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A saga da Lei Geni, feita para apanhar

Cultura é a educação que transcende o portão da escola. Em um país que afirma em uníssono que a educação é a solução para grande parte dos seus problemas, investir menos de 0,5% do orçamento da União em cultura é um contrassenso. A cultura é a educação do agora. Os resultados do investimento em cultura promovem cidadania, identidade, respeito às diferenças, autoestima e esperança para pessoas de qualquer idade ou posição social. É inconcebível que continuemos ingenuamente a tratar arte e cultura como diversão e entretenimento, e a priorizar assuntos supostamente mais sérios.

Poucas coisas são mais sérias que a crise de identidade pela qual passamos neste momento, onde não nos reconhecemos nos políticos que elegemos, um reflexo da nossa falta de cidadania, da nossa falta de respeito às diferenças, da nossa baixa autoestima, da nossa carência de cultura.

Neste contexto, apedrejar a Lei Rouanet, o único mecanismo de fomento à cultura que funciona, é um equívoco. Tal qual a Geni de Chico Buarque, a Lei é “boa de cuspir”, mas é ela quem “pode nos salvar’’.

A Rouanet está sobrecarregada. Ao longo dos anos foram sendo atribuídas a ela responsabilidades como a manutenção de equipamentos públicos, o investimento em pesquisa cultural ou o financiamento a projetos, papéis que deveriam caber a outros mecanismos mais apropriados como o Ficart e o Fundo Nacional de Cultura (FNC). Contudo, culpa-se a lei e tenta-se podar seu alcance com absurdas punições a quem gera lucro e faz sucesso, qualificações subjetivas de cultura boa e ruim e publicidade negativa de uma pequena exceção de projetos aprovados equivocadamente, gerando incertezas em uma cadeia de indústrias que gera empregos e movimenta a economia.

Quando monta-se a estratégia de um projeto cultural, é importante explorar todas as fontes de receita disponíveis, como venda de ingressos, venda de produtos, patrocínios diretos, patrocínios incentivados, licenciamento e direitos de imagem, de forma que ele não dependa de uma única fonte e amplie ao máximo sua receita global, tornando-se sustentável.

Neste aspecto, a política cultural se assemelha à estratégia de projeto. É importante viabilizar os diferentes mecanismos de gestão para que cada tipo de ação cultural se desenvolva e atinja seus objetivos sem depender de um único instrumento. Mas para que o cobertor não seja curto é fundamental lutar para aumentar a participação da cultura no orçamento da União, dando a ela o status que tem a educação.

A Lei Rouanet tem defeitos que podem e devem ser corrigidos, como a mudança dos critérios de isenção fiscal — hoje vinculados à modalidade de projeto — para conceitos como alcance, democratização e acessibilidade, já previstos no Procultura. Mas é um erro andar de lado, alijando um mecanismo eficiente e desservindo o público, os artistas, os produtores e os empreendedores, à escusa de priorizar setores cuja ineficiência pouco tem a ver com o sucesso da Rouanet. Para frente é que se anda.

*Publicado originalmente no jornal O Globo de 13 de março de 2016

Gui Afif

Diretor da Guaimbé Bureau de Cultura, especialista em captação de recursos e diretor na Associação Comercial de São Paulo.

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