Categories: ANÁLISE

R$ 2,2 bilhões para a cultura

Passei o dia examinando o complexo universo do orçamento brasileiro. Considero-me um cidadão relativamente bem informado e percebo os avanços no processo de transparência pública. Sinto-me, no entanto, um tanto frustrado na tarefa que me impus esta semana. Tentar explicar como será o orçamento da cultura em 2010, que chegará, pela primeira vez na história ao patamar de 1% do orçamento federal. O mérito é todo de Juca Ferreira.

O Ministro fez barulho em 2009: incomodou seus colegas de governo, cutucou o Congresso, cobrou de todos a responsabilidade do Estado em relação à cultura. Seu principal feito, no entanto, foi alinhar-se politicamente com Dilma, mostrando que cultura pode ser útil no processo eleitoral.

Fez uma aposta arriscada, pois tudo o que é potencialmente forte do ponto de vista eleitoral, torna-se frágil programática e institucionalmente. Um bom exemplo disso é programa Cultura Viva. A partir do momento que foi engolido pelo Mais Cultura, perdeu sua força programática para tornar-se um mero programa de repasse de verbas em parceria com estados e munícipios, a ações culturais descentralizadas. Não sabemos para onde irá evoluir esta proposta, que é o grande cabo eleitoral da cultura na gestão Lula.

Até mesmo o processo de revogação da Lei Roaunet, ainda que eu o considere fraco e inadequado, não há como negar o impacto midiático da proposta. E a grande oportunidade política que ele gerou para o governo, vendendo esperança de dias melhores para a cultura de todo o país. Não há dúvida que essa esperança será levada em conta, sobretudo naqueles mares nunca antes navegados pelo sistema público de financiamento à cultura, na hora do voto.

O preço a pagar pela campanha política é grande, sobretudo com os setores estabelecidos do mercado cultural. O Ministro retornará de férias no final do mês, quando terá de encarar a crise do Procultura, apimentada com a demissão de Roberto Nascimento da secretaria do fomento, que cuida da gestão da Lei Rouanet.

O Procultura protocolado no Congresso é uma farsa. O projeto não foi liberado pela Casa Civil e deve sofrer mudanças. O prazo prometido para entrega da versão final é fevereiro. Mas nada disso será motivo de desânimo para o ministro, que vai tentar faturar, para si e para Dilma, os projetos e orçamento aprovados em 2009, sobretudo o Vale Cultura, que deverá ser regulamento ainda este ano.

2010 tem tudo para ser um grande ano para a cultura brasileira. Resta saber como será a ressaca deste ano. Disso dependerá o resultado das eleições, ainda incerto. À sociedade civil resta brigar por programas de governo avançados na área da cultura, buscando sobretudo a institucionalidade programática.

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • Olá Leonardo,

    gosto de ler suas críticas e visões sobre as mudanças de paradigmas no Ministério da Cultura(nunca antes realizadas por governos anteriores, diga-se de passagem), mas ás vezes me encomoda - no bom sentido - sua extremada crítica, praticamente contra o que se tem realizado neste governo Lula quando se fala em Cultura. Pois tb concordo que algumas coisas são mesmo questionáveis, mas nas entrelinhas de alguns de seus textos percebo um posicionamento quase partidário nas suas opiniões...

    talvez isso não seja tão claro e evidente, mas agora "atravessei as camadas" e registro aqui minha reflexão com vc através deste seu último texto.

    não entendo, ás vezes sua síntese das situações factuadas neste Brasil em Cultura (orçamentos, editias, lei de incentivo, etcs), pois para mim não fica clara sua intenção, pois óbvio que de alguma forma os textos são para esclarecer alguns fatos ou mesmo criticar para surgir reflexões e discussões, mas em outros momentos fico em dúvida se é isso mesmo ou apenas uma campanha....

    com todo respeito.
    atenciosamente,
    r.

  • Qual a motivação e a intenção das minhas críticas? Não sei responder. Já não sei mais porque escrevo neste espaço. Posso falar de meus impulsos iniciais. Vivo de cultura há aproximadamente 15 anos, às vezes como artista, às vezes como produtor, depois como consultor e pesquisador. Comecei a ter acesso a informações de grande valia para todos que compartilham do mesmo desafio, que é viver da própria arte.

