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Qual periferia?

Embalada nas discussões acerca da produção cultural na periferia hoje, esta coluna vem analisar uma questão primeira: qual a periferia e qual a cultura da periferia que é coberta pela mídia hoje? Embalada nas discussões acerca da produção cultural na periferia hoje, esta coluna vem analisar uma questão primeira: qual a periferia e qual a cultura da periferia que é coberta pela mídia hoje? Qual é a mídia que fala por e para esta população, e como ela se configura?

A grande mídia no Brasil hoje é, grosso modo, uma mídia empresarial, e como tal objetiva o lucro, como qualquer empresa minimamente sensata no capitalismo. Não que não busque sua responsabilidade social, mas não é e nem nunca será esse o seu objetivo principal. E por isso é feita para quem pode pagá-la: no caso da TV aberta, os anunciantes; no caso da TV por assinatura, os clientes e os anunciantes. A mesma lógica para o rádio e para os jornais e revistas, pagos ou gratuitos. E inclusive para os promocionais, de grupos ou de um único anunciante.

Por suas características comerciais, de produção para uma massa disforme de público e por pessoas com uma formação e uma origem social semelhantes, a chamada grande mídia trabalha muito com mitos e preconceitos. Nesse contexto, a periferia é o espaço da violência e dos problemas sociais, e quando positiva da atuação social de empresas e da comunidade para vencer dificuldades que o Estado não consegue resolver. Essa “periferia linda” da mídia é reproduzida, com outros estereótipos, sem dar ao povo da periferia um valor, o de saber o que quer e porque quer e tem direito. A outra periferia é a do jornalismo sensacionalista e se mistura com aquela de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

Mas a Cooperifa, como muitas outras iniciativas sérias, deve um pouco de sua fama e estruturação a este lado da mídia. “Descoberta” em reportagem da revista Época, e desde então abordada pelos mais diversos meios, o Cultura e Mercado inclusive, divulga ideais, reconhece realizações e potenciais, e talvez até fomente outras ações. Mas discute? Debate políticas públicas, ou sua ausência, de forma minimamente construtiva? Esse papel, não é realizado pela mídia comercial, não é complementado normalmente pela mídia pública, salvo exceções como entrevistas sérias de alguns veículos, de ambos os lados da moeda.

Se não é expressa uma periferia que fuja a estes estereótipos na grande imprensa, duas perguntas ficam: ela existe? Se sim, como ela se comunica consigo mesma, discutindo suas demandas? Sobra, como era sensato se esperar, para as rádios comunitárias e para iniciativas pontuais, como a revista Cultura Periférica, editada pelo militante Gunnar Vargas e por colaboradores, e que será lançada nesta Semana de Arte Moderna da Periferia, com cerca de 1500 exemplares. Surgida e tratando deste universo cultural periférico, cobre a própria semana, com poemas e entrevistas com os artistas da Cooperifa, principalmente.

Por sua vez, jornais de bairro e o canal comunitário de TV vivem em um limbo, alheios à formação de uma ágora que discuta problemas regionais. Veículos públicos, sejam impressos ou não, também não se voltam para esta região, exceto informes das secretarias, subprefeituras, hospitais e outros. A mídia segmentada, voltada para o hip hop ou para a religião, cumpre seu papel, mas não tem como discutir questões maiores. E a periferia não se comunica. Será que se reconhece, ao menos e na maioria de sua população, na mídia feita por, para e sobre outros espaços da cidade?

Guilherme Jeronymo

Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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