Nos últimos anos, o Brasil experimentou taxas de crescimento econômico que causaram inveja a muitos dos chamados países desenvolvidos. Junto com Rússia, Índia e China, pretende rearranjar as peças do tabuleiro da política internacional, deslocando os vetores do eixo das discussões acerca das trocas comerciais e de serviço.
E o que podemos dizer do consumo de bens e serviços culturais? Seguiu a mesma tendência verificada no caso dos bens de consumo duráveis e não-duráveis e dos outros tipos de serviços? Há relação direta entre o aumento da renda e o aumento do consumo de cultura? Os pobres que ficaram menos pobres foram “culturalmente incluídos”? Os ricos que ficaram mais ricos passaram a consumir mais cultura? Estará ganhando corpo o lema cidadania cultural, se não a principal, uma das principais diretrizes do Ministério da Cultura na última década?
Um dos caminhos para tentarmos responder a essas e muitas outras perguntas é a Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, cujo objetivo é disponibilizar informações sobre a composição orçamentária doméstica, a partir da investigação dos hábitos de consumo, da alocação de gastos e da distribuição dos rendimentos, segundo as características dos domicílios e as pessoas, bem como sobre a percepção das condições de vida da população brasileira.
Aqui, cruzo informações da POF 2002-2003 com a POF 2008-2009 referente ao item “recreação e cultura”, de modo a possibilitar a análise comparativa entre os dois períodos. As despesas com recreação e cultura foram analisadas a partir de algumas variáveis, a saber: anos de estudo da pessoa de referência da família; anos de estudo da pessoa de referência da família em área urbana; anos de estudo da pessoa de referência da família em área rural; classes de rendimento total; classes de rendimento total em área urbana; classes de rendimento total em área rural. Ao final, a demanda é confrontada com a oferta de teatro e música, a partir de informações colhidas no Anuário de Estatísticas Culturais 2009, publicado pelo MinC.
É importante deixar claro que utilizo a definição de recreação e cultura fornecida pelo IBGE: “despesas com brinquedos e jogos com bola, boneca, software, celulares e acessórios (aparelhos e acessórios de telefonia celular), livros, revistas e periódicos não-didáticos (jornais, revistas infantis, etc.). Inclui ainda despesas com diversões e esportes (cinema, teatro, futebol, ginástica, artigos de caça, pesca, camping, etc.), equipamento de ginástica e demais despesas similares”.
Gráfico 1. Despesas e distribuição monetária e não-monetária média mensal familiar, por anos de estudo da pessoa de referência da família, segundo os tipos de despesa. Brasil
2008-2009
Entre 2002 e 2009, a renda média mensal familiar onde a pessoa de referência tem menos de um ano de estudo praticamente dobrou, bem como os gastos com recreação e cultura. Situação diferente ocorre com o estrato da população mais cultivado (no sentido formal do termo, é claro): a renda familiar aumentou, mas os gastos com recreação e cultura diminuíram em números absolutos e percentualmente.
Gráfico 2. Despesas e distribuição monetária e não-monetária média mensal familiar da área urbana, por anos de estudo da pessoa de referência da família, segundo os tipos de despesa. Brasil
2002/2003
2008/2009
Gráfico 3. Despesas e distribuição monetária e não-monetária média mensal familiar da área rural, por anos de estudo da pessoa de referência da família, segundo os tipos de despesa. Brasil
2002/2003
2008/2009
O mesmo quadro é verificado quando acrescentamos a variável “área urbana” à análise: expressivo aumento de renda da camada da população com menor acesso aos estudos formais bem como dos gastos com recreação e cultura, inversamente ao que ocorre com o extrato social com maior acesso à educação. Nas áreas rurais as despesas são menores do que aqueles das áreas urbanas tanto entre os mais educados quanto entre os menos educados. A diferença é que, percentualmente, os menos educados mantiveram-se estáveis entre 2002 e 2009, ao passo que os mais educados viram reduzir-se proporcionalmente sua participação no item recreação e cultura.
