A cultura colaborativa chegou ao cinema. Ou pelo menos é nisso que apostam dois gigantes do mercado midiático: a Amazon, conglomerado que começou como uma livraria virtual e é hoje um dos mais importantes distribuidores de conteúdo digital do planeta; e a Warner Bros, estúdio ligado ao grupo Time Warner, um dos sobreviventes da “velha” mídia, cujos negócios continuam, como sempre, centrados na criação e na produção de conteúdo. Só que agora digital, claro.
O casamento intergeracional, em si, não deve surpreender ninguém. Até porque está na moda. Apple e NewsCorp, como é público e notório, estão namorando firme há algum tempo, como mostra o tratamento especialmente carinhoso oferecido por Steve Jobs aos veículos de Rupert Murdoch nas telas dos i-Pads e da Apple TV. E até o Google, que parecia não ter olhos para ninguém com mais de 20, já começa a flertar com algumas das figuras mais rodadas do mercado midiático.
O que há, então, de especial nesta parceria? Respondo: trata-se de um relacionamento, digamos, aberto. Os parceiros reservaram para si as delícias da produção e da distribuição, mas estão abertos a novas experiências na etapa de criação. O modelo consiste basicamente em oferecer ao público – sim, você! – uma plataforma pela qual o interessado, após assinar um contrato virtual, pode fazer o “upload” de um roteiro ou mesmo de um piloto de um filme de longa metragem. Se aprovado, o material ficará disponível para “contribuições” de outros internautas mundo afora até que, eventualmente, desperte no tradicional estúdio de Hollywood o interesse em transformá-lo em um filme de verdade, daqueles que as pessoas usam para acompanhar a pipoca.
Os sócios têm até 18 meses para decidir se querem ou não comprar, com exclusividade, o direito de produzir um filme com o roteiro/piloto oferecido. Em caso positivo, seu autor receberá US$ 200 mil, mas pode ter que dividir até 50% do valor, pago a título de “prêmio”, com outras pessoas que, a critério da Comissão Julgadora, tenham dado contribuições “substanciais” ao trabalho original. O prazo para exercer a “opção de compra” pode ser ampliado por mais 18 meses, mediante depósito de US$ 10 mil.
Isso é o básico, mas há os extras. Se o filme render mais do que US$ 60 milhões – número nada absurdo para os padrões de Hollywood – o autor do roteiro/piloto que o originou ganha um bônus de US$ 400 mil. Se um novo filme for produzido com base nesse mesmo trabalho (tipo “continuação”), o autor recebe mais US$ 100 mil. E se virar série de TV, o autor ganha US$ 5 mil por episódio.
Entre a bem organizada classe dos roteiristas norte-americanos, as reações têm sido díspares. Os que estão inseridos no mercado “tradicional”, ou que ainda têm esperança de se inserir, reclamam dos valores oferecidos. Nos seus cálculos, receber algo em torno de US$ 600 mil por um filme que rendeu US$ 60 milhões significa dar US$ 59,4 milhões para a Amazon Studios (como se o custo do filme se resumisse ao roteiro/piloto). Para os que estão fora do mercado, a oportunidade pode parecer mais atraente. Melhor do que ver aquela ideia brilhante e incompreendida mofando na gaveta, como disse o roteirista Lee Mathias. O resto do mercado – incluindo outros estúdios, investidores, sindicatos, etc. – está basicamente observando. Ora criticando, ora apoiando, mas no fundo apenas tentando entender onde é que isso vai dar.
Nós, advogados, também. O modelo parece legalmente sustentável dentro do sistema jurídico anglo-saxão, caso dos Estados Unidos, mas sua aplicação em qualquer país que siga a tradição romano-germânica – como o Brasil e a maior parte da América Latina, além de Portugal, Espanha, Itália, França, entre outros – exigiria uma série de adaptações. Entre outras coisas porque, ao fazer o “upload”, o autor do roteiro/piloto abre mão expressamente dos seus direitos morais, que incluem o direito de não ter a obra modificada à sua revelia, um dos pressupostos do modelo. Pela nossa lei, não custa lembrar, os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis.
Detalhes técnicos à parte, o grande desafio agora é avaliar até que ponto os métodos colaborativos de criação audiovisual – cada vez mais comuns em produções artísticas em escala artesanal – se adéquam às expectativas quantitativas e principalmente qualitativas da indústria. A Amazon e a Warner estão pagando pra ver. Pouco, mas estão.
* Publicado originalmente no blog Direito e Mídia.
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Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. Acho q o interessa é a magia. Se o filme é brasileiro ou não, eu ainda acredito, q ele vai "vender" se tiver uma boa história, boa direção, edição, atores, música, fotografia. E está cada vez mais fácil. Tem até festival de filme feito no celular. Estamos num mundo maravilhoso para as "artes". akele abc
Luciano! Gostei do seu comentário. Principalmente no que diz magia. Quando escrevi Feitiço mineiro a idéia era deixar o leitor num mundo mágico até o último capítulo e agora é possível que vire filme. Com a magia que vc quer... Depende dos diretor e dos atores e de todo o conjunto.Parabêns!
uma câmera na mão e um monte de idéias em um monte de cabeças... como houve a democratização da informação via internet, há a democratização da produção cinematográfica também. e a grande babel vai estendendo seus tentáculos.
Desde que escrevi o romance Feitiço Mineiro que os metidos a cineastas me ligam e perguntam se tenho interesse de meu livro virar filme. Calma gente! É uma boa idéia é. Mas tem que sobrar um. E além do mais somente a metade dos direitos autorais são meus. A outra metade é de uma editora paulista.
É a grande Babel que vai estendendo seus tentáculos à indústria? Ou seria o contrário?