    Isso pode parecer um movimento político-ideológico, mas não é. Partidário então, jamais. Sempre fiz política na vida, faz parte de mim, mas nunca fui filiado a nenhum partido.

    Nasci comunista. Guardo o fascínio pela socialização e a autocrítica dos erros cometidos pela esquerda em todo mundo. Luto com as minhas origens, tento ser um liberal de esquerda, que é uma expressão cunhada pelo Magabeira Unger.

    Liberal pois sinto que não podemos prescindir das liberdades culturais, além dos direitos. De esquerda, pois não consigo compactuar das atrocidades do sistema capitalista.

    Num mundo maniqueísta e manipulado, algumas críticas podem soar defesa dos próprios interesses. Queria poder dizer que sou um ser superior, que não estou movido pelo mundano e pelo que me afeta no âmbito privado. Mas, ao contrário disso, só sei do que me afeta. Tento me sentir na pele do outro o quanto posso, mas falo apenas de mim, o sinto e o que vejo.

    Meu ego aparece sempre em meus textos, são inúmeros os venenos relacionados a ele: arrogância, inveja, ciúme, raiva. Coisas que todos nós temos e que aparecem claramente nas minhas releituras e autoanálises.

    Não sou dono da verdade, nem representante do dono. Falo por mim. E dou espaço aos que discordam e concordam, pois adoro mudar de ideia. Ideia é algo que não gosto de vender, me causa constrangimento qdo tenho de fazê-lo. Gosto de dar de graça para poder receber em troca.

    Minhas palavras sobre Lula podem parecer pesadas, mas se vc reparar não existe uma atribuição de culpa a Lula. Vejo-o mais como vítima da própria situação em que ele se meteu. Mas não vejo maldade no seu coração.

    O mesmo pode se aplicar a Juca Ferreira. Eu o admiro muito como secretário executivo de Gil e me solidarizo com sua difícil tarefa de ministro. Quero arrancar o melhor de Juca, pois sei que ele pode dar. Às vezes escrevo coisas para desestabilizá-lo, é verdade. Faço de propósito. Sei que o Ministério da Cultura inteiro lê minha opiniões. Tenho muitos amigos ali. Alguns gestores, como o Alfredo Manevy, Celio Turino, Sergio Mamberti, Américo Córdula, entre outros, são detentores de profunda admiração minha.

    Mas o poder é um lugar difícil. Corrompe e destrói. Faço o meu papel de sociedade civil, de cidadão. Quero arrancar deste ministério o máximo que ele pode dar. Por isso critico, mas também sei elogiar, como fiz neste artigo.

    O orçamento da cultura de 2010 é um fato histórico. Mas este ano é de institucionalizar. Faz parte do jogo distribuir recursos com fins eleitoreiros. Mas tem que institucionalizar, senão tem muita coisa boa ali que vai acabar. Como me sinto copartícipe, coautor, junto como muitos outros agentes ativos da nossa política cultural, vou brigar para que isso não aconteça.

    Minha candidata a presidente, por enquanto, é Marina Silva. Talvez não seja se o atrelamento dela ao PSDB se viabilizar. Nunca votei e não votarei no Serra, mas também não voto na Dilma, de jeito nenhum.

    Não conheço os planos de Marina para cultura, sequer a conheço pessoalmente. Ou seja, não sou movido por interesses pessoais, nesse sentido de participação mais intrínseca nas esferas de poder. Já tentei fazer colaborações mais próximas do poder, mas já aprendi que a proximidade em determinadas funções atrapalha mais do que ajuda.

    Quero trabalhar para construir um plano de cultura para o Brasil. Talvez por isso esteja aqui. Não vejo isso como uma contribuição ou como algo que faço por indulgência ou caridade. É por cidadania, algo que estamos pouco acostumados e que a rede e as novas possibilidades de atuação no campo social me permitem fazer. E que é tão importante como comer, beber, fazer amor, dormir.

    Pois é companheiro, desculpe a resposta prolongada, mas a questão, que recebo com carinho, é realmente das mais difíceis.

