Jorge Mautner lança biografia e coordena o Pontão de Cultura do Kaos, um projeto do Instituto Pensarte junto aos Pontos de Cultura. Provocado por Leonardo Brant, ele faz uma avaliação histórica de nossas políticas culturais, aponta caminhos e reconhece a importância da gestão do amigo Gilberto Gil para a cultura brasileira
Quando resolvemos fundar o Instituto Pensarte, Fábio Cesnik e eu nos debruçamos várias vezes sobre os pensamentos e propostas de Jorge Mautner, antigo parceiro e incentivador da carreira de Cesnik. Desde sempre o Profeta do Kaos nos inspira por essa difícil mas recompensadora trajetória.
O tempo passou e o sonho se concretizou nas mãos de Px Silveira e Luiza Morandini, que tocam o Pontão de Cultura do Kaos, coordenado por Mautner. Uma pesquisa-ação pelos grotões do Brasil, articulando um novo espaço para as culturas populares.
Reunimo-nos no Espaço ArteCidadania, com a fiel presença de Nelson Jacobina, para falar de políticas culturais, filosofia e o futuro da cultura brasileira.
Leonardo Brant – Jorge, faça-nos uma análise das políticas culturais brasileiras historicamente. Em que momentos estamos? O que há de diferente na gestão do Gilberto Gil? Qual é esse norte?Jorge Mautner – Eu penso que o precedente bem longínquo, mas muito importante, foi quando Mario de Andrade assumiu a secretaria de cultura em São Paulo. Ele recolheu o chamado folclore, as manifestações da nossa diversidade. Com o Gil, atingimos um patamar até então nunca atingido, porque ele é o pensador, o músico, o poeta, o filósofo e o atuante. Ele já era Ministro da Cultura antes mesmo de sê-lo, ele já era ministro de xangô. A vida toda dele, e o tropicalismo é um exemplo disso, foi e é um ativismo cultural permanente. E o que há de mais impressionante é que ele resume tudo na linguagem de todos os filósofos do ocidente, da fenomenologia ocidental, dos pensadores da Ásia, mas mantendo a origem do Brasil universal. Entra nisso, por exemplo, a cultura negra brasileira que reinventou o candomblé. Na África ele possuía uma referência geográfica, aquele lugar onde Oxossi lançou a flecha, etc. E aqui, os bantos se misturaram com os índios, os jejes e os iorubás, e eles todos tiveram que reinventar o candomblé. Inventaram os arquétipos, substituindo as referências geográficas que ficaram na África. Falando dos índios, que já têm toda essa festa de êxtase dos xamãs, e da famosa dita “preguiça” dos índios, que não é preguiça, é realização pré-taoísta, é a ação da não-ação. Tem acupuntura com espinha de peixe. Aqui ainda se tem um terceiro elemento impressionante: os templários de que tanto se fala desapareceram de repente. O único lugar que acolheu os templários foi Portugal, que os transformou em cavaleiros de cristo. Essa mistura dos índios e de suas diversas culturas pré-taoístas, pré-hinduístas, com os escravos negros, que inventaram a cultura com essas duas maiores sofisticações da maior atualidade, que são os arquétipos e a simultaneidade de vários cérebros que fingem ser um só e que já o são no candomblé. E a umbanda, que é a sincretização com o espiritismo, é ainda de uma modernidade enlouquecedora. Gil coloca tudo isso desde o seu primeiro trabalho. Falo do “cérebro eletrônico”, de quando ele se vestiu de “mau-mau”, ele era um dos primeiros rebeldes africanos. Ele sempre causou muito escândalo. E todos os atos do ministro são históricos. Por exemplo, quando ele é preso pela primeira vez com o Caetano, ele é levado para uma cela, o soldado lhe deu um violão e a resposta dele foi a composição de quatro músicas. Preso. Ele tem uma capacidade de dar uma cambalhota, com todo rigor. Não é à toa que a Bahia lhe deu “régua e compasso”. Imagine só, no Brasil um artista do final da década de cinqüenta foi concorrer com 300 outros diplomados da escola de diretores de empresa. Ele foi escolhido para ser o diretor executivo da Gessy Lever. Era um escândalo. Imagina um afro-brasileiro ir logo para a direção de uma multinacional. Ele é empresário e ao mesmo tempo ministro, ele tem essa vocação histórica. O que ele fez ou faz. Por exemplo, o episódio de ele tocar com o Kofi Annan, da ONU. Eu posso dizer coisas que ainda vou escrever em um livro e nem quero revelar porque são aspectos da extrema modéstia de Gil. Ele não fala, então cabe a mim escrever. Tenho acompanhado na Europa seus shows, que já são comícios. Apesar