Procura-se um discurso

Não me assustarei se, a qualquer momento, encontrar esta chamada, “procura-se um discurso”, no site do Ministério da Cultura, com premiação pra quem encontrar um discurso plausível que seduza a sociedade brasileira para que nos apóie nas reivindicações ao sonhado 1% de recursos para o financiamento da cultura.

Sim, porque até então, o nosso discurso já nasce falido, ou vamos continuar a crer que seduziremos a sociedade, em pleno 2008, com o discurso impositivo, vazio, para não dizer arrogante, de que a classe artística tem cabeças privilegiadas e, portanto, uma visão intelectual superior a de outros mortais? Vamos continuar a apresentar a fidedigna fotografia de uma caserna onde oficialmente se abriga o pensamento mais retrógrado da nação nas ditas instituições das mais altas patentes culturais? Devemos convocar a “Geni”, obra-prima de Chico Buarque, quando o assunto for Lei Rouanet? Creio que não, pois, pra que ela caiba num discurso que nos seja favorável, teremos que pedir ao autor que retire da letra aquele trecho em que os donos do poder clamam pelo sacrifício da personagem, “o prefeito de joelhos, o padre de olhos vermelhos e o banqueiro com um milhão”. E quem seria o zepelim, o nosso símbolo maior de segregação, o brasão belle epoque, o Ópera de Paris? Diremos que carecemos de mais recursos públicos para salvar a nobreza ou a alta costura na exposição de seus modelitos no baile da cinderela do teatro municipal? O pior é ter que dizer a ela que a ópera importada teve a intermediação direta do ilustre governador do Estado do Rio de Janeiro, como ele próprio bradou.

Acho que a sociedade ficará esfuziante quando souber que financia salários estratosféricos dos mui representativos maestros eruditos “brasileiros” e todo o corpo de gestores que os cercam, imprescindíveis para traçar estratégias em que os contemplados com o melhor dos manjares sejam sempre eles próprios.

O que a sociedade gosta mesmo de ver são as tórridas cenas reivindicatórias do estrelato global, ao legislativo e executivo, por mais recursos públicos em prol da manutenção de seus privilégios e, com aquele habitual discurso de solidariedade, justificarem que o aumento de recursos para os espetáculos dos professores de Deus salvarão os degradados e analfabetos, os mesmos que são os reais patrocinadores dessa pantomima. Como explicar à sociedade que precisamos de mais verbas para sustentar caprichos e falta de originalidade que chegam a fazer uma exposição do “vazio”, enquanto milhares de artistas lutam por um espaço para exporem seus trabalhos?

Temos que insistir no discurso que sempre deu certo no Brasil, tanto é verdade que o parisiense teatro municipal do Rio de Janeiro, ao se candidatar a uma das sete maravilhas do estado, apresenta um dos mais bem ungidos e coerentes portfólios como justificativa de sua grandeza, em  seu balanço que, mais do que orgulho de apresentar astros internacionais, mostra a falta de orgulho em apresentar compositores e maestros brasileiros que por lá passaram como, por exemplo, Villa Lobos. Será mesmo que essa desfaçatez discursiva arrancará o apoio da sociedade? Afinal, o que queremos? Que ela aplauda de pé o discurso por mais recursos para a cultura brasileira com essa política de departamentos de marketing? Acho que é pedir demais.