Gráfico 4. Despesas e distribuição monetária e não monetária média mensal familiar, por classes de rendimento total, segundo os tipos de despesa – Brasil. 2008/2009
De acordo com a POF 2008-2009, quando comparamos os extremos das classes de rendimento observamos que o extrato social que ganhava praticamente vinte vezes mais, gastava cerca de trinta vezes em recreação e cultura aquilo que era gasto pelos de menor renda familiar. No entanto, o percentual destas despesas, nos dois grupos, é praticamente o mesmo. Os mais pobres gastam mais em recreação e cultura na região sul; o mais ricos, no sudeste. Na região centro-oeste, o percentual é rigorosamente o mesmo para os dois extremos, equivalência verificada também nas áreas urbanas.
Os gráficos apresentados questionam algumas ideais do senso comum. A primeira delas diz que quanto maior a renda, maior o gasto com cultura. Esta pressuposição parte da justificativa de que não se vai ao cinema ou ao teatro porque os ingressos são caros. Verificou-se, entretanto, que, apesar de em números absolutos as despesas com recreação e cultura aumentarem correspondentemente ao aumento da renda familiar, proporcionalmente elas são semelhantes às das classes de rendimento mais baixas. Os mais pobres, inclusive, gastam proporcionalmente mais que os mais ricos. Ademais, como não foi possível desmembrar o item nas diversas atividades que engloba, é plausível que o aumento dos gastos tenha acontecido, por exemplo, num único bem (telefonia celular) ou serviço (Internet). Seria o mais do mesmo.
Em segundo lugar, os números mostram que ter “mais” ou “menos” cultura não depende do número de anos de estudo. A pressuposição, falsa, diz que quanto mais “culta” a pessoa é mais “cultivada” ou “viajada” será. Afinal de contas, tem os meios necessários para acessar diversas formas de expressão cultural. Na verdade, a noção de cultura, no discurso do senso comum, diz respeito à educação formal, nada tendo que ver com “cultura” em seu sentido antropológico, de representação simbólica, experiência do estar-no-mundo. Esta cultura, todos temos.
Em terceiro lugar, não parece haver uma relação direta entre aumento da oferta e aumento da demanda, ao menos espontaneamente. Tal afirmativa faz sentido quando observamos que as despesas com recreação e cultura nas áreas urbanas, dotadas de melhor infra-estrutura cultural (mais museus, teatros, cinemas, centros culturais, salas de música, circos, locadoras e lojas de vídeo e Cds etc.), não são significativamente mais altas que as das áreas rurais. Segundo dados do próprio Ministério da Cultura, entre 1999 e 2006 houve um aumento de 73,8% no número de municípios brasileiros com existência de lojas de discos, CDs, DVD e fitas e de 54,7% no de municípios brasileiros com presença de teatros e/ou salas de espetáculos.
O acesso à cultura, seja nos aspectos de produção ou de fruição, não se resume à questão da renda familiar, ainda que sem ela o consumo seja impraticável. O paulatino aumento da renda familiar deve vir complementado com a resposta às seguintes perguntas: o que se está consumindo? Quais bens e serviços culturais? Trata-se, portanto, também da formação de público, de conhecimento e reconhecimento da diversidade cultural brasileira. As informações prestadas pelo IBGE contribuem sobremaneira para a avaliação da política institucional do MinC. Que sejam, pois, levadas em consideração por seus gestores.
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Temos que avaliar o conteúdo desse novo consumo de cultura, na música já podemos verificar que a arrecadação de direitos para a música estrangeira mais que dobrou enquanto a nacional mais que decresceu duas vezes, ou seja, substituímos o consumo do produto nacional pelo estrangeiro. No cinema, no teatro, na literatura, como foi? Estamos consumindo mais o que? Que conteúdo cultural avançou tanto no Brasil dos últimos anos? Subsidiamos a ambos, conteúdo nacional ou importado, qual é o resultado disso? Quais os critérios do nosso desenvolvimento cultural, o que queremos afinal? emos que pensar nisso.