de estar de férias ele vai falar com todos os políticos, com prefeito, da esquerda, claro, e os da direita. E ele consegue uma unanimidade, pela irradiação da novidade do Brasil. Como poeta, pensador, é um ministro de xangô, porque ele carrega isso nos nervos, no sangue, na alma. Nem vou falar do samba de roda que foi tombado, todos os aspectos que foram considerados por ele inovações inacreditáveis. A primeira vez que o mérito cultural foi dado a pessoas que jamais iriam sonhar com esse prêmio, que ficava sempre com a elite. De repente, o mérito cultural foi para jongo, para manifestações culturais tidas como folclore, das artes primitivas, que na realidade não o são. Até o Ariano Suassuna cita Mallarmé e o cordel da Paraíba, e diz que são iguais. Além disso ele criou esses pontos de cultura que são a maior novidade do planeta. Neles, o critério estético é totalmente aberto, para retratar da diversidade e do movimento constante que são os vários “brasis” interconectados por essa cultura brasileira. Vale lembrar que os jesuítas durante 30 anos conseguiram acabar com o canibalismo e inventar o Brasil poeticamente, inventando o tupi-guarani, através da música, do teatro. Gil é tudo isso e muito mais, pois ele já tem composição sobre o cérebro eletrônico, não há diferenças para ele entre ecologia e futurismo. Essas pequenas diferenças já estão amalgamadas há muito tempo na sua consciência.
LB – Existe um Ministério da Cultura que tenta pegar todo esse arcabouço de idéias, estímulos, conhecimentos, que vai alem da erudição. E então a gente tem uma problemática da transformação desse “kaos”, que é esse caldeirão cultural, em programas, orçamento. Isso tem sido talvez o mais difícil desafio que o Gil vem enfrentando. E o que me preocupa em relação a isso tudo é que a partir do Gil, o que serão das políticas culturais? Ele está conseguindo transformar isso em um sistema orgânico. Como isso tudo será absorvido pela sociedade? Esse eu considero o maior desafio. Dá para se fazer isso, isso tem sido feito com os pontos de cultura, por exemplo?
JM – Na minha opinião sim. Mas penso que só o tempo dirá, evidentemente. Esses pontos de cultura são a coisa mais impressionante, porque eles reúnem toda diversidade. O único critério é não ser nem racista nem terrorista, de resto tudo pode entrar num nível de definição de arte moderna e pós-moderna. Há quilombos, universidades, teatros-oficinas, tem tudo. Eu e o Nelson Jacobina fomos inaugurar os primeiros pontos de cultura no Amazonas, com o Bodanzky. É impressionante o fervor, a dedicação, o celeiro de artistas que o Brasil tem, mas todos com essa consciência. É uma coisa inédita no mundo, inclusive o barco do Bodansky. Existem barcos de expedições científicas para se explorar minérios, espécies de peixes, etc, mas nunca houve um barco eletrônico recolhendo as artes e irradiando num diálogo. Isso é novidade no planeta, e os pontos de cultura, mesmo que não tenham um barco, eles fazem isso: são naves que navegam pelo oceano nessa cibernética. Penso que sobre a continuidade e efetividade dos pontos, só a história dirá. Perguntaram a um jornalista francês o que ele achava dos resultados da Revolução Francesa. Ele pensou um pouquinho e disse “olha, eu acho que é muito cedo pra gente falar sobre isso”. Eu penso, sem ironia, que esses pontos de cultura vão continuar porque eles são uma afirmação de baixo pra cima. Um encontro de cima pra baixo é o fornecimento de condições eletrônicas e o contato dessa imensa rede que tem quase quinhentos pontos no Brasil e no exterior, cada um mais diferente que o outro. Eu encontrei pontos de cultura em um lugar bem pobre, de necessidades e carências. As pessoas, lá, tinham muito entusiasmo. Eram evangélicos, mas no entanto havia um grupo que tocava reggae. Eu e o Nelson começamos a tocar músicas de umbanda e candomblé e todos cantaram junto. Até lá a amálgama e a mistura acontecem. São evangélicos mas sem os preconceitos usuais. O Brasil é um celeiro de artistas. E hoje em dia escreve-se mais do que nunca, grava-se cd em casa, tem-se uma facilidade. O mercado alternativo vive num mundo paralelo ao oficial, e de repente um produto pula de lá para cá, que nem neurônio saltitante. De repente uma coisa muito alternativa se torna sucesso de massas, e o contrário ocorre também. Isso é a grande felicidade dos tempos atuais.
