Desde que foi aprovada pela presidente Dilma Rousseff, no fim de 2011, a Lei 12.485, mais conhecida como Lei da TV por Assinatura, deixou o segmento audiovisual, sobretudo as produtoras, em polvorosa com as oportunidades que poderiam surgir a partir dali. A legislação passou a vigorar em agosto passado e concretizou as projeções otimistas, pelo menos no que diz respeito à demanda de produções audiovisuais para os canais pagos, que agora são obrigados a exibir conteúdo nacional e independente.
Mas nem tudo são flores. O crescimento exponencial da demanda também ressaltou algumas deficiências da cadeia produtiva do audiovisual. “Com a nova lei, a demanda certamente cresceu e seguirá crescendo. Mas por muitos longos anos a situação era inversa e o resultado é o numero pequeno de profissionais realmente com experiência e maturidade nesta área”, afirma Daniela Capelato, produtora audiovisual que criou a DOC.FILMES, que realiza produções documentais e de ficção, em parceria com produtoras no Brasil e exterior.
Daniela atuou como produtora e produtora associada em filmes como “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, de Marcelo Gomes e Karim Ainouz; “Do outro lado do rio”, de Lucas Bambozzi, em coprodução com Les Films du Village (França); e “Só Deus sabe”, de Carlos Bolado. A partir de 16 de março, ela coordena em São Paulo o curso Desenvolvimento de Projetos Audiovisuais, parceria entre Inspiratorium e Cemec.
Nesta entrevista para o Cultura e Mercado, ela fala sobre a expansão do mercado audiovisual brasileiro e do que é preciso para que nossa produção cresça não só em quantidade, mas em qualidade.
Cultura e Mercado – Ainda existe quem acredita que pode desenvolver um projeto audiovisual sem atentar para a sua boa elaboração? O mercado ainda permite isso?
Daniela Capelato – Na minha opinião, a realização de uma obra fílmica ou para a TV está necessariamente atrelada ao desenvolvimento de um projeto cujo conteúdo se destina não somente a quem irá financiar a obra, mas a toda a equipe de realização e produção. A forma de apresentação, a linguagem e o nível de detalhamento deste conteúdo pode variar dependendo da finalidade e destino do projeto, mas na sua essência será o mesmo. Ou seja, impossível captar recursos ou produzir sem o desenvolvimento de um conteúdo próprio ao filme ou ao programa de televisão ou web. E, na minha opinião, quanto mais detalhado for o projeto mais chance dele poder ser comunicado, entendido e aceito pelo mercado e pela sociedade de um modo geral.
CeM – Quais são os elementos que diferenciam um bom projeto nessa área?
DC – O primeiro deles é o conceito e o conceito de uma obra está intimamente relacionado ao ato de criação. Nele está contida toda a originalidade e pertinência do fazer. E sem um conceito claro, definido, corre-se o risco do projeto tornar-se puro devaneio ou a cópia de algo já existente.
No conceito está o tema e seu recorte; o ponto de vista e aspectos da forma. É ele, portanto, que irá nortear o processo de pesquisa e o desenvolvimento de um argumento, sinopse e nota de intenção.
CeM – Com a nova lei da TV por assinatura e uma maior demanda por bons roteiros, muito se tem falado sobre uma falta de profissionais preparados nessa área. A que isso se deve?
DC – Parte deve-se a uma falta de incentivo à etapa de desenvolvimento dos projetos e a própria escrita audiovisual, cinematográfica. Corre-se afoitamente para a produção sem um projeto maduro, incluindo não somente um roteiro, que ainda precisa ser trabalhado como, muitas vezes, o próprio argumento que é falho ou pouco consistente e que precisaria ter sido melhor elaborado antes do inicio da escrita do roteiro, propriamente dito. Acho também que falta pesquisa e investigação e, por fim, novamente essa ideia de conceito – ainda pouco presente nos filmes e obras para TV.
CeM – No caso de diretores, estamos mais “bem servidos”?
