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Políticas Públicas de Apoio à Cultura no Rio Grande do Sul: verdades e mentiras

No início, valiam os recursos próprios ou o mecenas desinteressado para que a cultura formal se fizesse. Duros tempos de chapéu na mão sem nada a oferecer senão o sonho. Desde então, o Estado pouco reservava no orçamento para o enriquecimento dos espíritos e tampouco acreditava que pudesse representar atividade econômica merecedora de estímulo oficial.

O ponto de virada é 1986, com a primeira lei de incentivo baseada no conceito de renúncia fiscal: o Estado aprova projetos e delega à iniciativa privada a decisão de aplicar pequena parte de seus impostos na cultura. Alcunhada Lei Sarney, homenagem ao homem de letras que veio a presidir o país, teve triste fim e foi sucedida por outra de nome ilustre, a Lei Rouanet, homenagem ao ministro da Cultura de Collor de Mello, o homem que levou à lona a cultura nacional.

O saudável exemplo chega ao Sul e, por unanimidade, a Assembléia Legislativa do Estado aprova em 1996 a Lei 10.846, a LIC – Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Em vigor no 2º semestre de 1997, representa a inédita soma de R$ 13 milhões de reais para as atividades culturais. Estimulada pelo Governo Estadual, alcança nos anos seguintes valores anuais superiores a R$ 30 milhões de captação, dos quais 25% (vinte e cinco por cento) não dedutíveis do ICMS devido, aporte próprio dos patrocinadores.

Com baixo investimento mensal, já que o limite é apenas 3% (tres por cento) do ICMS devido independente do porte do contribuinte ,a LIC exclui na prática as médias e pequenas empresas e limita o campo geográfico às regiões industrializadas. O aperfeiçoamento  chega em 2001 por outro mecanismo dedicado a um dos Deputados Eméritos da Casa do Povo, o saudoso Bernardo de Souza. Pela Lei 11.598, a Lei Bernardo, se institui uma tabela inversamente proporcional que revoluciona o setor: empresas menores podem investir mais. De um universo de patrocinadores de pouco mais de 100 empresas, se vai a 3000 rapidamente. Melhor ainda: o interior do Estado passa a responder por 85% (oitenta e cinco por cento) dos recursos captados. A pairar, uma sombra negra que cada vez será mais citada à boca pequena pelos agentes do setor: o pedido de devolução dos 25% não dedutíveis por parte das empresas patrocinadoras, prática proibida pelo sistema.

Considerando que política cultural pública de apoio à cultura eficiente é que a une ao orçamento, sempre ausente, mecanismos indiretos (incentivos fiscais) à diretos (fundos de apoio), o Governador Olívio Dutra sugere e a Assembléia Legislativa do Estado aprova quase simultaneamente a Lei 11.706, que cria o FAC – Fundo de Apoio a Cultura do RGS. Ao contrário do FUMPROARTE,vitorioso mecanismo criado em Porto Alegre em sua gestão como Prefeito, o Governador não vincula qualquer recurso ao FAC. Desde então, nenhum dos Governadores que ocuparam o Piratini alocaram no fundo qualquer centavo. Nem mesmo uma Emenda Popular aprovada pela Assembléia em projeto assinado por milhares de cidadãos foi empenhada.

Nos anos seguintes, problemas de gestão do sistema, a cargo da SEDAC – Secretaria de Estado da Cultura, a quem cabe conduzi-lo, e o CEC – Conselho Estadual de Cultura, que aprova os projetos a serem beneficiados, passam a dar o tom. Sem estrutura física nem profissionais concursados, se acumulam as prestações de contas sem análise. A captação, impulsionada pela bonança econômica , a força do empresariado e as centenas de eventos em mais de 200 municípios de um Estado que une o turismo à cultura ao natural, passa a cada ano do teto aprovado. A Carta de Habilitação que permite à empresa deduzir o patrocínio do ICMS devido passa a ser moeda de troca nos escaninhos do poder.