LB – Tenho observado vários movimentos na tentativa de democratizar o acesso ao fazer cultural. Por exemplo no caso do Cultura Viva, nos Pontos de Cultura, atuando nas entranhas do Brasil, construindo redes, etc. Por outro lado há uma ação política de grande importância enfrentando poderes muito consolidados, como por exemplo a questão do audiovisual, da Ancinav, da TV Digital, Gil teve um enfrentamento de grande porte. O próprio ministro Hélio Costa teve um bate-boca público com ele. Mas essas batalhas ele acabou perdendo. Não digo que seja uma derrota, mas pontualmente aquele elemento que ele queria conquistar, acabou não conquistando. Essa estratégia de trabalho, a macro-política, o tentar colocar projetos como diversidade cultural, Ancinav, televisão digital no congresso nacional. Esse é o caminho para se trabalhar cultura no país? A macro-política aliada à política da formiguinha?
JM – Eu só posso dizer assim: Gil é meu amigo há muito tempo, desde 1969, e nosso trabalho sempre se passa nessa quarta dimensão. Esses aspectos eu luxuosamente ignoro, são problemas de primeira, segunda dimensão, e a política é feita disso. Para o meu diálogo com o Gil só me interessa esta quarta dimensão da cultura. Inclusive ao escolher a mim e ao Nelson para inaugurar os pontos de cultura, já é uma escolha. Mas quanto a isso eu não sei lhe responder. São questões de geopolítica e de dimensão de atrito da área, onde entram, por exemplo, interesses de classes, de tempos históricos. Isso tudo é um trabalho muito importante de ser executado, mas eu, como poeta e pensador, não me detenho sobre esses problemas, a não ser estratégias militares e de guerra e geopolítica cultural mais abrangentes. Não sou deputado nem vereador. Nossos grandes aliados são inclusive os advogados de Harvard. Entre eles a figura mais brilhante que é o poeta e mito do rock que é o John Barlow. Inclusive no nosso próximo disco há uma faixa que vamos destinar pra Internet, onde não se pagam direitos, mas há visibilidade, que é a teoria de como se fosse uma enciclopédia, direito de informação de todos. Mas também tem a questão do direito autoral, que é uma discussão que foge do limite do especialista para outras pessoas. Eu quero o meu direito autoral. Mas sei que eu, aparecendo ali, também vou atrair mais gente para o meu show. Pra garotada existe um mundo de revelações de artistas pela Internet, um mundo foi revirado pelo avesso. Nessa parte, é uma grande vitória. O Creative Commons, inclusive o Gil esteve em New Orleans, com Clinton e George Bush pai. Eles receberam o honoris causa da universidade de New Orleans. É dali que parte a idéia inacreditável: “vocês estão bolando é comunismo cibernético”, e foram gargalhadas e tudo. O tempo vai resolver isso, o caminho todo é sempre esse, todo mundo quer ser feliz, quer consumir também, embora possa até ser estóico no consumo, basta um violão, uma música, uma comida. Inclusive a propriedade privada é importante, de se ter uma casinha, um apartamento. O tempo impõe as condições do nosso pensamento, isso tudo está sendo levado de roldão, e a juventude é que vai ter que recolocar