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Quanto vale o livro?

A chegada da Amazon ao Brasil foi apenas o estopim de um debate que há muitos anos ronda os bastidores do mercado editorial. Em sua estreia no mercado impresso brasileiro, em agosto, a norte-americana oferecia 150 mil títulos em português, frete grátis para compras acima de R$ 69 e até 40% de desconto em alguns títulos.

“Isso é uma prática canibalista, para arrasar o mercado. Por isso é importante a regulamentação, o preço fixo. Toda a cadeia precisa de um equilíbrio”, disse na ocasião o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Ednilson Xavier.

Poucos meses depois, uma busca rápida pela internet prova que todo o barulho em torno das possíveis super promoções que a Amazon poderia fazer foi apenas barulho. Outras grandes lojas online nacionais têm praticado preços ainda menores. Aliás, há muitos anos as redes varejistas já colocaram o livro entre eletrodomésticos, roupas e móveis, e aplicam os mesmos descontos e facilidades de pagamento que as livrarias dificilmente conseguem enfrentar.

Livro e perfume estão lado a lado nessas “prateleiras”. Para se ter uma ideia, a Avon é apontada por especialistas do setor como uma das principais distribuidoras de livros no Brasil. A empresa não divulga números, mas dados apresentados pela editora Intrínseca indicam que, em 2009, só a Avon respondeu por 50% das vendas do primeiro título de “Crepúsculo”, série adolescente sobre vampiros, e 28,8% de “A Menina Que Roubava Livros”. Mas estamos falando de uma rede com mais de 1,5 milhão de revendedoras, em atendimento porta-a-porta, com títulos que chegam a custar 50% a menos na comparação com os valores praticados pelo mercado.

Voltando a agosto de 2014… Naquele momento, a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a ANL e outras entidades do setor enviaram aos candidatos à Presidência da República uma carta com 17 propostas, entre elas o estabelecimento de uma lei do preço fixo do livro. Dias depois, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) – que discordava de alguns pontos da carta – enviou suas próprias sugestões aos presidenciáveis.

“Este assunto é bastante complexo, o que nos exige muita reflexão e análise. A questão vem sendo há muitos anos debatida na diretoria do Snel, sem haver um consenso sobre a pertinência e a aplicabilidade de uma lei nesse formato no Brasil”, diz a atual presidente do Sindicato, Sônia Jardim.

Basicamente, a lei do preço fixo, como é aplicada em outros países, impede o desconto excessivo em lançamentos, determinando que ele não deve ultrapassar 5% ou 10% (no site da ANL há uma lista, de 2009, detalhando como funciona a lei em cada país que a adota). Mas ainda há uma série de outras questões.

Não é só pela Amazon – Para conhecer melhor as experiências internacionais e debater se uma lei de preço fixo seria adequada ou não às características do mercado brasileiro, o Snel promoveu na última semana, no Rio de Janeiro, um seminário que trouxe representantes do setor livreiro da Inglaterra, França e Alemanha.

Joachim Kaufmann, vice-presidente do Bonnier Books New Markets, um dos maiores grupos editoriais da Alemanha, afirmou que 30% a 40% do mercado internacional do livro é regulado pelo preço fixo. A Alemanha fixa o preço dos livros desde 1888. Para Kaufmann, o preço fixo não impede a concentração, mas diminui a sua velocidade. “Lei do Preço Fixo não salva o mercado da Amazon. Em mercados onde ela existe, a Amazon continua crescendo, mas cresce em velocidade menor”, afirmou.

Ele apresentou um comparativo entre o Reino Unido, onde não existe a fixação do preço, e a Alemanha: o marketshare da Amazon para livros físicos no Reino Unido é de 27%, e para e-books de 84%. Já na Alemanha, os índices, apesar de crescentes, são menores: 14,9% para livros físicos e 46% para e-books.

A tese foi reforçada por Jean-Guy Boin, diretor do Escritório Internacional de Edição Francesa. A França adotou a fixação do preço em 1981. Para ele, a lei trata da garantia de bibliodiversidade e da manutenção de livrarias independentes.

O consultor de políticas públicas para o livro e leitura Felipe Lindoso concorda. “Uma lei que estabeleça limites para os descontos dados pelas livrarias ao consumidor final permite, em primeiro lugar, que se estabeleça um patamar melhor de concorrência entre as grandes redes e as livrarias independentes.”

Lindoso esteve presente no debate que a ANL promoveu em São Paulo, um dia depois do seminário do Snel. Para ele, como as editoras têm seus limites de custo e rentabilidade, descontos maiores podem ser uma ilusão: são dados porque o preço de capa nominal é elevado para que isso aconteça. “As grandes redes podem dar mais descontos ao cliente final porque recebem, das editoras, maiores descontos, em troca do compromisso de fazer as promoções. As editoras concordam em dar maiores descontos para esses varejistas, obviamente, porque sua capilaridade e capacidade de vendas é maior que cada uma das pequenas e médias livrarias”, explica.

