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Quem ganha com licença não voluntária?

A uma semana do fim da consulta pública sobre a modernização da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), a proposta do Ministério da Cultura (MinC) recebe o apoio de músicos e profissionais de outras áreas de atuação. As contribuições populares realizadas pela internet já somam quase 6 mil. O projeto final será sistematizado baseado nessas contribuições e, somente quando estiver consolidado, será enviado ao Congresso Nacional.

Um dos pontos polêmicos da proposta é o que permite a chamada licença não voluntária. O jurista e professor de Direitos Autorais da PUC-Rio, Denis Barbosa, conta que a licença voluntária atende tanto à vontade do autor, quanto à vontade do público. “A licença não voluntária se volta especificamente para atender a um problema que é o da contradição de interesses: de um lado, o de não levar a obra ao público e, de outro, o de ter acesso à cultura”, explica. Barbosa chama atenção para o fato de que “dificilmente na história esse conflito de interesses se dá entre o autor e a sociedade. É sempre entre com o titular – o editor –, que resolve não publicar mais, porque, pelo interesse dele, o retorno não foi bom. Ou, então, terceiros, que compraram a obra ou a receberam como herança e preferem não dar acesso público à obra, por interesses meramente monetários”.

Sobre a resistência apresentada por entidades de classe e alguns representantes de artista à proposta da licença não voluntária, prevista no anteprojeto de lei, o professor, que também é músico e escritor, afirma que, “se alguém tem medo da licença não voluntária, esse alguém não pode ser o autor, porque esta licença é feita em favor do autor e da sociedade”.

A licença não voluntária não se aplica ao mercado musical e já é regulamentada em países como os Estados Unidos e, assim como ocorre em outros mercados, para usufruir desse dispositivo, o texto em consulta pública prevê o pagamento de todos os direitos aos autores, para garantir que tanto a sociedade quanto os autores sejam beneficiados.

Músicos querem o fim do “jabá”

Durante os encontros do ministro da Cultura, Juca Ferreira, com músicos, os artistas manifestaram apoio à revisão da Lei. Uma das propostas mais elogiadas é a que criminaliza a “compra” dos espaços nos meios de comunicação para veiculação repetitiva de uma música ou de um artista. Esta prática é conhecida como “jabá”. Este mecanismo dificulta o acesso de outros artistas às rádios e televisões, impedindo que a população tenha acesso à diversidade de produções realizadas no país. Além disso, como a arrecadação dos direitos autorais se dá pelo número de vezes que a obra é executada, o aumento desse número de forma artificial faz ganhar mais quem paga “jabá”. Isso configura um cenário de competição desleal.

O músico Luiz Caldas explica que a estrutura montada em torno da relação entre gravadoras e meios de comunicação o fez optar pela internet como a principal forma de divulgação de sua obra. “Nós, artistas, não temos como lutar contra o jabá das gravadoras. Há muito tempo esperávamos por uma proposta como essa”, disse.

Para o produtor artístico Jesus Sangalo, o “jabá” deveria ser considerado “crime inafiançável”. Ele contou que, mesmo trabalhando com a irmã Ivete, uma artista que não precisa desse tipo de prática, é muitas vezes assediado para fazer esse tipo de pagamento.

À medida que criminaliza o “jabá”, a proposta do MinC legaliza a cópiar de obras como músicas e livros em outras plataformas, desde que seja para uso privado. Por exemplo: quem compra um CD atualmente não pode copiar suas faixas para dispositivos móveis, como tocadores de mp3. Já quem paga o download de um livro, não pode imprimi-lo. São dois dos muitos exemplos de práticas comuns, mas que constuem crime e podem resultar em processos contra os usuários.

Proposta prevê transparência na arrecadação

O texto proposto pelo MinC prevê supervisão estatal sobre as entidades que arrecadam direitos autorais. Entre os 19 países da América Latina, o Brasil é o único em que não há regulação da atividade de gestão coletiva de direitos autorais. Entre os 20 maiores mercados de música do mundo, há países de todos os continentes e em diferentes estágios de desenvolvimento, mas a situação é parecida. Nesse grupo, o Brasil se destaca como o único em que não existe nenhuma regulação da atividade de gestão coletiva ou ao menos competências para a resolução de conflitos nessa área. Ou seja, a ação do governo brasileiro irá interferir na distribuição dos direitos autorais a favor dos autores, como ocorre nos principais mercados de música do mundo.

De acordo com a proposta em debate, caberá ao Estado exigir das associações e do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos de Execução Musical (Ecad) que mantenham atualizados e disponíveis um relatório anual de atividades, o balanço anual completo e o relatório anual de auditoria externa de suas contas. Em eventuais casos de abuso, os autores terão informações para contestar práticas na Justiça, destituir coordenações e exigir seus direitos.

Direitos do consumidor de arte

A proposta do MinC prevê, em seu primeiro artigo, que “a proteção dos direitos autorais deve ser aplicada em harmonia com os princípios e normas relativos à livre iniciativa, à defesa da concorrência e à defesa do consumidor”.

Segundo o ministro Juca Ferreira, “a harmonização de todo o sistema interessa ao autor, pois quanto mais consumidores, mais investidores e mais arrecadação para os artistas. Nenhum lado pode sair perdendo, senão o mercado não incorpora o modelo”.

Consulta pública

O anteprojeto de lei que moderniza a legislação sobre direitos autorais está em consulta pública até o próximo dia 31, no endereço www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral. Desde que entrou no ar, no dia 14 de julho, a proposta já recebeu 5.907 contribuições.

*Com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério da Cultura.

Andrea Lombardi

Atriz, pós-graduada em gestão da cultura.

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