essas questões dos atritos. Existem várias versões, não existem fatos, só interpretações. Nesse caso, a política é como uma arte, como a própria vida. Todo mundo é muito diferente, e igual também. Nós mesmos somos várias pessoas. É a primeira vez que reconhecemos isso tudo não apenas abstratamente, mas vivencialmente, nos nervos. Existe essa máquina, você transporta a voz, tem inteiração, há uma vertiginosa velocidade jamais imaginada. Só quero lembrar Karl Marx em O manifesto do Partido Comunista que se dirigia às massas. No máximo em 20% do manifesto ele fala em luta de classes. O resto é enaltecendo a tecnologia, e por causa dela viria o socialismo democrático, o socialismo mundial, por causa da máquina a vapor, do trem e do telégrafo. Imagina hoje em dia. Há pessoas que tem a vida real e a virtual, pessoas que só tem a vida virtual. Isso é poesia pura de Fernando Pessoa. Só queria lhe dizer que o Gil se preocupa com todas essas dimensões. Eu me dou ao luxo de ficar só na quarta, ele transita e se preocupa com todas, e trava batalhas de forma muito empenhada. Tanto que eu não sei de onde ele tira essa energia. É de um idealismo, força de vontade, de potência, entrega total como idealista inacreditável que ele é.
LB – Nesse sentido de política pública, as três dimensões acessam a quarta…
JM – Eu fui chefe de gabinete de Gil-vereador. A gente brincava que eu era “o anti-chefe do anti-gabinete”. Fiquei um ano lá. Um dia, na frente da câmara dos vereadores, há um bêbado agressivo, que começa a xingá-lo e ele começa a discutir, a explicar, com uma paciência de Jó. Àquela altura havia uma multidão cercando. Guardas e seguranças da câmara estavam nervosos. Gil chegou a afastar um guarda que queria já dar uma porrada no cara, e ele é assim, ele é rigoroso, ele sabe o que são as primeiras três dimensões e gasta muito tempo com isso. Mas o resto é arrastado por essa dimensão maior. Eu posso entrar em atrito sim, no plano de vereadores. Por exemplo, ou era o ex-policial, os vereadores, que ao mesmo tempo era cafetão, a dimensão dele era clara, tinha o outro que representava o fazendeiro, e assim por diante. O Gil era do PMDB, mas ele se dava mais com a turma do PCdoB. No gabinete dele havia duas filas enormes. A primeira era dos verdadeiros miseráveis, excluídos, que pediam um real. A outra era o de engenheiros, arquitetos e médicos sem emprego. Então já era elite. Tinha fila da elite, também necessitada, pedindo favores, e os outros miseráveis. Começa por aí a política brasileira. São coisas básicas.
LB – E como anda hoje a fila do artista para a política cultural?
JM – Para a arte essa fila foi muito esvaziada devido aos pontos de cultura. Há um acesso antes nunca tido. O Gil elevou o orçamento do ministério da cultura, chegou próximo ao ideal.
LB – Tem-se uma tradição de política do artista muito voltada para o financiamento direto. Parece-me que o Gil está tentando dar uma outra perspectiva, que é investir nas condições favoráveis para que o artista floresça, o que tem causado um certo choque, sendo até criticado por alguns artistas. Qual é o papel do Estado em relação ao artista?
