Categories: ANÁLISE

Presidência da Funarte imobiliza deliberadamente as atividades culturais do país

Carta da Paula Nogueira, presidente da Asserte (Associação de Servidores da Funarte), amplia discussão e traz mais informações sobre os atrasos na tramitação dos processos da Lei Rouanet que, segundo a entidade, foram deliberados e comandados pela cúpula da instituição. Acompanhe a íntegra:

Com relação à matéria “Parecer Recorde” de André Miranda, na primeira página do Segundo Caderno de O Globo de sábado dia 4 de outubro, a Asserte (Associação de Servidores da Funarte) tem mais informações a dar sobre os atrasos extraordinários na tramitação dos processos da Lei Rouanet ocorridos de fins de 2007 a meados deste ano, que causaram um congelamento de grande parte das atividades culturais do país.

O setor de produção cultural e a classe e artística viveram neste período um verdadeiro pesadelo, com todos os seus projetos bloqueados no PRONAC da Funarte (instância de avaliação de todos os projetos das áreas de artes cênicas, artes plásticas e música), o que os impossibilitou de captar patrocínio do setor privado. Embora hoje o ritmo de tramitação esteja se regularizando, as conseqüências de tal atraso ainda vão ser sentidas por um longo período, pois o ciclo de produção é extenso e os projetos que agora vêm sendo aprovados só serão efetivamente realizados daqui a diversos meses.

Incontáveis foram os projetos que perderam suas possibilidades de patrocínio em função do atraso, ou que se tornaram obsoletos, quando vinculados a datas precisas ou comemorativas.

Tal atraso, contrariamente ao que se poderia pensar, não foi causado por ineficiência do sistema de tramitação ou por falta de disponibilização de meios para atender a demanda, por parte do Ministério da Cultura. Ela foi estranha e deliberadamente causada – e não se sabe por que obscura motivação – pela presidência da Funarte e sua Diretora Executiva. A presidência da Funarte paralisou voluntariamente, e por cerca de 7 meses, o funcionamento do Pronac/Funarte, responsável pela análise de pelo menos
80% do volume de projetos encaminhados ao MinC para enquadramento na Lei Rouanet. Os contratos de 7 dos 11 pareceristas externos, então encarregados de avaliar os projetos junto aos poucos servidores que desempenham função de parecerista no MinC, não foi renovado, causando um acúmulo de cerca de 3200
projetos sem parecer. 

Como se não bastasse a não renovação deliberada dos contratos, a presidência da Funarte contrariou a decisão da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (MinC) de criar contratos para 5 novos pareceristas, que colaborariam para o escoamento do passivo criado. Os cinco novos contratos nunca foram efetivados.

A presidência da Funarte durante todo este tempo disseminou a informação falsa de que teria sido a greve dos servidores a causadora do tamanho acúmulo. Prova da inverdade da afirmação é que o número de pareceres emitido pelo Pronac/Funarte no ano de 2007 (ano da greve dos servidores) foi praticamente idêntico ao do ano anterior. Ou seja, produziu-se como de hábito. O que ocorreu é que, uma vez terminadas as cotas dos contratos dos pareceristas externos, tais contratos não foram relançados, impedindo o atendimento da demanda, uma vez que os pareceristas internos à instituição são poucos.

Depois de muitos meses de inatividade por insuficiência de pareceristas, a Funarte contratou em maio deste ano, às pressas e sem licitação, 20 terceirizados inexperientes na emissão de pareceres, para finalmente
reiniciar os trabalhos que já vinham na realidade se ralentando desde o início de 2007, quando as cotas de alguns pareceristas já estavam se esgotando sem perspectivas de renovação.

Recentemente, a presidência publicou nota no website institucional atribuindo mais uma vez o passivo de projetos ao movimento de greve dos servidores e afirmando que, por mérito e eficiência da atual gestão, o
passivo havia sido reabsorvido (tal nota ainda está disponível no site da Funarte). Ora o passivo não foi resolvido por esta gestão, como esta afirma, mas sim CAUSADO DELIBERADAMENTE por ela, com conseqüências drásticas para a cadeia produtiva na área da cultura de todo o país.

Para completar o quadro do atual desgoverno da Funarte, a Diretoria Executiva desta impediu, numa atitude mais uma vez deliberada, a formação de pareceristas dentro de seu quadro funcional: no mês de setembro teve início um curso extenso (100 horas) e bastante completo de formação de pareceristas técnicos voltados prioritariamente para a Lei Rouanet. Tal curso foi organizado pela Diretoria de Gestão interna do Ministério da Cultura, amparada pela lei n° 8.1122/90, pelo decreto n° 5.707/2006 e pela portaria n° 2008/2006 do MPMOG, no contexto de um Plano Anual de Capacitação. Este curso, que já foi realizado no mês de agosto, em Brasília, com a participação de 44 servidores. No Rio de Janeiro (realizado de 25 de agosto a 26 de setembro) teve um número bem menor de inscritos. Isto porque a Funarte, através de seu Diretor Executivo, Pedro José Braz, contrariando a política de capacitação do próprio Ministério da Cultura, proibiu a divulgação interna do curso para os servidores e impediu os poucos que, ao saber da capacitação por outros meios, tentaram se inscrever ou mesmo participar como ouvintes.

Ao fazer este boicote a Funarte não apenas desobedeceu orientação superior do Ministério da Cultura. Ela prejudicou a formação e capacitação de seus servidores, provocando um prejuízo à administração pública na medida em que, ao impedir a formação de pareceristas internos, perpetua gastos extras provocados pela contratação de terceirizados que desempenham esta função. Dos 31 pareceristas que trabalham hoje no PRONAC da Funarte apenas 4 são servidores. Os demais são terceirizados, contratados para uma tarefa que
poderia ser absorvida pelo próprio corpo funcional.

A quem interessa a manutenção de pareceristas terceirizados? E por que razão? Por que a Funarte desobedece determinação tão importante do próprio Ministério da Cultura?

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Projetos analisados no Pronac-Funarte em 2006: 4572

Projetos analisados no Pronac-Funarte em 2007 (ano da greve de 73 dias dos servidores): 4494

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Redução do corpo de pareceristas na Funarte entre 2007-2008:

em abril de 2007: 11 técnicos externos e 4 servidores

em maio de 2007: 9 técnicos externos e 4 servidores

em dezembro de 2007: 7 técnicos externos e 4 servidores

em fevereiro de 2008: 5 técnicos externos e 4 servidores

em março de 2008: 4 técnicos externos e 4 servidores.
Paula Nogueira
Presidente da Asserte
Associação de Servidores da Funarte

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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