O Governo Yeda Crusius começa sob mau tempo: é nomeada para a SEDAC a Sra. Monica Leal e o TCE – Tribunal de Contas do Estado suspende a eficácia da LIC por má gestão em função das 1.500 prestações de contas sem análise. A duras penas, o Sistema se arrasta, com a baixa da captação da LIC e a hibernação sem prazo para acabar do FAC. O estilo da Secretária logo baterá de frente com o CEC , o que será amplificado pela descoberta de uma fraude no sistema: um produtor cultural é preso por falsificar documentos. A mídia destaca o caso e todos passam a ser suspeitos até prova em contrário. O efeito é imediato: a captação cai a menos de R$ 10 milhões anuais em 2010, menos que o primeiro semestre de 1997 em números absolutos!

A resposta à crise pela Governadora é enviar a Assembléia um Projeto de Lei fraco, mas com uma virtude inédita: incorporando prática que a SEDAC já desenvolvia com as devoluções de recursos supostamente mal aplicados, a contrapartida do Patrocinador não dedutível do ICMS passa a ser doada ao FAC, sempre órfão de aportes do Executivo. O texto original delegava à intrépida Secretária a decisão final sobre os projetos, extraindo do CEC suas prerrogativas, e revogava a Lei Bernardo. Obviamente, estes dois últimos objetivos não vingaram. A duras penas, com o concurso de todas as bancadas, as entidades culturais fizeram da cesta de limões uma limonada e conduziram o processo até a aprovação da Lei 13.490, que criou o Pró Cultura e devolveu o otimismo a um segmento que movimenta milhares de empregos e enriquece a alma do Rio Grande. Em menos de 1 ano, de abril a dezembro de 2011, a LIC captou R$ 26 milhões e o FAC recebeu mais de 2 milhões em doações. Entrementes, os aprendizes de feiticeiros, na calada da noite, preparavam um presente de Natal embalado entre os 48 projetos que o Governador Tarso Genro enviou a Assembléia em 18 de novembro sob o pouco democrático Regime de Urgencia.

A criação do SISAIPE

Com o nobre fim de criar uma Lei de Incentivo ao Esporte, sem nenhuma discussão nas comissões temáticas da Casa do Povo nem consulta a quem é do ramo, no apagar das luzes da legislatura de 2011, a comunidade cultural recebeu seu Cavalo de Tróia: a Lei 13.924, que cria o SISAIPE/RS, o SISTEMA ESTADUAL DE APOIO E INCENTIVO A POLÍTICAS ESTRATÉGICAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.O mecanismo cria uma LIC para o Esporte e altera a Lei de Solidariedade Social para deixa-la à imagem e semelhança do Pró Cultura RS: cabe aos Proponentes ir à luta para captar os recursos para viabilizar seus projetos e capitalizar os fundos de cada segmento, já que o Executivo segue ausente no dever de alocar os recursos que são de sua responsabilidade.

Inspirado pelos áulicos da Secretaria da Fazenda, o Executivo retira da Cultura a conquista histórica da Lei 13.490: com exceção do segmento Patrimonio Cultural, que segue a ser privilegiado como o é desde a Lei Bernardo, todos os patrocinadores devem doar 25% (vinte e cinco por centos) do valor incentivado para os Fundos.

A idéia é simples: se os Proponentes conseguem convencer os contribuintes a capitalizar os fundos à razão de 10% para cada real captado, por que não obrigá-los a fazer o mesmo com 25% de doação? Deixemos estes abnegados fazerem sua parte enquanto o Executivo assiste placidamente a volta da chicana das devoluções e propostas indecentes que certamente receberão os Proponentes de projetos culturais, esportivos e sociais.

Cá estamos nós convocados a uma nova experiência, tal cobaias de uma sanha cruel que parece não ter fim. Enquanto preparam o Decreto que regulamentará a Lei 13.924, do qual certamente saberemos pelo Diário Oficial, as milhares de pessoas que escolheram estas atividades como meio de vida esperam para saber que sorte lhes aguarda.

Saibam os senhores que nos fazem passar por mais esta provação que não será na terra de Julio de Castilhos, Assis Brasil e Getulio Vargas, que esta violência passará incólume. O que não nos mata só nos faz mais fortes!

Henrique de Freitas Lima

Produtor e diretor de cinema e TV, atua também como advogado e consultor cultural. Fundador e primeiro Presidente da APCERGS, é Secretário do SIAV-RS.

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