JM – O Estado deveria satisfazer a todos, deveria satisfazer por igual os interesses, do celeiro de artistas, de esportistas… também o cinema tradicional, tanto o novo que está surgindo, o de curta-metragem, o de sucesso, clássico do Cacá Diegues, o teatro, o ideal é esse. Não é que tem que financiar. O cinema, por exemplo, é uma indústria, em todo lugar ele tem benesses do Estado. Até nos Estados Unidos, em Hollywood, o cinema é uma arma de propaganda mundial. A música também, mas o cinema usa a imagem. Depois do final da segunda guerra, o cinema de Hollywood passou a representar todas as fases da propaganda positiva norte-americana. Por exemplo, na primeira fase, os índios eram os vilões. Depois os índios passaram a ser heróis. Cada um tem sua vez. Dizem até que o Marlon Brando dizia assim: “é bom que de vez em quando os índios sejam os heróis”. Isso tudo é fora a propaganda quando o stalinismo fechava qualquer conhecimento, mas os americanos formaram uma ideologia que até hoje permeia o mundo. A própria China que diz que é um governo de dois sistemas, que quer tornar-se rico e glorioso, está entrando na linha de Hollywood, fazendo superprodução com o Xaolin. Descobriram o tai-chi-chuan e o Xaolin. Hoje em dia os diretores são associados globalmente, é uma interação total. Ao mesmo tempo, existem teorias que dizem que o Estado tem que ser reduzido. Quem faz tudo são as empresas, as invenções. Dizem até alguns que os sindicatos atrasaram a história, que quem a provoca são as invenções contínuas. É como Parmênides e Heráclito: este dizia que tudo estava em movimento e o primeiro dizia que tudo estava parado. Segundo Heidegger os dois diziam a mesma coisa. Eu vejo o processo assim, é mais que simultâneo, tudo é amalgamado.
LB – Depois de Gil, teremos alguém para substituí-lo, para continuar sua obra? O grande desafio é pegar tudo aquilo que o Gil deixa pra gente e transformá-lo em programas, planejamentos, em orçamentos, e disseminar essas idéias em ações concretas. É possível transformar isso tudo em política concreta? Ou você acha que a gente ainda tem uma certa fragilidade institucional?
JM – A gente sempre corre todos os riscos. Eu diria até que pode ser uma pulsação da própria história da natureza, dois passos à frente e outro atrás. Você sabe que a maior qualidade de um general é a capacidade de retirada, a capacidade de oportunidade. Dependerá do próximo presidente e a quem ele nomear como ministro da cultura o que vai acontecer. Estamos mais uma vez no maravilhoso instante pavoroso das eleições e da voz do povo, que é a voz de deus, que há de eleger seus candidatos desde congresso, senado, governadores e presidente. Acho que depende disso. Penso que haverá uma continuidade natural. Ressalvado tudo o que você disse, é uma abrangência muito grande a pessoa de Gil, sua presença e o tropicalismo através dele colocado. Porque ele poderia ter uma outra atitude mais conciliatória, adaptada, acomodada. Mas ele faz questão de ter esse arrojo, essa ousadia. Um jornalista de que não me lembro o nome chamou-o de herói mundial por causa disso. É uma visão planetária, ele realmente acredita nisso tudo e executa, ele não quer ter como naquela leitura do próprio ministro Hélio Costa. Quando Gil leu aquela carta, ele o fez por excesso de zelo democrático. Alguns não gostam, é o fogo do combate aberto…
Nelson Jacobina rompe o silêncio – O Ministério da Cultura sempre foi aquele que ninguém queria porque as pessoas querem ministérios que dêem grana, e o da cultura não era cobiçado…
LB – Essa experiência dos Pontos de Cultura, que é o grande programa, que oferece a capacidade da cultura local florescer, ganhar espaço, se desenvolver em rede… conta um pouco da sua experiência em relação a esses Pontos de Cultura que você está inaugurando.
NJ – Tem sido incrível. Aquilo do Amazonas, do Pará, conhecendo lugares, quilombos, folia de reis, lugares mais urbanos também… A interconexão desses lugares vai dar um grande resultado, se continuar. Há uma intercomunicação entre pontos isolados, que irradiam e recebem informações que não chegavam lá…
LB – Com a ida de vocês num Ponto de Cultura em lugar remoto, tem um valor simbólico de pessoas que carregam em suas histórias essa vontade de fazer cultura, indo para dar uma luz, de certa forma para trazer algo. É isso?