Parece que o consumo cultural não deve ser analisado só sob estatísticas, por sua natureza muitas vezes intangível e subjetiva. Ajuda e muito, neste análise, associar as características do consumo de bens tangíveis ao consumo de bens culturais. Outro dia li aqui um artigo também interessante sobre isso, o “A classe C vai ao Paradiso” ( sss://ht.ly/4B3lt )
Caros Gil e Marina,
Sem dúvida alguma não podemos nos contentar com a frieza dos números. Como colocado no início do artigo, o aumento nos gastos com "recreação e cultura" podem ter ocorrido, por exemplo, com um único bem (celulares, entendido como bem cultural pelo IBGE). Os números não nos falam sobre diversidade cultural e acessibilidade, no entanto, dão algumas pistas sobre os (des)caminhos das políticas públicas. Se compararmos os gastos com cultura na União Européia, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, verificamos que estamos anos luz de uma sociedade culturalmente inclusiva. Não precisamos ir até a Oceania: aqui do lado, na Argentina, a situação é bem mais alentadora. Vejam o site do Sistema de Informações Culturais da Argentina (SINCA, vale a pena, é uma aula de gestão.
Minha aposta é na formação de público, mais do que APENAS aumento nos gastos públicos.
Abraços
MArcelo
Mas é isso mesmo, estamos formando público para ver o que? Que formação é essa? Se for para musicais da Broadway e cantores americanos, não estamos bem. Se for para os filmes de Hollywood muito menos, ou para o que a literatura importada tem para nos contar, só isso é muito pouco, é uma deformação. Temos que pensar em critérios para a formação cultural que queremos empreender, temos que pensar de que maneira vamos nos expressar entre nós e para o mundo, de que maneira nos vemos, nos compreendemos e queremos ser, de que maneira somos e o que nos diferencia, são essas as nossas questões, e é aí que estamos longe, muito longe do alvo. Experimentamos uma derrota retumbante na Cultura, nosso conteúdo vale cada vez menos...e parece que pouco isso pouco nos afeta, não especulamos sobre isso. Subsidiamos a cultura importada, que tal? ë aí que temos que pensar em formação de público, para que? para quem? por que?
Não sei porque o meu comentário anterior não foi publicado, mas enfim...
É como disse Milton Santos: "Se tudo se torna capitalista, está instalada a contradição"
Vejo que dentro do MinC multiplicam-se as ideias da racionalidade da D. Ministra da Cultura. Vamos todos agora com artifícios renovados vender as bugingangas culturais, de excelência é claro, pois a Ministra é exigente. Ainda mais se tiver que concorrer com geladeiras, penicos, pregos e parafusos. Por que não vender cultura à quilo? Afinal está na moda. Quem sabe eu, com essa brilhante ideia, não consigo contagiar o já imaginativo universo do novo MinC!
Desliguem seus sonhos de cultura humana. Vamos todos mergulhar na esquizofrenia do território capitalista.
Essa nova fase da história do MinC santifica sem mais delongas a mensagem e o discurso do que há de mais pobre em cultura. É o discurso oficial mais lamentavelmente destrutivo que a história da cultura brasileira já viveu. Uma lástima!
Que pena: o CULTURA E MERCADO se rendeu ao mercado(sorry a redundancia) e quer auferir lucros & benesses
Virou porta-voz não oficial do governo Dilma e do Minc!
Não questiona nada,aplaude e oferece espaço para cartas-resposta
Isto não é jornalismo ou é?
Se for é o jornalismo -TIRIRICA,sem graça alguma e pensando que quem lê são ignorantes que não acompanham as noticias de fontes imparciais.
Abra o capital,o BNDES ajuda e algum fundo de opensão certamente comprará uma fatia do bolo estragado...........
Att
Octaviano Moniz Barreto(BA)