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Procultura – Inclusão da economia criativa

O substitutivo ao Projeto de Lei que institui o Procultura e que aguarda votação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal Pedro Eugênio (PT-PE), inclui setores da economia criativa claramente em sua redação, em diversos artigos. O objetivo é ampliar o escopo da principal lei de incentivo à cultura brasileira, para abarcar áreas que ainda hoje não costumam ser entendidas como culturais. Inclusive um dos fundos setoriais previstos no Fundo Nacional de Cultura (FNC) é de Economia Criativa, Ações Transversais e Equalização de Políticas Culturais.

“Música é economia criativa, teatro é economia criativa. Estamos falando de manifestações culturais que estabelecem relações econômicas. É óbvio que existe uma certa expansão do conceito de cultura e nesse momento há real destaque para algumas atividades e setores que não eram reconhecidos como culturais, como arquitetura e moda”, afirma a coordenadora geral de desenvolvimento de projetos integrados da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, Tereza Cristina de Oliveira.

Segundo ela, agora será possível dar mais visibilidade a essas ações. “Houve um esforço inicial do ministério, algumas tentativas de fazer editais para fomentar essas atividades, mas os recursos eram poucos. O que estamos fazendo agora é dar continuidade a esse trabalho e trazer o debate para promover interface com outras áreas”, explica.

Ela lembra que sempre existiram projetos da área demandando incentivo fiscal da Lei Rouanet, mas não se sabe exatamente quem e quais são esses projetos. “Dentro de Artes Integradas tem muita coisa que é de design, moda e arquitetura. Por isso é importante dar visibilidade aos projetos. Entender o que a sociedade está demandando do Estado e estabelecer diálogo com alguns colegiados”, diz Tereza.

Para a economista e urbanista Ana Carla Fonseca Reis, especialista no tema, incluir a economia criativa no Procultura deve dar maior visibilidade e garantir alguma dotação orçamentária que respalde a política da Secretaria de Economia Criativa. No entanto, economia criativa é economia e segue a lógica de empreendedorismo, investimento e retorno privado, não a de patrocínio. “Um proponente de um projeto editorial que pleiteia patrocínio segue uma lógica completamente diferente de uma editora comercial que sobrevive do mercado”, atenta.

Segundo ela, os empreendedores criativos se defrontam com outros problemas: ausência de estudos e estatísticas, carência de marco regulatório, falta de capacitação técnica e/ou gerencial, baixo incentivo à exportação, alta carga tributária, entraves burocráticos, em especial às MPEs, dificuldade de acesso a crédito.

Além disso, a criação de um fundo setorial para a economia criativa, no seu entendimento, gera uma série de dúvidas. “Primeiro, a economia criativa abrange mais do que as indústrias criativas, que por sua vez abarcam os setores ligados à cultura, mas também os de tecnologia (e.g. biotecnologia, pesquisa e desenvolvimento). Isso significa que o Fundo para a Economia Criativa poderá ser usado também para os setores de tecnologia? Além disso, um projeto do setor audiovisual, por exemplo, poderá pleitear recursos do Fundo do Audiovisual e do Fundo para a Economia Criativa, já que a economia criativa também envolve audiovisual?”, questiona.

Feitas todas as ressalvas, Ana Carla acredita que talvez os aspectos mais cruciais para que essa inclusão realmente faça diferença sejam: definir muito claramente quais os objetivos do Fundo para a Economia Criativa e os setores abrangidos por ele; e dispor de estudos, dados e estatísticas que permitam criar critérios para a distribuição dos recursos desse Fundo.

Também especialista no tema, Lala Deheinzelin ressalta que economia criativa não é um produto de um setor, mas sim um processo. E como processo supõe um ecossistema. “Então essa lei deveria contemplar ecossistemas. Isso ninguém faz. Estamos completamente atrasados em termos de políticas de apoio à economia criativa, justamente porque nos falta tudo aquilo que é transversal. Em todas as esferas – federal, estaduais e municipais – a grande maioria das políticas é por setor, e não por aquilo que ajuda a desenvolvê-los”, alerta.

Outro grande equívoco, para Lala, é seguir fortalecendo apenas a produção, quando o grande gargalo está em distribuição e visibilidade, que acabam ficando com uma parte muito pequena dos recursos. “Quando a gente enxerga a economia criativa como alguns setores ligados à arte, a gente perde uma perspectiva mais ampla, dela como estratégia nacional de desenvolvimento e sustentabilidade. É uma outra economia, que não é baseada em recursos tangíveis, mas sim em cultura, conhecimento e criatividade, que se multiplicam com o uso e que não apenas dão resultados financeiros, mas dão também resultados nas outras dimensões da vida e da sociedade: ambiental, social e cultural. Por isso deveria ser uma prioridade de governo.”

Para que isso seja possível, ela acredita que a Secretaria de Economia Criativa não deveria ser uma secretaria, mas sim uma agência, ligada diretamente à Casa Civil, unindo e integrando os demais ministérios. “É uma atividade que tem a ver com ciência e tecnologia, com juventude, com cultura, com planejamento, desenvolvimento social… e para que possa cumprir esse papel, de gerar desenvolvimento sustentável de fato e ser uma solução pro país, precisaria ter essa abordagem integrada entre vários ministérios. Dentro do MinC não tem força suficiente, por mais que seja muito boa a gestão da Cláudia Leitão”, afirma Lala.

Ana Carla lembra que muitos países entendem que a pasta mais apropriada para gerenciar políticas voltadas às relações da economia criativa é a de Desenvolvimento, ou ainda o que equivaleria à nossa Casa Civil. “Seja na pasta em que estiver, porém, é fundamental que ela tenha capital político suficiente para articular uma política com os vários setores envolvidos com a economia criativa – desenvolvimento, cultura, ciência e tecnologia, educação, turismo, relações internacionais, dentre outros”, completa.

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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