DC – Diretor é o que não falta (risos). Acho que existem propostas interessantíssimas de direção e acho que nossos diretores estão cada vez mais preparados tecnicamente para a tarefa. Mas sempre fico com a sensação de que falta um tempo: o tempo mental para a construção de uma obra em seu todo e não somente a do um set de filmagem. Tempo para pensar a equipe, os atores, a arte, as locações, o som, a edição e até mesmo o lançamento e a distribuição de um filme. Existe uma pressa inimiga da perfeição em muitos dos filmes que vejo. Uma pressa que impossibilita inclusive o exercício da intuição e principalmente da intenção de uma obra. Se fossemos menos apressados na etapa de elaboração dos projetos, talvez ganhássemos em tempo e liberdade no momento da direção.
CeM – E sobre os outros profissionais envolvidos no filme – produção, som, fotografia, edição…? Há oferta de boa mão de obra suficiente para a demanda de produção que temos hoje? A que podemos atribuir isso?
DC – Com a nova lei, a demanda certamente cresceu e seguirá crescendo. Mas por muitos longos anos a situação era inversa e o resultado é o numero pequeno de profissionais realmente com experiência e maturidade nesta área. Outra característica é a formação desses profissionais, muitas vezes de natureza mais técnica do que cinematográfica, no sentido amplo do termo.
CeM – No que diz respeito ao financiamento e às questões legais para projetos audiovisuais no Brasil, podemos dizer que estamos num patamar interessante em relação aos outros países? O que falta para crescermos ainda mais?
DC – Sim, somos um dos países com mais mecanismos de financiamento ao audiovisual no mundo e esses mecanismos tornam-se, hoje, cada vez mais variados: leis de incentivo nacionais e regionais, fundos de investimento, editais e concursos e outras, próprias ao mercado, como os licenciamentos,as coproduções, pre-compras e etc..
O que falta para crescermos, portanto, não são – neste momento especifico de nossa história – a ausência de mecanismos e recursos de financiamento. O que falta na minha opinião é uma política mais clara e estabelecida de como esses recursos são e podem ser distribuídos. Acho que ainda estamos muito a mercê das comissões que mesmo formadas por profissionais super qualificados, sempre possuem um caráter subjetivo.
Esses comissões existem em todos os países – até mesmo na França, que desde 1940 institucionalizou o processo de distribuição das verbas e recursos para o audiovisual. O que as diferenciam (nesses países) é o fato delas serem constantemente debatidas e repensadas. Por isso, minha opinião é que os critérios de escolha e aprovação, e o modo como as comissões são formadas e trabalham, seja na aprovação de um projeto para incentivo, seja na escolha de um filme num edital, precisa ser questionada sempre. E acho que esse questionamento tem que ser vivo e participativo e democrático. Mas, o Brasil é um país de tradição autoritária e nem sempre os debates e questionamentos são bem vindos ou nem sempre quem critica quer participar.
Outra aspecto fundamental e que trava a produção é a quase ausência absoluta de mecanismos automáticos de apoio. Sem eles, os produtores ficamos 100% dependentes das tais comissões que, conforme a época ou o lugar, podem ser mais ou menos favoráveis ao tipo de filme ou programa que desenvolvem. O resultado é que as produtoras, ao invés de se qualificarem, especializarem em uma determinada linha editorial de projetos, veem-se obrigadas a diversificar a tal ponto a produção que acabam – em muitas casos – perdendo a capacidade de discernimento na escolha e no desenvolvimento de seus próprios filmes.
Ainda como conseqüência desse processo temos a cada projeto o surgimento de um nova empresa-produtora que existe somente esporadicamente. Conclusão, somos um país de muitos diretores e pouco produtores com experiência de fato e com capacidade de trabalhar conceitualmente seus projetos.
A ideia do curso surge nesse sentido, de valorar o trabalho do produtor e qualificá-lo para esta etapa fundamental da produção, de desenvolvimento dos projetos.
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