A ANL defende a lei preço fixo por acreditar que ela pode garantir a oferta, permitir acesso à produção local, nacional e estrangeira e dar tratamento de igualdade de direitos
ao livreiro de qualquer porte e lugar. “A conjunção desses fenômenos é o que se conhece por
bibliodiversidade, a ser entendido como o equilíbrio entre a diversidade de títulos, a abundância de oferta e a pluralidade de pontos de vendas”, afirma a entidade em documento publicado pós-evento.

A ideia é que, com a igualdade de condições e de práticas comerciais, o grande diferencial de cada ponto de venda deixe de ser o preço especificamente e migre para formas de negociação, atendimento, conforto, comodidade, fidelização do consumidor. “É isso que entendemos ser um mercado capitalista com concorrência saudável.”

Felipe Lindoso completa: “a lei do preço fixo não é uma panacéia”. No caso das livrarias independentes, a prosperidade depende também de sua própria capacitação gerencial, que se reflita no cultivo dos clientes, no gerenciamento das vendas online, na publicidade etc.

Para João Varella, sócio da pequena editora Lote 42, que acaba de abrir uma banca para vender publicações independentes no centro de São Paulo, tanto em termos econômicos quanto de gestão, os impactos de uma lei do preço fixo seriam muito pequenos. “É prática no mercado de livros fazer preço fixo, por mais que as negociações com as livrarias seja diferente”, afirma.

Segundo ele, o aspecto positivo seria justamente a limitação de promoções muito agressivas, que geralmente são feitas pelas grandes redes e editoras. No entanto, ele lembra que a lei também pode limitar ainda mais o espectro das ações de divulgação dos pequenos. “Dependendo de como se regulamente a lei, é possível que uma oferta como a que fizemos no 7×1 contra a Alemanha fosse considerada ilegal.”

Ele se refere a uma promoção feita pela editora durante a Copa do Mundo de futebol. A cada gol que o Brasil tomasse do adversário, eles dariam 10% de desconto em qualquer livro do catálogo na loja virtual. Quando a seleção alemã bateu a brasileira por sete gols nas semifinais, acabaram dando 70% de desconto.

Regulamentar para diversificar – As pequenas livrarias representam cerca de 65% das livrarias no Brasil, segundo a ANL. Em todo o país, são cerca de 3.095 lojas. Mesmo o número tendo se mantido estável em 2014, em comparação com 2013, ele não representa sinais de recuperação. E quando se compara sua participação no faturamento, as pequenas representam apenas algo em torno de 35%. Nesse sentido, a Associação considera que a falta de regulamentação provoca o fechamento da pequena e média livraria.

Já existe um projeto de lei, apoiado pela ANL, que está nas mãos da deputada Fátima Bezerra (PT-RN), eleita senadora neste ano. Segundo Ednilson Xavier, ela pretende levá-lo ao Senado assim que tomar posse na Casa, em 2015. Mas Sônia Jardim, do Snel, vê a ação com cautela. “Aprendi nesses anos à frente do Snel que um projeto de lei é uma coisa muito lenta. Basta ver a questão do livro digital, que está tramitando nos últimos três anos sem perspectiva de termos um ponto final. Além disso, começa de um jeito e termina de outro. O projeto de lei que se imagina que vai atender a nossa indústria certamente não será o projeto que será aprovado. Ele virá com uma série de emendas e outras questões que serão agrupadas”, alerta.

Para Varella, é importante limitar práticas anti-concorrência das grandes editoras. “Elas dominam as livrarias e fazem pouco para melhorar as condições comerciais. Desconfio que seja justamente para dificultar a entrada de novos concorrentes”, diz. A grande virada, defende ele, independentemente de lei, aconteceria com uma espécie de despertar do consumidor. “Com um ato de compra mais consciente, teríamos muito a ganhar.”

Gustavo Martins de Almeida, advogado do Snel, acredita que toda essa discussão é sinal de uma maior atenção jurídica dada ao leitor, já que autor e editor já estão regulados nas leis. A discussão sobre preço fixo do livro, diz ele em artigo no Publishnews, engloba todo o segmento de venda do produto, desde a negociação dos descontos no valor para venda a livreiros e grandes redes, até chegar à ponta do consumo, a relação com o leitor.

“O fato é que o leitor aparece em igualdade de condições com o consumidor e a lei de consumo é muito mais favorável a esse último, assegurando-lhe prerrogativas inexistentes em outras relações. Sendo o leitor/consumidor a parte mais ‘fraca’, a lei procura equilibrar a relação revestindo de maior força as suas pretensões”, afirma Almeida.

Mas o debate ainda pode ir além. Para o consultor jurídico da ANL, Sidney Lent Junior, trata-se de pensar no livro não como uma simples mercadoria. “Nem a mais avançada legislação vai evitar o fim do livro como produto”, disse no debate promovido pela Associação.

“A lei não vai resolver os problemas das livrarias ou das editoras, mas é fundamental dentro das políticas públicas do livro, tendo em vista o acesso”, completa Lindoso.

No final, a grande questão passa a ser: qual é o valor do livro?

Leia mais:
A lei do preço fixo do livro, por Felipe Lindoso

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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