    Um grande abraço, LB

  • Caros Leonardo e Roberto mj

    Boa noite!
    Realmente apreciei a maneira coerente como Roberto expôs suas dúvidas em relações às posturas do Leonardo.
    Gostei também da longa resposta de Leonardo, que, me parece,conseguiu se expor de maneira franca e convincente, como um verdadeiro ser humano e cidadão, e não como um político (no mal sentido da palavra).
    Parabéns a ambos.
    att
    celso fioravante

  • Tem algum candidato preocupado com o desmonte da música no Brasil? Quais as novidades nacionais depois que o século virou? Podemos fazer elencos enormes dos anos 80, 90, mas e depois...padre e axé no supermercado...ah...tem a moça ali que brigou no aeroporto e toca na novela...tem a outra também com voz de menininha e que só canta em inglês...quem mais? o que reduziu e reduz a música brasileira? E o mercado da música? Foi para o fundo do quintal como querem alguns? Moedinhas pra eles nas esquinas? Não temos projetos industriais? Nem globais? Como está a exportação da música brasileira?
    Tem algum candidato preocupado com a digitalização da música brasileira? E com a roubalheira dos direitos autorais? Tem algum? Onde anda a classe média brasileira que perde seus empregos e nem se dá conta ainda? Ninguém observa o mar de importados no setor? É pra ser assim mesmo? O que dizem os candidatos? Internet livre levanta a galera...mas e as consequências disso?
    Alguém fala na Bomba Atômica que se abateu por aqui? Os investimentos simplesmente, acabaram.
    Os próximos serão os livros! E depois os filmes...e todo dinheiro investido irá pelo ralo...alguém tem dúvida?
    Ah...livro tem cheiro, não vai morrer nunca....alguém compra livros pra ficar cheirando-os?..e a língua? alguém preocupado? artigo 18 para a Literatura...A CLASSE MÉDIA ESTÁ DORMINDO, É PRECISO ACORDÁ-LA...É ELA QUE MUDA O BRASIL.

  • Dois bilhões para a Cultura?
    Espero que esse recurso afinal, contemple pequenos e médios produtores culturais e gestores socioculturais do eixo Rio São Paulo, porque afinal - chega de sermos julgados pelo país todo como os grandes devoradores dos recursos nacionais da Cultura, quando na verdade o pouco que recebemos, temos que dividir com o país inteiro, uma vez que a grande parte de nossa população se constitui de gente q vem de outros estados. Portanto o que nos beneficia, beneficia também a bahianos, cearenses,mineiros, nortistas e todos mais. Então stá ficando muito chata essa coisa de nos cobrarem pelo que não recebemos,e quando recebemos dividimos em forma de legítima inclusão cultural com o païs inteiro em nossa sala de visita.
    Aliäs está mais que na hora dos profissionais de cultura do Rio de Janeiro, junto com entidades sócio culturais locais se organizarem (desde que cada um respeite a importância do outro)para que finalmente possamos estar a frente ainda que tenhamos que criá-los, de Conselhos Estaduais e Municipais de Cultura que democratica e legitimamente nos representem, de modo que possamos devolver o nosso melhor ä sociedade nacional. Afinal de contas, tem muito dinheiro em jogo e não é possível que continuemos agonizando e aguardando que um milagre de paternalismo aconteça.
    Dayse Cunha

  • Caro Leonardo,
    e leitores:

    solidarizo-me com sua resposta, sua inquietação! Considero-me um simpatizante das minorias, da "marginalidade", excluídos... daí sempre meu flerte com ideologias e causas que promovem o Ser Humano, a Cidadania!
    Sou Ator, Arte-educador e Atleta "Lula" foi uma catarse coletiva, a Esperança, Alternativa, uma Luz às Trevas! Desde seu surgimento "messiânico" ao Planalto! É inegável sua capacidade de surpreender, ousar e revelar o porquê de sua importância! Bem Vinda, e auspicioso esse orçamento para CULTURA!
    EVOÉ!!!

    UM GENEROSO 2010!!

