo de validade extremamente curto. Da mesma maneira que um jornal, ninguém quer escutar as notícias do rádio da semana passada.

Fazendo uma comparação entre estes dois momentos do rádio, como meio de entretenimento e de informação, fica claro que o podcast é um resgate da era de ouro do rádio. A vanguarda do podcast hoje são aqueles que exploram o meio áudio como uma tela para contar histórias onde não existe um compromis-so com a informação cotidiana, mas sim com aquela que nos conecta com o passado, presente e futuro sob os mais variados pontos de vista possíveis. Diferente do rádio, o conteúdo dos podcasts é atemporal. Uma estratégia estética e de negócio.

O podcast como um formato on demand exige por parte dos seus produtores a construção de histórias atemporais já que eles não sabem quando o ouvinte o ira consumir. Assim o conteúdo do podcast diferencia-se drasticamente do conteúdo do rádio pois o seu tempo de vida é tão longo quanto a sua qualidade lhe permitir. Como um bom filme, um podcast bem produzido pode ser consumido por anos e anos.

Podcasting não é Broadcasting

Voltemos mais uma vez à história do rádio…

Até o surgimento do rádio comercial em 1920, as impressões (livros, jornais, revistas…), gravações (fonógrafo e gramofone) e cinema eram os meios de comunicação que atingiam as massas, todos porém com experiências de consumo individuais ou de pequenos grupos. Foi o rádio o primeiro meio a transmitir conteúdo para milhares de pessoas ao mesmo tempo, dando origem ao termo broadcast.

Broadcast é a transmissão de um para muitos, uma maneira de comunicação que exige formalidade dos seus emissores. É preciso rigor, clareza e uma voz de veludo. Ao informar, é preciso transmitir confiança ao ouvinte, afinal, o rádio é o meio que relata histórias.

Roman Mars, criador do podcast 99% Invisible e listado pela Fast Company como uma das pessoas mais criativas de 2013. Mars é dono de um formato de narrativa extremamente envolvente e seu podcast tem em média 1 milhão de downloads por episódio.

Podcast, por outro lado, é a transmissão de conteúdo de um para um. Por mais que o nome podcast tenha sido dado pela influência do iPod, é importante lembrar que “pod” é a abreviação de Personal on Demand. Assim, como todo conteúdo sob demanda, o podcast é consumido individualmente. Essa escuta individual abre caminhos para novas maneiras de comunicação entre emissor e receptor onde naturalidade e personalidade tem mais importância do que a formalidade. Em um podcast o narrador se comunica diretamente com o ouvinte ao pé do seu ouvido, não como um interlocutor de uma informação, mas como um contador de histórias.

O futuro on demand

O podcast hoje encontrou as condições ideais para a sua existência. A tecnologia para possibilitar a melhor experiência de acesso e consumo está disponível a uma grande massa de pessoas e as novas formas e conteúdos desenvolvidos pelos podcasters hoje seduzem novos ouvintes que percebem no meio um novo jeito de consumir informação e entretenimento.

Esses dois pontos, combinados com a atual procura do usuário por conteúdo on demand, começam a criar um novo cenário para o podcast, onde o maior interessado (e principal meio a ser impactado) é o rádio. É fundamental para a sua evolução que o rádio entenda esse novo comportamento de consumo e comece a produzir conteúdo que atenda as especificidades do meio e a diversidade da sua audiência. Apenas replicar o conteúdo da sua programação no iTunes não irá “colar”. Enquanto algumas rádios americanas com PRX, KCRW, WNYC e NPR estão na linha de frente, apoiando e produzindo alguns dos melhores e mais populares podcasts do mundo, as rádios brasileiras continuam a focar seus esforços no broadcast deixando de lado as possibilidades do podcast. Não apenas é o podcast um formato com uma audiência extremamente qualificada, ele é também um formato digital. Ou seja, um paraíso para métricas de audiência.

As pessoas cada vez mais querem decidir onde, como e quando consumirão conteúdo. Essa é a transformação pela qual o cinema, a música e a TV estão passando. Chegou a vez de o rádio se adaptar a esse novo comportamento do consumidor. Chegou a vez do rádio on demand.

*Publicado originalmente no Medium
**Thiago Rangel Pinto participa no próximo dia 12 de novembro do Conversas sobre Cultura e Mercado – Rádio. Entrada gratuita. Clique aqui para se inscrever.

Thiago Rangel Pinto

Engenheiro de áudio, diretor de pesquisa e planejamento da Loop Reclame e editor-chefe da rede de podcasts Astuto.

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