JM – É também uma surpresa, o inesperado, vamos como companheiros, não há superior ou inferior, mas há um entrosamento baseado em comunicação aberta.
NJ – O aspecto de oficina, história da arte para crianças, não há ainda um programa pré-estabelecido para cada um, é a cada lugar que tem o seu programa.
JM – É como se fosse uma nova instituição como, por exemplo, com o Mario de Andrade, ou Villa Lobos… Goethe definiu que é cultura é historia mais poesia. E é isso que está em ação, de uma maneira nunca vista. É muito importante acentuar a importância de Milton Santos. Muito da disposição do Gil, muito da tenacidade, da vontade, foram incentivadas e instigadas ao máximo pelo geógrafo. Um episódio muito emblemático: há uns trinta anos atrás Gil fez um show no teatro de Manaus, em que ele apresentou o percussionista Chico Azevedo, que tem sangue indígena. No camarim, chegaram fãs com cara triste dizendo “Gil, por que você desgraçou a vida desse pobre infeliz”. Acharam que ele havia sido estigmatizado, quando Gil mencionou o sangue indígena do músico, pensaram que isso era uma coisa ruim, que não existe coisa pior no Amazonas que ser índio. Já há uns oito anos estivemos em Parintins. O bumba-meu-boi nasceu em São Luis do Maranhão, o bumba-meu-boi individual. Em Parintins virou uma coisa aberta, cores trocadas, loiros e louras de olhos claros juram que são índios. Houve uma total modificação. É como se fosse novamente os trinta anos dos jesuítas inventando o Brasil pela música e pelo teatro, de uma maneira agora mostrando o Brasil gigante que se fingiu de invisível e agora explodiu essa imagem, essa verdade, essa diversidade. O candidato Cristóvam Buarque aceitou a diversidade da cultura, da educação, e é o primeiro a ameaçar dizendo que o Brasil pode se esfacelar em cinco países diferentes. Isso é relevante para se ver a importância do nosso trabalho, impedimos um esfacelamento do Brasil: uma música, um tupi-guarani, uma unidade dentro da diversidade que vai se reinterpretando o tempo todo. Isso é uma maravilha, porque às vezes civilizações grandiosas que estão dentro da cultura são compartimentadas. A última notícia que eu tive é que um grupo de jovens filósofos europeus – franceses, alemães e ingleses –, pedem socorro à filosofia brasileira para ajudá-los a sair da compartimentação, eles mandaram uma carta. A música popular, o cinema, os batuques, o afro-reggae, tudo o que tem, e de repente esse pedido da metafísica.
LB – Ainda quanto à questão da identidade: você considera esse projeto político do desenvolvimento de uma identidade única, um Brasil unido em torno de unidades culturais, você acredita nesse projeto de identidade pela diversidade, ou isso continua sendo um movimento político perigoso?
JM – Ela é naturalmente móvel, inesperada, com reviravoltas surpreendentes o tempo todo. Cada geração tem que reconquistar a sua liberdade. Reconstrói-se o mundo de imagens, de filosofia e de pensamento. A identidade é como os já mencionados Heráclito e Parmênides, um diz que tudo está em movimento o outro diz que tudo está parado. E ambos dizem a mesma coisa. Na música tradicional ela já muda um pouquinho. Não há uma identidade imóvel, nem uma que esteja só em movimento, as duas estão amalgamadas. Os pontos de cultura não procuram identidade, mas identidade amalgamada com a transformação vertiginosa a milhões de quilômetros, o tempo todo. Mesmo eu daqui a pouco estou diferente, a mutação é permanente. Análises da medicina dizem que os nossos ossos variam de tamanho durante o dia. A identidade e a não-identidade mergulhadas na galáxia, a arte e o pensamento são livres, tudo o que você pensa automaticamente pode-se pensar o seu contrário, é inerente. Daí você começa a multiplicar as variações, e essa a riqueza, isso se chama liberdade.
Leonardo Brant
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