  • Cara Deyse e centenas de outros leitores com o pensamento similar.
    Me chamo Andruchak, sou artista plástico muralista e trabalho com arte viajando todo o país. Comecei no Paraná, onde nasci, mas somente quando me mudei para São Paulo é que conquistei meu reconhecimento e pude levar minha arte para diversos outros países. O problema que se arrasta acerca da concentração dos recursos no eixo Rio São Paulo é muito mais profundo do que se possa imaginar. É quase que cultural. Se um mesmo produtor fizer a proposta de um projeto, tendo origem em São Paulo, terá muito mais força do que se efetuar a mesma proposta de qualquer outra região distante dali. E a capacidade dele será diferente por isso? Não! Mas uma grande maioria sente que se vem de São Paulo o projeto pode ser melhor. Isso fica claro quando você viaja para diversos estados e observa o comportamento dos produtores culturais, artistas e população em geral. Senti isso na pele. Para resolver a questão, todo mundo que quer realmente garantir sua proposta, acaba mudando-se para o Eixo a fim de executá-lo com maior sucesso. Aí está o impasse... no final das contas é na tão discutida região do país que se vê um maior número de grandes realizadores. Como então fazer uma distribuição igualitária para outros estados se proporcionalmente teremos um menor número de proposições de qualidade? Esse é o desafio do Ministério da Cultura. Fazer com que os grandes nomes se sintam apoioados e confortáveis em executar seus trabalhos diretamente de sua região de origem. Um dos objetivos da Caravana da Cidadania Cultural, iniciada pelo MinC, é justamente este. Mas não vai ser fácil, pois os grande canais de TV estão no Eixo e naturalmente dão visibilidade nacional para quem está à sua volta. Talvez o canal de TV do governo possa ajudar na solução, mas parece estar longe.
    Neste momento estou no Rio Grande do Norte e aqui tem muita gente com um potencial impressionante. E isso não é só aqui não. Recentemente, por ocasião do ENEARTE, acompanhei meus alunos e produzi 3 murais na Bahia, mais precisamente no campus da UFBA (Área do Centro de Esportes), e para mim ficou claro o grande potencial do país neste campo da arte e cultura. Ali se via alunos de todos os cantos do Brasil, mostrando excelelência em seus trabalhos, um claro reflexo do brilhante futuro para a arte e cultura brasileira. Neste sentido, concordo contigo em reinvidicar recursos para quem está iniciando, mas vamos começar a pensar em país ao invés de olharmos apenas uma ou outra região isolada. Precisamos de mais Leonardos Brands por aí, falando, cutucando, criticando, sugerindo, elogiando ações e sofrendo com as críticas ao seu ego, já que não tendo coisa melhor, é sempre uma boa vidraça a se jogar pedras. Eu sei, e muita gente que passar por aqui sabe o que é isso. Mas não temos que "DIVIDIR" com o Brasil inteiro os recurso e sim "SOMAR" a força de trabalho e desenvolvimento cultural. É isso que nos fará termos ainda mais orgulho de sermos Brasileiros. Não é uma questão política, mas esbarra nela o tempo todo e é aí que entra o papel de cidadão, citado por Leonardo e que deve ser, cada vez mais, uma preocupação de todos.

    _______________________
    Andruchak - Artista Plástico Muralista, Doutor pela ECA-USP, Professor e Vice-Chefe do Depto de Artes da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

  • Não custa lembrar que o governo já se comprometeu a aplicar R$ 4,7 bilhões no Mais Cultura, de 2007 a 2010. Não sabemos o quanto foi investido. Até o começo de 2009, quando eu ainda recebia informações oficiais, cortadas por não ser mais considerado uma voz "amiga" do MinC, o valor investido foi de apenas R$ 212 milhões.

    Ou seja, orçamento não significa dinheiro efetivo. É apenas um dado, um item de planilha.

    Abs, LB

  • Excelente a resposta Leonardo.. gosto mt de seus textos. E estou sempre acompanhando, obrigado por compartilhar seu conhecimento, experiência e pontos de vista.. Me identifico e aprendo muito com seus textos quase sempre densos em conteúdo.

    Abração!

  • Prezado Leonardo

    2010 O Ano da Cultura.

    Com certesa 2010 é o ano da Cultura; Já havia dito aqui que o Ministro Juca Ferreira é o CARA (da Cultura) e que iria mudar definitivamente os rumos da Cultura no Brasil; dito e feito; se ele nada mais fizer já fez sua parte; botou a cultura pra dançar; ao discutir a famigerada lei Hoaunet; com certesa fez a sua parte; agora cabe a nós promotores e produtores da Cultura Brasileira debate-la com os parlamentares brasileiros, no Congresso Nacional, legitimo lugar desta debate, e faze los acabar de vez com a lei Hoaunet e mais do que altera modifica -la criar um novo mecanismo da lei que nos dê um Norte para que possamos entender o que é CULTURA, pois no Brasil CULTURA virou Sinonimo de tudo, se o cara toca sino é cultura, se o cara harpa é cultura; se o cara toca flauta não é; então o que é CULTURA

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